Negligência?

Substância cancerígena escapa após acidente com trens nos EUA

Acidente pode ter sido facilitada por desregulamentação do setor e faz material tóxico se espalhar

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Acidente com trem espalhou materiais tóxicos nos EUA - Dustin Franz / AFP

A notícia parece antiga, pois o fato aconteceu há mais de dez dias, em 3 de fevereiro: um trem de carga da companhia Norfolk Southern descarrilhou nas proximidades do vilarejo de East Palestine, em Ohio, no Nordeste dos Estados Unidos.

Cerca de dez vagões que continham produtos químicos altamente tóxicos e cancerígenos terminaram derramando seu conteúdo, o que gerou uma enorme explosão, afetando não só a região onde aconteceu o acidente, já que as nuvens provocadas pelas chamas espalharam as substâncias por um raio de milhares de quilômetros, poluindo o ar, lagos e rios da região – que fica próxima à fronteira com o estado da Pensilvânia, também afetado.

O descarrilamento ocorreu durante a noite de 3 de fevereiro na zona de East Palestine, Ohio, no nordeste do país norte-americano, muito perto da fronteira com o estado da Pensilvânia.

Chernobyl norte-americana

Entre os produtos derramados e expostos à combustão havia uma grande quantidade de cloreto de vinila, altamente letal para humanos e que, segundo o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, pode provocar diferentes tipos de câncer se inalada por muito tempo.

Além disso, a queima do cloreto de vinila produz o fosgênio, substância que foi muito popular na Primeira Guerra Mundial, quando era utilizada pelos dois grupos em conflito como arma química.

Por essa razão, as autoridades sanitárias locais têm alertado para a necessidade de um forte operativo de evacuação e contenção de danos, pelo risco de que as consequências desse acidente possam gerar um cenário proporcionalmente similar ao que ocorreu nos Anos 80 na União Soviética, com a explosão da antiga usina de Chernobyl [em território que hoje faz parte da Ucrânia].

No entanto, há muito pouca informação a respeito desse caso. Apesar de já haver passado mais de uma semana do descarrilhamento do trem e da propagação das nuvens tóxicas por um raio de 1,7 mil quilômetros, as autoridades federais quase não têm tocado no assunto, estando mais atentas nos últimos dias aos casos dos globos interceptados nos céus do Alaska e do Canadá, que supostamente teriam sido enviados pela China.

Essa pouca repercussão inclui a própria imprensa hegemônica norte-americana, que não tem comentado quase nada a respeito.

As autoridades locais tem sido mais ativas, mas ainda assim de forma autoritária. O governador de Ohio, Mike DeWine (Partido Republicano), emitiu uma ordem de evacuação de East Palestine e cidades vizinhas já no dia 5 de fevereiro.

No entanto, esse mesmo governador tem usado a desculpa do “momento de emergência” para justificar a violência contra meios de imprensa que fazem maiores questionamentos sobre as causas, consequências e responsabilidades do acidente.

Durante uma coletiva para a imprensa local, DeWine ordenou a prisão do jornalista Evan Lambert, alegando que ele “fazia muito barulho e estava atrapalhando” o seu discurso. O repórter retrucou dizendo que estava apenas fazendo perguntas sobre o que parecia contraditório nas versões sobre as causas do acidente.

Trabalhadores culpam empresa ferroviária

Para o Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários dos Estados Unidos (RWU, por sua sigla em inglês), o descarrilhamento do trem expôs as falhas sistêmicas do sistema ferroviário privatizado do país.

“Nos últimos 10 anos, os transportadores de Classe Um [empresas ferroviárias com as maiores receitas] aumentaram drasticamente o comprimento e o peso médio dos trens, ao mesmo tempo em que diminuíram as manutenções e inspeções, e temos uma bomba relógio”, explicou o sindicato, em um comunicado recente.

Uma reportagem do periódico The Lever lembra que a empresa Norfolk Southern realizou fortíssimo lobby durante o mandato de Donald Trump e conseguiu a revogação das regulamentações destinadas a melhorar as normas de segurança nas ferrovias. Entre as medidas aplicadas a partir de então está o fim da exigência de freios eletrônicos [muito mais eficientes que os convencionais] para vagões que transportam materiais perigosos.

A matéria também mostra que as empresas ferroviárias estão entre as principais doadoras para campanhas do Partido Republicano: somente em 2016, as grandes companhias do setor doaram mais de 6 milhões de dólares para a campanha que levou à vitória eleitoral de Trump.

Ainda assim, o Departamento Nacional de Segurança dos Transportes dos Estados Unidos (NTSB) afirma que o acidente foi causado por um problema mecânico. Outra entidade que vem dando comunicados no sentido de minimizar os efeitos do desastre é a Agência de Proteção Ambiental (EPA), que assegura que os danos aos ecossistemas locais são limitados.