Diversas organizações populares de luta no campo se uniram para exigir que as autoridades venezuelanas investiguem e punam os responsáveis pelo assassinato do líder camponês Carlos Bolívar. Militante no estado de Guárico, Bolívar foi morto no dia 2 de março por assassinos de aluguel. Ele era uma das lideranças do Coletivo Ezequiel Zamora, organização que reúne mais de 40 famílias que vivem e produzem na fazenda Los Tramojos, localizada na cidade de Camaguán.
O crime motivou que organizações camponesas de vários estados do país protestassem em Caracas na última segunda-feira (13). Pedindo "justiça para Carlos Bolívar" e o "fim dos assassinatos no campo", cerca de 200 trabalhadores rurais marcharam do centro da cidade até a sede do Ministério Público, para exigir o avanço das investigações.
Uma comissão de representantes dos movimentos foi recebida pela Assessoria de Direitos Humanos da Procuradoria-Geral da República. Após a reunião, os ativistas afirmaram que o MP acolheu as demandas das organizações e reconheceu que a morte de Bolívar foi um assassinato por encomenda.
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Na terça-feira (14), o MP confirmou que quatro pessoas já foram presas e outras duas têm ordens de prisão emitidas pelo envolvimento no assassinato do líder camponês.
Andrés Alayo, liderança da Plataforma Luta Camponesa da Venezuela, foi recebido no MP e explicou ao Brasil de Fato o que foi discutido. Segundo o ativista "há uma boa vontade das partes para avançar".
"O Ministério Público ratificou que Carlos Bolívar foi vítima de assassinos de aluguel. Há alguns cidadãos presos, a investigação está em processo e todas as investigações vão avançar até que os culpados sejam encontrados e garantirmos a justiça para o companheiro Bolívar. Há uma boa vontade das partes para avançar. Isso nos alegra. Em meio à dor, nos alegra que pelo menos esses passos permitam levar um pouco mais de paz ao campo", disse.
Disputa em Los Tramojos
A morte de Bolívar ocorreu em meio a uma disputa judicial entre os camponeses e o empresário José Elías Chirimelli pelo controle da fazenda Los Tramojos. Chirimelli tenta, há anos, se apropriar dos 4.800 hectares que, desde 2010, são controlados pelos trabalhadores.
Naquele ano, os camponeses ocuparam as terras que, até então, estavam improdutivas e iniciaram a produção de cereais e de carne bovina. Em 2011, eles receberam do governo venezuelano a titularidade da fazenda, amparados pela Lei de Terras - aprovada em 2001 pelo ex-presidente Hugo Chávez - que visa combater o latifúndio improdutivo.
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No entanto, em 2017, as famílias foram despejadas após Chirimelli reivindicar a propriedade das terras e conseguir apoio de tribunais locais. Os trabalhadores, por sua vez, conseguiram respaldo do governo e o apoio público do presidente Nicolás Maduro. Durante uma reunião realizada em 2018 entre o chefe do Executivo e diversos movimentos camponeses de todo o país, o mandatário cobrou do Poder Judicial celeridade para solucionar casos como o de Los Tramojos.
"Devemos construir uma agenda para que revisemos e devolvamos, de maneira imediata, as terras de todos os projetos entregues pelo comandante Chávez aos camponeses, isso é uma ordem que estou dando", disse o presidente à época.
O caso, no entanto, se arrastou na justiça por seis anos e a solução só veio em abril de 2022, quando a Suprema Corte venezuelana reconheceu a invalidade dos documentos apresentados por Chirimelli e decidiu favoravelmente às famílias.
"De um lado, um ladrão de terras está burlando a lei. De outro, o Tribunal Supremo de Justiça está mantendo a ordem constitucional", argumenta Jesús Osorio, liderança do movimento Marcha Campesina.
"Ficou claro que ele fraudou documentos, o tribunal provou e entregou as terras aos camponeses. Nós dizemos ao presidente Nicolás Maduro que estaremos aqui, resguardando os direitos consolidados em nossa Constituição e que não podemos permitir que esse tipo de pessoa faça o que ele fez para se apropriar das terras", disse ao Brasil de Fato.
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O ativista, no entanto, explica que, embora os camponeses tenham vencido a disputa na justiça, eles são "constantemente ameaçados" por Chirimelli. Os movimentos agora pedem que o empresário também seja investigado no caso da morte de Carlos Bolívar.
"Nós marchamos para exigir ao governo que seja aberta uma investigação profunda, especialmente contra o senhor José Elias Chirimelli, o ladrão de terras que se apropriou de maneira indevida de 5 mil hectares de terra e colocou mais de 47 famílias em desgraça", diz.
Tensões no campo
Entre os compromissos alcançados pelos movimentos com o MP está a instalação de audiência públicas sobre violência no campo em diversos estados do país, que contarão com a participação de procuradores e organizações populares.
As entidades camponesas denunciam que, desde 2018, 22 lideranças já foram mortas. Segundo a advogada Martha Grajales, coordenadora da ONG de direitos humanos Surgentes, os anos de crise econômica agravaram os casos de violência no campo.
“Neste momento, segundo a informação disponível, eu acredito que os assassinatos por encomenda de camponeses não estão em seu maior ponto como ocorreu nos anos de 2017 e 2018. Entretanto, devemos alertar que o assassinato do companheiro Carlos Bolívar poderia estar antecedendo um possível ressurgimento desse tipo de delito”, afirma ao Brasil de Fato.
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A advogada ainda afirma que “além dos autores materiais desse crime, precisamos estabelecer quem foram os mandantes desse assassinato, porque não é suficiente prender os que atiraram, devemos saber quem está por trás dessa morte”.
Grajales também explica que as disputas no campo estão muito influenciadas pela legislação aprovada em 2001 pelo então presidente Hugo Chávez, que ataca frontalmente o latifúndio improdutivo e facilita a entrega de títulos a trabalhadores rurais.
“Podemos, inclusive, fazer diversas análises de como a lei de terras foi um dos detonadores do golpe de 2002 contra Chávez liderado por poderes econômicos hegemônicos e políticos conservadores”, afirma.
Edição: Thales Schmidt