Com o estrago causado pelas fortes chuvas que atingiram o litoral norte de São Paulo nos últimos dias, o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) disse que está se articulando pela votação da proposta que prevê a criação de um fundo permanente destinado à contenção de desastres. Ex-líder da bancada do PT em 2022, o parlamentar é autor do Projeto de Lei (PL) 294/2022, que está parado na Câmara dos Deputados desde maio do ano passado.
O PL cria o chamado Fundo Nacional de Apoio a situações de Desastre, Calamidade e Emergência (Fundec), que destina 0,5% do orçamento anual da União para esse fim. A ideia é que o fundo seja vinculado ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional e receba também recursos de outras frentes, como convênios, contratos ou acordos feitos com entidades públicas, privadas, nacionais ou internacionais. O texto do projeto prevê ainda que rendimentos de outras origens também possam compor o montante.
Lopes disse ter conversado com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na quarta (22) pedindo que a proposta seja colocada em votação o quanto antes. A sugestão dada pelo petista é de que seja criada uma comissão especial para que o PL possa tramitar em um único colegiado e depois ir direto ao plenário ou, de forma alternativa, que seja instituído um grupo de trabalho sobre o tema para aperfeiçoar o texto e, na sequência, levá-lo à apreciação do plenário.
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A ideia é buscar agilidade na tramitação da medida para que logo adiante o fundo possa socorrer populações em situação de calamidade gerada por enchentes, assim como tem ocorrido em São Paulo. “Eu acredito que o parlamento esteja sensível a encontrar uma solução mais definitiva. Acredito que, com a eleição do presidente Lula, criou-se um clima mais federativo, mais de colaboração e menos bélico. Isso acaba influenciando positivamente os deputados e senadores. Acredito que tenha um clima mais favorável. Vamos discutir com o colégio de líderes qual o melhor caminho”, afirma Lopes.
Ações
Do ponto de vista do conteúdo, o PL 294 fixa que as verbas do Fundec devem ser investidas em “ações de mitigação, preparação, prevenção, recuperação, resposta e restabelecimento em apoio às situações de desastre, calamidade e ou emergência nos município e estados”. O projeto pontua que as medidas devem ser efetivadas em parceria com a Secretaria Nacional de Defesa Civil.
Para Lopes, a criação do Fundec seria também uma forma de não se estimular a utilização do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) por trabalhadores atingidos pelas enchentes, como tem ocorrido em São Paulo, por exemplo. Diante da calamidade ocorrida no litoral norte, onde 48 pessoas morreram nos últimos dias, o governo federal liberou saques do FGTS para famílias atingidas pelas chuvas.
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“Talvez o grande papel desse fundo seja indenizar as pessoas porque a maioria nem tem FGTS e, para os que têm, isso é uma poupança do trabalhador. Não é justo que a ausência de Estado, de políticas públicas de prevenção do problema crie contexto para que o próprio cidadão pague a conta com a sua poupança. Isso deve ser uma indenização do Estado brasileiro, inclusive por omissão.”
Áreas de risco
Segundo dados divulgados na quarta (22) pelo ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, o governo federal conseguiu mapear 14 mil pontos de áreas de risco vulneráveis a alagamentos e desabamentos no país, os quais concentram 4 milhões de pessoas. “Então, foi providencial a retomada do Minha Casa Minha Vida, dos R$ 10 bilhões liberados pelo presidente Lula e da orientação dele que propõe priorizar habitações de demandas dirigidas para diminuir a possibilidade de risco de moradia das pessoas", disse.
Waldez também tem alfinetado o governo Bolsonaro por ter deixado um orçamento de apenas R$ 25 mil para prevenção de desastres ao longo de 2023. De acordo com Reginaldo Lopes, é esse tipo de problema que o PL 294 busca afugentar: com a criação de um fundo permanente, a ideia é que a assistência a áreas de risco em situações de emergência deixe de ser dependente da vontade ou herança política de governos de plantão. Segundo o texto do projeto, se o fundo já existisse, teria captado cerca de R$ 23 bilhões somente no ano passado.
“É fundamental se ter uma política de prevenção [do problema] e de remoção das pessoas de áreas de riscos, com política de indenização, com construção de novas moradias porque, na verdade, o povo foi marginalizado. Parte das pessoas de menor poder econômico foi colocada à margem de uma política de habitação, de moradia popular. Então, nesse sentido, eu acho que esse fundo seria uma conquista federativa e civilizatória. É um absurdo no século XXI se ter chuva e as pessoas perderem a vida por causa das chuvas”, argumenta.
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Tramitação
Com as articulações de Lopes junto ao presidente da Câmara, deverá ser definido na próxima semana o rito que o PL irá assumir na Casa, onde ele foi protocolado em fevereiro do ano passado. O texto, no entanto, paralisou em maio na Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (Cindra) e não chegou a ser votado por conta da queda no ritmo dos colegiados em virtude da proximidade com o calendário eleitoral.
A comissão aguarda a apresentação do parecer do relator, João Daniel (PT-SE), que defende a aprovação da proposta. Em conversa com o Brasil de Fato, o petista argumentou que é preciso considerar a gravidade do problema, potencializado pela falta de planejamento na formação da maior parte das cidades brasileiras.
“Os pobres deste país foram morar nos morros, nas [proximidades das] marés, nas encostas e, portanto, em cada catástrofe nós vemos a situação de morte da população. Essa é a situação. Então, precisamos ter um fundo nacional pra buscar soluções antes de o problema ocorrer ou pelo menos, pra quando ocorrer, em vez de fazer campanha de alimentação, o estado ter um fundo para garantir o mínimo de dignidade diante do sofrimento das pessoas.”
:: Litoral de SP teve maior volume de chuva já registrado no país ::
Além do que tem ocorrido em São Sebastião (SP), o país viu enchentes de grandes proporções afetarem outros estados nos últimos anos. Na virada de 2021 para 2022, por exemplo, a Bahia foi duramente atingida por chuvas torrenciais. O episódio destruiu casas, desabrigou milhares de moradores, deixou pelo menos 58 cidades debaixo d’água e matou pelo menos 18 pessoas.
Petrópolis, município da região serrana do Rio de Janeiro, também foi palco de uma tragédia ano passado. Em fevereiro, a cidade foi inundada por uma grande tempestade que deixou um rastro de 233 pessoas mortas e mais de 1.100 desabrigadas. Outra catástrofe que figura na lista das mais recentes é a que ocorreu em Minas Gerais no final de 2022, quando 341 municípios ficaram em situação de emergência após um grande volume de chuva que provocou a morte de 24 pessoas.
Edição: Vivian Virissimo