Parecia que ia acontecer. Na manhã da última quinta (23), com a capital paulista já congestionada por conta da greve dos metroviários que havia começado às 0h, a categoria anuncia que está voltando aos seus postos e que ninguém precisaria pagar tarifa. Às 9h24, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), confirma no Twitter a "liberação total das catracas". A imprensa reverbera e a população começa a se aglomerar nos portões das estações.
Pela primeira vez na história, a mobilização de metroviários de São Paulo teria como forma a gratuitidade do transporte. Mas aí... o governo dá um cavalo de pau.
No dia anterior, depois de não acatar as demandas dos metroviários - que pediam o pagamento do abono salarial, a revogação de demissões por aposentadoria e novas contratações -, o governo de São Paulo acionou a Justiça para tentar impedir a greve que seria deflagrada. Argumentando que a população seria prejudicada, a empresa estatal pediu uma liminar que obrigasse os metroviários a trabalhar com menor efetivo.
De forma incomum, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) negou o pedido do governo. No seu lugar, a juíza Eliane Aparecida da Silva Pedroso solicitou que ambas as partes fizessem uma proposta para lidar com a situação. A Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) não fez nenhuma. O Sindicato dos Metroviários propôs catraca livre.
Às 22h22 da quarta-feira (22), a magistrada respalda a proposta do movimento grevista em seu "exercício legítimo" e afirma que, ao não concordar, o Metrô assume que "impedirá o movimento, provocando, aí sim, prejuízos às necessidades inadiáveis da comunidade".
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Às 8h da quinta-feira (23), toca o telefone da presidenta do Sindicato dos Metroviários, Camila Lisboa. Do outro lado da linha, Osvaldo Garcia, presidente do Metrô, diz que vão aceitar a proposta de liberar as catracas e pergunta em quanto tempo os trabalhadores retomam os postos. "O mais rápido possível", garante ela. O Metrô, então, emite um documento confirmando que a tarifa não seria cobrada e o Sindicato, em uma live, orienta todos a voltarem aos postos de trabalho.
A manobra
Ao longo da manhã, começam a circular nas redes sociais vídeos e fotos dos metroviários uniformizados posicionados nas estações, provando que apenas esperavam a autorização operacional do Metrô. Que não vinha. Que não veio.
"Eu liguei para o presidente do Metrô e falei 'tem que começar a operar. Está todo mundo nos seus postos'", conta Lisboa: "Ele falou 'não tem gente nos postos'. Eu falei 'nós sabemos que tem'. E ainda disse: 'Onde que não tem?'. Ele não soube me dizer".
Às 10h18, o juiz plantonista Ricardo Apostolico Silva, do TRT-2, expede um mandado de segurança proibindo a gratuidade da passagem e determinando que os metroviários voltassem a trabalhar com um efetivo reduzido, sob pena de multa ao Sindicato. O juiz atendeu a um pedido do governo do Estado e do Metrô.
A solicitação para que a Justiça proibísse a catraca livre foi feita pelo governo de Tarcísio de Freitas às 7h18, duas horas antes de ele anunciar no Twitter que liberaria a catraca em prol da população.
"O que o Tarcísio de Freitas fez foi uma traição", descreveu Camila Lisboa. "Um show de intransigência com a população de São Paulo", definiu, em assembleia da categoria que, em resposta, manteve a paralisação.
Já que o governo boicotou o dia em que não se pagaria a tarifa, alguns passageiros o fizeram por conta própria. Na Linha 4-Amarela, que seguiu operando por ser privatizada pela ViaQuatro, houve quem simplesmente pulasse a catraca.
Por 'conduta antissindical', Metrô é multado em R$100 mil
Coroando a quinta-feira de reviravoltas, às 20h22 a desembargadora Eliane Pedroso impõe multa de R$100 mil ao Metrô por sua "conduta antissindical".
A juíza afirma, ainda, que o mandado de segurança que cancelou as catracas livres não poderia ser feito e nem mesmo tem sentido, já que a circulação sem pagamento de tarifa não tinha sido uma medida obrigatória, mas uma proposta que o próprio governo do Estado aceitou espontaneamente.
"É dizer: cassou-se o que não existia", escreve a magistrada. No seu entendimento, o Metrô e o governo do Estado expuseram a risco "não apenas e gravemente os trabalhadores, mas a população".
Metroviários conseguem abono salarial e encerram a greve
Os grevistas amanheceram na sexta-feira (24) em assembleia. Na madrugada havia chegado, pela primeira vez, uma proposta do Metrô sobre as reivindicações.
A empresa se propôs a pagar a soma do abono salarial dos anos 2020, 2021 e 2022 no valor de R$2 mil (os trabalhadores pediram R$2,5 mil por ano, totalizando R$7,5 mil); a instituir o Programa de Participação nos Resultados de 2023; e a não punir ninguém por participar da greve. O Metrô não citou as demandas por readmissão de uma lista de demitidos nem por abertura de novo concurso.
A decisão entre seguir com a greve ou terminá-la, acatando a proposta da patronal, foi apertada. Pouco mais de três mil trabalhadores votaram e a diferença foi de 21 votos. A categoria aceitou a proposta e retornou ao trabalho. Foi assim que, um dia depois de a população quase exercer o direito de se locomover pela cidade sem a condicionante de ter dinheiro, os trens voltaram a circular.
Edição: Thalita Pires