A sociedade brasileira deveria estar envergonhada por ter entre seus cidadãos 33 milhões de pessoas que passam fome todos os dias e outros 60 milhões que se alimentam mal.
A fome não é um problema de produção de alimentos, mas resultado das relações sociais injustas que concentram renda e riqueza, que tiram dos mais pobres os direitos fundamentais de acesso a alimentação, água e bem estar. Já nos ensinou Josué de Castro na década de 1950, com seu clássico Geografia da Fome.
Saudamos as inciativas da CNBB, que lançou a Campanha da Fraternidade deste ano na quarta-feira de cinzas, que irá ate a Páscoa, para denunciar a fome e motivar a solidariedade.
Saudamos a iniciativa do governo Lula de reconstruir o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), com participação de entidades da sociedade civil. Milhões de brasileiros e brasileiras anônimos se mobilizam para enviar alimentos aos atingidos pelas mudanças climáticas no litoral paulista.
O governo Lula se mobilizou para salvar vidas do povo Yanomami. Socorreu os camponeses gaúchos que padecem com as graves consequências da seca no Rio Grande do Sul. Os prejuízos agrícolas da seca estão calculados em R$ 28 bilhões.
Tudo isso é muito importante e necessário, mas é insuficiente. Como nos ensinou Dom Hélder Câmara, não basta denunciar as mazelas do capitalismo, é preciso sempre perguntar quem são os responsáveis.
E daí seguem as perguntas atuais: por que tantos brasileiros passam fome? Por que continuam no mercado produtos ultraprocessados que enganam a população? Por que quem produz leite, feijão, arroz paga imposto e o comércio de agrotóxicos, iates e outros bens de luxo não são tributados?
Por que os exportadores de commodities agrícolas não pagam impostos Por que o valor da merenda escolar transferido para cada estudante é de 30 centavos por refeição?
Por que a fazendeirada do agronegócio quer privatizar a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e reduzi-la a apenas uma “agência” de inteligência?
O Governo Lula precisa ter coragem para envolver os ministérios necessários e fazer um plano perene de combate às causas da fome, o que demanda medidas emergenciais com ações de médio e longo prazo.
São necessárias medidas urgentes para dar incentivo aos agricultores familiares, que são os únicos que produzem alimentos saudáveis no país. No outro lado da moeda, é preciso gerar emprego e renda para a classe trabalhadora sair dessa crise trágica que sacrifica a vida de 70 milhões de pessoas.
Além disso, construir um grande programa nacional de agroecologia, como nos ensinou a mestra Anamaria Primavesi, como forma de salvar a biodiversidade e a fertilidade dos solos.
Um grande programa nacional de reflorestamento em todo o país, não apenas na Amazônia, é fundamental para combater o desmatamento e as mudanças climáticas que afetam a todos brasileiros.
A reorganização do Consea é um alento e esperamos que seja, de fato, um espaço propositor de medidas para combater a fome e suas causas para superar as políticas paliativas. Não basta dar remédio para aliviar a dor, é preciso combater a causa da dor.
*João Pedro Stedile, economista, é militante do MST.
Edição: Rodrigo Durão Coelho