A comunidade tradicional do Sítio Conceiçãozinha, em Guarujá (SP), vai formalizar denúncia contra a Cargill na União Internacional de Associações de Trabalhadores da Alimentação, Agricultura e Afins (Uita). O ato faz parte dos manifestos contra as obras de ampliação do terminal da gigante mundial da indústria de alimentos no Porto de Santos. Um dos principais problemas do projeto, já em andamento, é que o acesso ao mar para pescadores tradicionais que vivem no local deverá ser fechado.
Em outra frente, a União dos Pescadores de Conceiçãozinha (Unipesc), a Central de Movimentos Populares (CMP) e a Associação de Combate aos Poluentes (ACPO) protocolaram representação no Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), do Ministério Público de São Paulo na Baixada Santista. Isso foi na última sexta-feira (17), véspera do carnaval.
No mesmo dia, a CMP divulgou um manifesto contra a "obra antissocial da Cargill, que literalmente está sufocando os pescadores do Sítio Conceiçãozinha" (íntegra no final da reportagem).
Na representação ao Ministério Público, os autores pedem providências contra a expansão considerada irregular dos atracadouros marítimos da empresa Cargill, vizinha do Sítio Conceiçãozinha. Isso porque as obras têm impactos na mobilidade pesqueira e potencial de poluição das águas e do ar.
"O estacionamento de gigantescos navios afetará a circulação de ar, a entrada, saída e circulação de embarcações de pescadores tradicionais, aumentará o potencial de risco de poluição das águas e atmosférica devido ao embarque e desembarque de mercadorias a granel que ocorrerá por esses terminais, criando uma barreira de aço entre o pescador e a sua fonte de renda, o mar", destacam em trecho da representação.
Para a comunidade, obra da Cargill é irregular
Comunidade antiga de origem caiçara, o Conceiçãozinha tem uma população fixa, consolidada, de cerca de 6 mil pessoas. Ali diversas ruas são asfaltadas, há iluminação, escola pública, posto de saúde e um comércio significativo. "O sentimento é de que estamos sendo emparedados pela multinacional, que chegou aqui muito tempo depois de nós", disse à RBA o líder comunitário Newton Rafael Gonçalves, de 75 anos.
Segundo ele, o bate-estaca que já rachou muitas casas na comunidade trabalha sem parar. E a obra avança sem que os moradores tenham sido ouvidos. "Não houve nenhuma audiência pública para discutir o assunto com os moradores", disse.
No entendimento do advogado da CMP, Benedito Barbosa, o Dito, a Cargill desrespeita a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil. A resolução prevê que as comunidades tradicionais, entre elas caiçaras, sejam devidamente informadas e consultadas em casos de intervenções locais como essa. Isso porque têm papel relevante na proteção do meio ambiente e, sem ela, a cultura e as práticas tradicionais não prosseguiriam.
O Sítio Conceiçãozinha está localizado entre o canal de Santos e a Via Santos Dumont, no distrito de Vicente de Carvalho, no Guarujá. Durante o governo Lula, a comunidade recebeu investimentos para melhoria da infraestrutura e houve regularização fundiária. O governo federal repassou a área para a Prefeitura de Guarujá, que em 2009 concedeu títulos de posse a 1.832 famílias.
"O presidente Lula viveu aqui em sua infância, quando veio de Garanhuns. E mais tarde, quando presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, já voltou sua atenção para o local, que nunca esqueceu. Mas agora enfrentamos essa situação difícil, contra a qual vamos lutar", disse Newton.
Cargill nega bloqueio do acesso de moradores ao canal
O Terminal Exportador do Guarujá da Cargill afirma, por meio de sua assessoria, que a realização das obras, iniciadas em janeiro de 2023, atendem solicitação da Capitania dos Portos e da Santos Port Authority (SPA). Assim, alega que seu objetivo é "ampliar a segurança das operações, conferindo mais estabilidade às embarcações nas manobras de atracação dos navios". E ressalta que as obras não eliminarão o acesso dos comunitários ao canal.
"O projeto conta com a anuência dos órgãos competentes para sua realização e, embora iniciativas desta natureza não demandem a realização de audiências públicas, em respeito aos comunitários, o Terminal procurou proativamente as lideranças locais, com quem segue dialogando e que inclusive já visitaram o Terminal para conhecer o projeto e sanar eventuais dúvidas", diz a empresa.
A Autoridade Portuária de Santos, antiga Companhia Docas, Codesp, é um empresa pública federal. Até o governo anterior, estava subordinada ao Ministério da Infraestrutura, então chefiado pelo atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Mas no atual governo, está vinculado ao Ministério dos Portos e Aeroportos, chefiado por Márcio França.
Enquanto Freitas defende a privatização do Porto de Santos, França contesta. "Quando a gente fala em privatizar o Porto de Santos, o que o governador Tarcísio pretendia (quando era ministro), que era a orientação dada pelo Paulo Guedes e Bolsonaro, era a venda da autoridade portuária. Mas esse modelo só existe em um único país, a Austrália, e mostrou muitas dificuldades", disse França em recente entrevista à CNN.
Leia o manifesto dos moradores
Cargill, empresa gigante e mundial de alimentos, amplia porto privado e fecha saída para o mar de pescadores da Vila Sítio Conceiçãozinha no Guarujá. Bate-estacas que está ampliando o porto também tem provocado rachaduras em casas de moradores na Vila. Os moradores e pescadores locais tentam impedir a obra que segue a todo vapor, para o desespero de todos no Sítio Conceiçãozinha que estão indignados com ação da empresa.
Diversas lideranças, a convite do companheiro Newton Rafael, que é dirigente da CMP, pescador e morador, visitaram o território em solidariedade aos moradores e pescadores, para, também, ampliar a denúncia sobre esta obra antissocial da Cargill, que literalmente está sufocando os pescadores do Sítio Conceiçãozinha.
Os moradores reclamam que o bate-estacas, quando está funcionando, provoca tremor nas casas, o que tem provocado diversas rachaduras nos imóveis.Os pescadores reclamam, também, que não houve qualquer audiência ou consulta pública sobre a obra. Por isso, exigem a paralisação imediata da ampliação do porto. No Sítio Conceiçãozinha vivem 6 mil pessoas e cerca de 100 pescadores dependem da pesca.