"Enfrentar o bloqueio e aprender fazendo". É assim que os comuneros da Panal 2021 explicam de onde tiraram inspiração para produzir comida boa e barata dentro de uma das comunidades mais pobres de Caracas.
Localizada no 23 de Enero, bairro com forte tradição de esquerda, a comuna nasceu em 2008 e ao longo dos anos passou a administrar escolas, restaurantes populares, padarias e outros serviços oferecidos aos moradores. As iniciativas são levadas adiante de maneira autogestionada e, segundo os responsáveis, voltadas a combater a lógica da acumulação capitalista, em busca da construção de uma sociedade comunal e socialista.
No entanto, os anos de crise econômica, agravados pelas sanções impostas pelos EUA contra a Venezuela, obrigaram os comuneros a se reinventar outra vez. Com crescentes casos de escassez e um ciclo de hiperinflação, o acesso dos moradores à comida foi dificultado.
"Alguns dizem aqui na comunidade: 'amor com fome não dura' ou 'barriguinha cheia, coração contente', e 'o inimigo bloqueou aí, na necessidade das pessoas comerem'", explica Robert Longa, liderança da Panal 2021 e do movimento Força Patriótica Alexis Vive, um dos pilares sociais da comuna.
Diante desse quadro, os comuneros não tiveram dúvidas: entre os becos e vielas da comunidade decidiram cultivar porcos e peixes para garantir proteína saudável e barata para as mais de 4 mil famílias que vivem nos mais de 10 hectares administrados pela comuna.
As limitações físicas que o espaço urbano de uma comunidade impõem e a falta de conhecimento técnico na área faziam com que o projeto fosse ousado. Na base do improviso, uma piscina abandonada se tornou o primeiro tanque para a criação de tilápias e um motor para encher colchões infláveis fez o papel de oxigenador.
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"No começo, nós não sabíamos como cultivar os peixes, mas quando trouxemos os primeiros, eles começaram a se reproduzir tanto que quase não havia espaço para armazenar todos", conta Jorge Quereguan, militante do movimento Alexis Vive e um dos responsáveis pela coordenação dos projetos.
Com os bons resultados, não demorou para que a comuna conseguisse financiamento público, o que permitiu a compra de seis novos tanques e um sistema automático de oxigenação.
Quereguan explica que os peixes produzidos são destinados aos restaurantes populares e a programas alimentares coordenados pela comuna, que visam atender a população mais vulnerável da região. "Esse projeto é inteiramente voltado para alimentar as famílias, diferente da criação de suínos, que funciona com uma lógica de economia mista", diz.
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Isso porque a Porcinera Urbana del Sur, como é chamado o projeto que produz carne suína, agora passa por remodelações que, segundo os comuneros, devem permitir o salto de uma produção artesanal para industrial. A ideia, diz Quereguan, é chegar ao nível técnico e produtivo para fabricar embutidos e diversos cortes suínos, vendê-los no mercado com uma marca própria da comuna e gerar mais renda para novos projetos.
"Ao mesmo tempo, o princípio que nos guia é o abastecimento, garantir proteína na mesa do povo. Em dezembro, colocamos 50 porcos no mercado a um preço 50% mais baixo do que o que estava sendo cobrado nos grandes mercados da cidade", afirma.
Alimentar, politizar e resistir
Os projetos, no entanto, não são apenas voltados às necessidades básicas da comunidade. Reivindicando experiências como a comuna de Paris e os sovietes russos, Robert Longa deixa claro que eles estão longe de ser "uma associação de vizinhos". "A comuna é uma entidade organizativa e nós a identificamos assim, passando por antecedentes históricos, os quais nós adaptamos ao nosso espaço e tempo", diz.
Os discursos e práticas dos comuneros da Panal 2021 também estão carregados de simbologias nacionais, uma vez que se reivindicam como movimento bolivariano e chavista. As ideias do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez sobre as comunas deram ainda mais combustível para o movimento, que tem na palavra de ordem "comuna ou nada" - proclamada pelo ex-mandatário em 2012 no discurso "golpe de timón" - um dos principais pontos de apoio.
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"Quando Chávez reivindica Simón Rodríguez, naquela frase lapidaria, e diz: 'ou inventamos, ou erramos, temos que ser originais', nós conceitualizamos tudo e começamos a construir nosso próprio modelo", afirma Longa.
Esse raciocínio, dizem os comuneros, ajuda a entender a disposição de enfrentar as dificuldades econômicas que apareceram com a crise. As sanções dos Estados Unidos contra a indústria petroleira venezuelana tiveram um efeito cascata em todos os setores da economia, atingindo diretamente o poder de compra dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, o governo do ex-presidente Donald Trump havia se aliado a setores da direita na Venezuela para iniciar a chamada campanha de "pressão máxima" que visava derrubar o presidente Nicolás Maduro.
"Isso tudo se soma ao que foi definido como guerra híbrida", afirma Longa. "A guerra com os remédios e o setor da saúde, o apagão monstruoso que houve em 2019, fruto de uma sabotagem na nossa hidrelétrica de Guri. Certamente, nós padecemos, mas resistimos, estamos superando e estamos em processo de emancipação, porque se existe algo em meio à dor que a guerra econômica causou e ainda causa é que aprendemos a produzir", diz.
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A etapa mais dura da crise parece, ao menos, ter sido superada. No ano passado, o país saiu da recessão, encerrou a hiperinflação, conseguiu temporariamente estabilizar a taxa de câmbio e teve o maior índice de crescimento da região. O cenário de recuperação ainda é modesto diante da gravidade da crise que atinge o país desde 2014, mas inspira os comuneros a ampliar projetos e criar novas iniciativas.
Uma delas já está em pleno funcionamento: a "Pluriversidade", uma universidade comunal voltada à formação de técnicos em áreas estratégicas para os projetos da comuna como agroecologia, economia, comunicação e outras. Além disso, a Panal 2021 também quer tirar do papel o plano de um banco digital de desenvolvimento comunal, para investir em iniciativas produtivas como a criação de peixes e porcos comandadas por eles no 23 de Enero.
"Se você me pergunta se as comunas podem influenciar a economia, eu digo que estou convencido que sim. Eu estou convencido que esse é nosso objetivo histórico e, junto com Chávez no Golpe de Timón, estou convencido que é comuna ou nada", afirma Robert Longa. Para ele, projetos comunitários podem ser uma saída para o país diversificar a produção e romper gradativamente com a dependência petroleira.
"Nós, das comunas, devemos construir e desenvolver zonas exclusivas de produção comunal, áreas geográficas de produção. É nessa direção que estamos apontando nossos planos. Estou convencido que as comunas são o exercício do aprofundamento do povo para a construção do poder, como disse o comandante Chávez, no socialismo do século 21. Não há outra alternativa, a única alternativa é a comuna", completa.
Edição: Thales Schmidt