"Intensificar a luta armada para expulsar o invasor e culminar na soberania". Com esse lema, a Frente Polisário, organização política que dirige o Saara Ocidental, retomou os bombardeios às zonas de seu território ilegalmente ocupadas pelo Marrocos. Desde o fim do 16º Congresso, no dia 20 de janeiro, o Exército Popular de Libertação Saaraui (EPLS) retomou os ataques diários contra o muro de 2,7 mil km construído pelo governo marroquino para dividir o território do Saara - que está 85% sob controle marroquino e apenas 15% com a Frente.
Desde 2020, o EPLS já vinha se defendendo de ataques do exército marroquino, que rompeu o acordo de cessar-fogo com um bombardeio na região conhecida como "fenda de Guerguerat", que conecta o deserto do Saara ao Oceano Atlântico. A partir das resoluções do Congresso, o Exército saaraui retomou a estratégia de confronto de baixo impacto, com bombardeios diários. O último ataque foi realizado no domingo (5), na região de Mahbes, próximo ao "muro da vergonha", segundo comunicado do Ministério de Defesa.
"Buscamos todo tipo de soluções. Lutamos, esperamos, negociamos. E para todo o povo saaraui, que quer conquistar a independência, a única maneira pela qual vemos que isso possa ser viável é voltar à guerra e mandar essa mensagem ao mundo: ninguém conquista o direito a sua terra sem lutar", sentencia Paco Sidha, oficial do Exército Popular.
O povo saaraui protagoniza uma das guerras por independência mais longas da história. Primeiro, foram quase 100 anos lutando para deixar de ser colônia da monarquia espanhola. Agora, são 48 anos contra a invasão armada do Marrocos.
Para enfrentar as agressões externas, no dia 10 de maio de 1973, foi criada a Frente Polisário, um esforço para unificar todas as organizações políticas saarauis. E já em 20 de maio do mesmo ano foi realizada a primeira operação militar contra o exército espanhol.
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Mesmo com força bélica claramente desproporcional, o Exército Popular venceu os militares espanhois, depois conseguiu expulsar as forças armadas da Mauritânia do sul do seu território e, por fim, arrancou o acordo de cessar-fogo de Rabat, em 1991.
"Todos sabem que se não fosse o cessar-fogo, o exército marroquino teria sido derrotado por uns camponeses, como eles dizem", afirma ao Brasil de Fato Hosein Ergueibi, oficial do exército saaraui há quase 40 anos.
No último domingo (5), foi realizado o primeiro Conselho de Ministros do novo governo saaraui, eleito em janeiro deste ano. Após o encontro o presidente Brahim Ghali reafirmou que todos os recursos serão prioritariamente voltados a atender o EPLS.
"Hoje somos mais fortes, com uma organização sólida, um exército preparado e decidido a completar a missão de libertação, um Estado que disfruta de seu status no continente e em nível internacional, e um povo forte", declarou Ghali, em mensagem televisiva, no dia 5.
Apesar das décadas de hostilidades, os militares saarauis não perdem a relação de irmandade com os vizinhos marroquinos.
"Temos convicção de que no futuro teremos boas relações de cooperação com Mauritânia e com o Marrocos. Os marroquinos são árabes e muçulmanos. Temos a obrigação de estabelecer relações com eles", explica Ergueibi.
No Saara Ocidental, o serviço militar não é obrigatório, e tanto homens como mulheres são incentivados a somar-se às fileiras do exército popular. Os militares não revelam o número exato de efetivos, mas, em cada esquina das cinco Wilayas (estados) de refugiados saarauis na Argélia, há militares: alguns em serviço, outros de licença. A cada mês no front de batalha, os soldados recebem três meses de descanso.
Ergueibi comenta que, em 1975, os saarauis não tinham nenhum preparo e "as armas mais sofisticadas" eram fuzis Kalashnikov, que se popularizaram após a 2a Guerra Mundial. Questionado sobre o segredo do sucesso, Hosein Ergueibi é categórico: "nossa causa é justa".
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Hoje o Exército saaraui possui apoio dos seus vizinhos africanos, incluindo a Argélia e a África do Sul. E também há indícios de cooperação com o Irã e a Rússia. Enquanto o Marrocos recebe apoio tácito da França, Estados Unidos e de Israel.
"Qual seja a melhor forma do mundo ver a nossa causa, nós adotaremos, mas não abandonaremos nossos fuzis, contra um inimigo que nos expulsou do nosso território, nos tratou mal e está sendo apoiado por várias potências ocidentais contra um povo humilde e lutador", declara ao Brasil de Fato Paco Sidha.
O líder da Frente Polisário caracteriza a nova etapa do confronto com o Marrocos como a "Segunda Guerra de libertação nacional". Para Ghali, o momento requer "sacrifícios, preparação e unidade nacional".
Diante da convocatória do líder da República Saaraui, os soldados estão às ordens.
"Vamos lutar onde seja, como seja, pelo tempo que for necessário e da maneira que possamos. Nós optamos pelas palavras para mostrar ao mundo que somos um povo de paz. Com uma mão soltamos uma pomba da paz e com a outra levantamos nossos fuzis para a defender nossos direitos", diz Paco Sidha.
Edição: Arturo Hartmann