Estados Unidos

Quão perigoso foi o descarrilamento do trem com carga química em Ohio?

Um engenheiro ambiental avalia os riscos a longo prazo

Indiana (EUA) |
Fumaça sobe do acidente ferroviário do dia 4 de fevereiro - DUSTIN FRANZ / AFP

Dores de cabeça e odor persistente causado por compostos químicos vindos do descarrilamento de um trem em East Palestine, no estado americano de Ohio, têm deixado os moradores preocupados sobre o ar e a água da região – e a desinformação nas mídias sociais não tem ajudado.

Durante uma coletiva de imprensa no dia 14 de fevereiro, autoridades governamentais divulgaram mais detalhes do processo de limpeza, além de uma linha do tempo do desastre ambiental. Aproximadamente dez vagões transportando carga química, incluindo cloreto de vinila – um cancerígeno – descarrilaram na tarde do dia 03 de fevereiro. Após o ocorrido, um incêndio no local gerou fumaça escura e ácida. Autoridades disseram que testaram mais de 400 casas nos arredores da área do descarrilamento procurando por sinais de contaminação e estão monitorando uma nuvem de produtos químicos que vazaram e já mataram 3,5 mil peixes em córregos, além de ter atingido o Rio Ohio. 

Contudo, a lenta divulgação de informações após o descarrilamento levantou muitas perguntas não respondidas acerca dos riscos e impacto de longa duração. O The Conversation propôs cinco questões sobre a liberação da carga química a Andrew Whelton, engenheiro ambiental que investiga riscos químicos em desastres. 

Vamos começar falando sobre o que os vagões transportavam. Quais são os compostos químicos mais preocupantes para a saúde humana e o meio ambiente a longo prazo, e o que se sabe até o momento sobre o impacto de sua liberação?

As maiores preocupações agora são a contaminação das casas, solo e água, principalmente por compostos orgânicos voláteis e compostos orgânicos semivoláteis, conhecidos pelas siglas COVs e COSVs, respectivamente.

O trem tinha aproximadamente dez vagões com cloreto de vinila e outros materiais, como o acrilato de etilexila e acrilato de butila. Esses químicos possuem variados níveis de toxidade e diferentes destinos no solo e lençóis freáticos. Autoridades detectaram alguns deles próximos a hidrovias, bem como material particulado no ar resultante do incêndio. Uma variedade de outros materiais também foram liberados, mas o debate sobre esses outros compostos tem sido limitado. 

Autoridades governamentais afirmaram que uma nuvem de contaminação liberada nos arredores de um riacho chegou ao Rio Ohio.


:Dispositivos de air-stripping, como o utilizado acima após o descarrilamento, podem ajudar na separação de compostos químicos contidos na água / Agência de Proteção Ambiental dos EUA

Outras cidades consomem a água deste rio e por isso foram alertadas acerca do risco [de contaminação]. Quanto mais longe essa nuvem vai seguindo o curso do rio, menos concentrados serão os compostos na água, assim apresentando menor risco. 

A longo prazo, o maior perigo está na área mais próxima ao local do descarrilamento. E, mais uma vez, há pouca informação sobre quais compostos foram encontrados ou criados a partir de reações químicas decorrentes do incêndio. 

Ainda não está claro quanto [desse material] foi parar em bueiros, riachos ou pode ter se depositado no fundo de cursos de água.
Houve também muito material particulado queimado – a fumaça escura é uma clara indicação disso. Não se sabe com certeza quanto disso diluiu-se no ar ou está sobre o solo.

Por quanto tempo esses compostos permanecem no solo e na água, e qual o potencial risco duradouro para humanos e a vida animal selvagem?

Quanto mais pesado for o composto, normalmente mais devagar ele se degrada e mais provável sua aderência ao solo. Eles podem permanecer por anos se ignorados.  

Em 2010, após a ruptura do oleoduto que atingiu o Rio Kalamazoo, no estado americano do Michigan, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA, na sigla em inglês) escavou um rio afluente onde o óleo havia se depositado. Nós também vimos em vazamentos nas costas do Alasca e Alabama [estados americanos] que produtos químicos do petróleo podem contaminar o solo caso nada seja feito.

O impacto mais duradouro em Ohio dependerá, em parte, de quão rápida e minuciosa serão as limpezas.

Se os solos e cursos de água contaminados forem escavados e removidos, o impacto a longo prazo poderá ser reduzido. Mas quanto mais demoradas forem essas remoções, para mais longe a contaminação se espalhará. É do interesse de todos limpar isso o mais rápido possível e antes que chova na região.

Barreiras em um córrego próximo foram instaladas para capturar produtos químicos. Os dispositivos de air-stripping estão sendo utilizados para remover compostos dos cursos de água. Esse tipo de equipamento retirada da água os compostos voláteis, lançando-os ao ar. Esta é uma técnica comum de tratamento e foi utilizada após o vazamento de óleo ocorrido em 2015 no Rio Yellowstone, próximo à cidade de Glendive, no estado americano de Montana. 

No local do descarrilamento em Ohio, trabalhadores já estão removendo o solo contaminado, extraindo cerca de dois metros de profundidade na área próxima ao incêndio dos vagões.

Alguns dos vagões do trem foram intencionalmente drenados e os compostos queimados para que fossem eliminados. Esse fogo gerou uma fumaça escura e fina. O que isso diz sobre os compostos e os perigos a longo prazo?

Incineração é uma possibilidade de descarte de materiais químicos perigosos. Todavia, a destruição incompleta deles cria uma série de subprodutos. Compostos químicos podem ser destruídos quando aquecidos a temperaturas extremamente altas de modo a queimarem totalmente.

A nuvem de fumaça preta vista na TV resultou de combustão incompleta. Um número de outros compostos foram gerados. Até que testes sejam realizados, as autoridades não necessariamente sabem o que estes materiais eram ou para onde foram.

Nós sabemos que cinzas podem apresentar riscos à saúde, motivo pelo qual testamos o interior das casas após incêndios nos quais estruturas são queimadas. Foi esta uma das razões para o diretor federal de saúde ter dito aos moradores que possuem poços de água particulares próximos ou ao longo do local do descarrilamento que usem água engarrafada até que os poços sejam testados. 

A Agência de Proteção Ambiental dos EUA tem feito triagens em casas próximas ao local do descarrilamento devido a preocupações com a qualidade do ar interior. Como esses compostos entram nas casas e o que acontece com eles em ambientes fechados?
Casas não são herméticas e, às vezes, poeira e outros materiais entram nelas. Pode ser por uma porta aberta ou peitoril da janela. Às vezes são as próprias pessoas que levam esse material para dentro de casa. 

Até o momento, o EPA não reportou qualquer evidência de níveis altos de cloreto de vinil ou cloreto de hidrogênio nas mais de 400 casas testadas. Mas falta total transparência. Só porque uma agência estatal está fazendo testes não significa que ela esteja testando o que é necessário.

Os veículos de mídia informaram sobre quatro ou cinco compostos, mas um manifesto da Norfolk Southern [Railway, empresa ferroviária responsável pelo trem] também listou vários outros materiais nos tanques que pegaram fogo. Todos esses materiais criam potencialmente de centenas a milhares de COVs e COSVs.

Tem havido muito debate público sobre os COVs. Eu incentivo a discussão sobre COSVs e outros materiais. Toda a área deveria estar sendo testada. 

As autoridades estatais estão testando tudo que deveria ser testado?

As pessoas da comunidade atingida tem relatado dores de cabeça que podem estar sendo causadas por COSVs e outros materiais. Elas estão compreensivelmente preocupadas. 

Autoridades do estado de Ohio e do governo federal precisam comunicar melhor o que têm feito, o porquê e o que pretendem fazer. Não está claro quais questões eles estão tentando responder. Para um desastre tão grave, pouca informação sobre testagens foi compartilhada. 

Na ausência de transparência, a desinformação está preenchendo os vácuos. Do ponto de vista de um morador, fica difícil compreender o verdadeiro risco se as informações não são divulgadas. 

Edição: Flávia Chacon