Erro no balanço

Rombo contábil de R$ 20 bilhões coloca em xeque futuro das Lojas Americanas

Presidente da gigante do varejo brasileiro renunciou dias após detectar problemas em divulgações financeiras

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Americanas têm mais de 1.700 lojas no país e cerca de 18 mil funcionários - Divulgação

O economista Sergio Rial renunciou nesta quarta-feira (11) ao cargo de presidente da empresa Americanas SA, dona das Lojas Americanas e do site Americanas.com. A decisão surpreendeu o mercado pois ocorreu dez dias após sua posse. Chamou ainda mais atenção pela sua justificativa: Rial decidiu deixar a companhia depois de identificar "inconsistências em lançamentos contábeis" de R$ 20 bilhões no balanço da varejista.

O valor é gigante. É mais que a metade dos R$ 32 bilhões que a empresa arrecadou com suas vendas durante todo 2021 – último dado disponível. É também quase o dobro do valor estimado da companhia: R$ 11 bilhões.

Por isso, a divulgação desse "erro de contabilidade" reduziu em até 80% o valor das ações da empresa negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, no início da tarde desta quinta-feira (12). Mais do que isso: o fato colocou em xeque a capacidade de as Americanas permanecerem funcionando como hoje.

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A empresa, fundada em 1929, tem mais de 1.700 lojas físicas no país, segundo seu site. Todo o grupo conta com cerca de 18 mil funcionários.

"É muito difícil saber o que vai acontecer neste momento", diz Andrew Storfer, diretor do Núcleo de Economia da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). "Mas o que se sabe é que o valor é muito relevante."

Qual é o erro?

Até onde se sabe, a Americanas teria deixado de lançar em seu balanço dívidas contraídas para pagamento antecipado de seus fornecedores.

Segundo o Brasil de Fato apurou com um contador de uma grande empresa de varejo, companhias desse segmento contraem uma espécie de empréstimo para pagar quem fornece produtos a elas. A Americanas, contudo, não estaria divulgando dados sobre isso.

Os empréstimos funcionam assim: uma empresa varejista compra, por exemplo, R$ 1 milhão em produtos de um fornecedor para revender. Geralmente, os pagamentos são feitos 90 dias após a entrega dos produtos pelo fornecedor. Na negociação, porém, pode ser acertado que o pagamento seja feito no ato da entrega em troca de um desconto.

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As empresas de varejo nem sempre têm dinheiro em caixa para pagar seus fornecedores à vista. Para acertar suas contas, então, elas negociam que um banco pague esse fornecedor em seu nome. Depois, a varejista paga o banco, assumindo também um gasto com juros.

A Americanas não estaria informando em seu balanço que, para pagar fornecedores antecipadamente, estaria contraindo empréstimos.

Sem essa informação, a tendência é que a empresa tenha um valor maior e, por consequência, ações mais valorizadas. Isso porque uma empresa com menos dívidas vale mais que uma empresa com mais dívidas.

Ninguém viu?

Storfer, da Anefac, disse que casos como esses são raríssimos com empresas que têm ações vendidas na Bolsa de Valores, como a Americanas. Isso porque essas companhias passam por auditorias periódicas e precisam seguir regras de governança.

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A Americanas, inclusive, está listada no chamado Novo Mercado na Bolsa. Para isso, adotou de forma voluntária uma governança ainda mais transparente.

Storfer, entretanto, não descarta nenhuma hipótese para explicar o rombo dos R$ 20 bilhões. Segundo ele, é possível inclusive que uma fraude contábil para valorizar a empresa artificialmente tenha sido realizada – embora essa hipótese deja remota, disse ele.

Edição: Nicolau Soares