Mais da metade das mulheres que vivem na cidade de São Paulo,– 67% –, já sofreu algum tipo de assédio. O que representa mais de 3,8 milhões de paulistanas, de acordo com a pesquisa "Viver em São Paulo: Mulheres", divulgada nesta terça-feira (7) pela Rede Nossa São Paulo, em parceria com o Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec).
De acordo com o levantamento, 53% da população feminina da capital já passou por alguma abordagem desrespeitosa. De gestos a olhares incômodos e comentários invasivos. Ao menos 45% delas também compartilharam terem sido vítimas de assédio dentro do transporte coletivo. Assim como 29% no ambiente de trabalho, 21% no ambiente familiar e 32% que já foram agarradas, beijadas ou desrespeitadas.
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As questões sobre a percepção da violência contra a mulher foram aplicadas à elas em dezembro do ano passado. Para o estudo, a Rede Nossa São Paulo e o Ipec entrevistaram, ao todo, 800 moradores da cidade, entre homens e mulheres, com 16 anos ou mais, de todas as regiões e diferentes classes sociais. A maioria das pessoas ouvidas (55%) foi de mulheres. A margem de erro é de 3 pontos percentuais, para mais ou para menos.
Assédio no transporte público
Esse é também o quinto ano consecutivo que o transporte público permanece no topo das menções como o local em que a maioria das mulheres se sentem mais amedrontadas e acreditam que correm maior risco de sofrerem algum tipo de assédio. Pelo menos 39% delas indicaram se sentir inseguras nesses espaços. Apesar de alto, o índice é o menor da série histórica, iniciada em 2019. Nos últimos quatros anos, o transporte vinha em alta, como o mais citado, por 44%, em 2019, 46%, em 2020 e 52% nas duas últimas edições.
Houve um crescimento, porém, da rua como o lugar mais perigoso. Ao todo, 23% a mencionaram, ante 17%, na pesquisa de 2022. "Acende uma luz amarela de que aumentou o assédio na rua, mas o transporte ainda é o campeão", observa o doutor em Sociologia e assessor de coordenação da Rede Nossa São Paulo e do Instituto Cidades Sustentáveis, Igor Pantoja. De acordo com o pesquisador, as condições do transporte explicam em parte ele ocupar o topo das situações de importunação sexual contra mulheres.
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"Muita gente em um único lugar. Tem a coisa do anonimato, de passar muito rapidamente pelo lugar, e até você procurar o funcionário e identificar (o agressor). (…) No transporte acaba que há um aglomerado, é difícil identificar quem é que foi que fez o comentário ou a ação de agressão. Então tem essa questão mais física, da grande quantidade de pessoas. Mas acho que, por outro lado, é importante ver que houve uma diminuição", pondera.
E no privado
O assessor avalia que as medidas de prevenção adotadas desde 2016, como a lei da gestão de Fernando Haddad (PT) que autorizou motoristas de ônibus a parar fora dos pontos para mulheres, podem estar contribuindo para essa queda. "A gente vê que tem um certo esforço nesse sentido, de melhorar a comunicação, de deixar as mulheres descerem fora do ponto à noite, há treinamentos para os funcionários dos ônibus. Então a gente quer acreditar que isso vai nesse sentido de tender a uma redução", afere Pantoja.
A pesquisa também identificou um aumento no número de mulheres que sofreram assédio no transporte particular. Nesse caso, envolvendo táxis e serviços de aplicativo, como Uber e 99. Desde 2018, o índice vem em alta, de 4% para 10% em 2020, até atingir 12% em 2021, e passar para 19% neste ano.
O dado, segundo o especialista, é "preocupante" e indica a importância do poder público de regular e reconhecer "o transporte particular como de fato um serviço de transporte". Pantoja adverte que "quase todo mundo que você pergunta já teve alguma história para contar nesse sentido (de denúncia de assédio)".
Sobrecarregadas de trabalho
"É super importante que a gente comece a entender – e que a prefeitura também entenda – que sim, é um transporte que deve ser tratado como tal. Inclusive no sentido de punições das empresas, de investigação dos casos, de campanhas voltadas diretamente para os motoristas, de que tenham que passar por treinamentos, porque eles não passam por nada. Os motoristas de ônibus vêm tendo uma série de treinamentos e campanhas que as empresas são obrigadas a fazer, enquanto as empresas de aplicativo não têm absolutamente nada", acrescenta.
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Pelo quarto ano seguido, a pesquisa da Rede Nossa São Paulo também dedicou um capítulo à igualdade de gênero, buscando mapear a divisão dos afazeres domésticos entre as mulheres e os homens. O levantamento, porém, mostra um quadro praticamente inalterado, em que as paulistanas continuam sendo responsáveis por toda ou a maior parte do trabalho doméstico. São 29% que dizem que elas fazem a maior parte. Outros 16% avaliam que essas tarefas são responsabilidade exclusiva das mulheres. E 36% responderam que o trabalho doméstico é dividido igualmente entre homens e mulheres. Em 2022, esse dado era de 37%.
Novamente, o estudo também mostra um descompasso na percepção deles e delas sobre a divisão igualitária das tarefas domésticas. Para 44% dos homens, o trabalho é dividido igualmente. Enquanto que essa percepção é compartilhada por 30% das mulheres. A novidade, deste ano, fica por conta das descrições das tarefas mais realizadas pela população masculina e feminina.
Peso do machismo
A separação mostrou que elas realizam mais tarefas centrais, como limpeza da casa e cuidados diários dos filhos. Enquanto eles tendem a se dedicar aos afazeres mais "complementares". O que segundo a Rede Nossa São Paulo indica que, sem as mulheres, "não há comida, casa limpa e organizada e nem filhos e filhas prontos para serem levadas pelos homens para a escola".
A avaliação do assessor da entidade é que tantos os dados de violência contra a mulher, como a sobrecarga de trabalho, "escancaram os estereótipos do papel de cada um". O acúmulo de responsabilidade sobre as mulheres é sobretudo maior em segmentos mais desfavorecidos economicamente, com apenas o ensino fundamental e entre a população negra. Em média, 30% avaliam que essas atividades são de responsabilidade apenas da mulher. E mesmo nos segmentos com maior renda e escolaridade, o total que reconhece a divisão do trabalho não passa de 36%.
"O que a gente identifica nas respostas é que as mulheres acabam, na prática, fazendo mais esse papel, seja por uma questão socialmente imposta, ou porque a estrutura social ainda é muito machista e acaba colocando as mulheres nesse papel. Não só porque ela necessariamente se identifica como cuidadora. Mas porque, se ela não fizer, talvez ninguém faça. Acaba que ela tem que assumir esse papel por conta dessa necessidade. Estarmos na maior cidade da América Latina, uma das maiores cidades do mundo, mas ainda tem uma prática tradicional e conservadora em que as mulheres acabam sendo sobrecarregadas", resume Pantoja.
A parte do Estado
O especialista completa que "é ruim reiterar essas questões ano a ano". "Gostaríamos de ter um cenário de evolução mais rápido, mas a ideia é trazer isso para o debate e provocar o poder público", comenta. Pantoja diz que, ainda que tardias, há mudanças, mas que a prefeitura de São Paulo deve fazer mais.
"Tem muitos recursos para fazer isso, tem uma iniciativa privada muito forte também. As empresas podem cumprir um papel nesse sentido que é muito importante. Elas acabam tendo ações muito pontuais, da porta para dentro delas. Mas elas poderiam ter uma responsabilidade maior do ponto de vista social mesmo em relação a isso e a outros temas. É mais provocar e chamar a responsabilização das instituições públicas e privadas para melhorar essa condição de vida da mulher", conclui Igor Pantoja.
Confira as pesquisas anteriores
- 2022 – Mês da Mulher: um terço dos paulistanos conhece uma vítima de violência doméstica
- 2021 –Na pandemia, tarefas domésticas sobrecarregam mais as mulheres paulistanas
- 2020 – Divisão do trabalho doméstico cresce, mas paulistanas mostram que machismo permanece
- 2019 – Assédio marca rotina das mulheres no transporte público