O presidente colombiano Gustavo Petro se comprometeu a liberar presos políticos da greve geral de 2021 para que sejam inseridos em programas vinculados ao projeto de pacificação nacional. "Serão declarados gestores de paz antes do Natal", anunciou Petro, no último sábado (3). Cerca de 118 jovens poderão aderir aos serviços comunitários inseridos na proposta de "paz total" do novo governo.
De abril a junho de 2021, a Colômbia vivenciou a maior greve geral da sua história. Os protestos iniciaram no dia 28 para reprovar uma reforma tributária proposta pelo governo de Iván Duque.
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Segundo levantamento de organizações de direitos humanos, em dois meses de paralisação foram registrados 75 homicídios, 4.285 casos de violência policial, mais de 300 desaparecidos e 81 vítimas de lesão ocular por disparos da polícia.
"Os governos que ordenam sua polícia a matar, prender, torturar e deter os jovens são antidemocráticos e este é um governo da mudança", criticou Petro. "Este governo não converge com todos líderes juvenis, sociais e ativistas - que estavam simplesmente se expressando - e não vamos mantê-los presos nas cárceres da Colômbia, quando têm direito de passar Natal com suas famílias", agregou o chefe de Estado salientando o direito de livre protesto como uma garantia democrática.
Ao todo 244 pessoas foram processadas e 118 continuam presas por sua participação nos protestos do ano passado.
Erika Prieto é advogada e dirigente da organização Congreso de Los Pueblos. Durante a greve geral, foi uma das defensoras de direitos humanos credenciadas para acompanhar os atos ao lado dos "Escudos Azuis" - organização de jovens de linha de frente dos protestos.
Por sua atuação, Erika foi acusada de "rebelião" pelo Ministério Público da Colômbia e chegou a ser detida em dezembro de 2021.
"O que o Ministério Público fez foi criminalizar toda a militância política desde 2010, caracterizando como 'rebelião agravada' e em cima disso expediram a ordem de detenção. O processo não terminou, eu fui liberada após dez dias de detenção, porque não puderam confirmar qualquer agravo que justificasse o pedido de prisão preventiva dos juízes", explica Erika Prieto em entrevista ao Brasil de Fato.
"Não tivemos nenhuma audiência este ano, mas seguimos esperando e lutando para construir uma Colômbia digna", afirmou Prieto.
Somente o Congreso de Los Pueblos acumula 400 militantes detidos e 150 processos na justiça em 12 anos de sua fundação.
Os novos anúncios fazem parte da aposta do Pacto Histórico na proposta de "paz total". Em outubro, o Congresso da Colômbia aprovou um projeto de lei proposto pela base governista, que reconhece a busca pela paz como uma política de Estado.
A lei 418 também reitera o fim da obrigatoriedade do serviço militar e estabelece o serviço social para a paz: a possibilidade de que jovens exerçam durante um ano serviços comunitários vinculados à alfabetização digital, defesa do meio ambiente, segurança de patrimônios culturais, assistência a idosos, implementação dos acordos de paz e atenção às vítimas do conflito armado ao invés de ingressar no exército.
Os jovens presos durante a greve geral de 2021 poderão acessar os mesmos programas de reinserção e promoção da paz nas suas comunidades.
"Isso confirma que a paz se constroi com os atores que protestam e levantam vozes rebeldes na sociedade. É uma vitória do movimento popular, porque foram as organizações de direitos humanos que propuseram essa figura, já que o governo não possuía uma rota para libertá-los", comenta a dirigente da organização Congreso de los Pueblos.
A Colômbia vive 58 anos de conflito armado, com cerca de 260 mil vítimas, o que ajuda a constituir um cenário de violência estrutural.
Além da repressão aos manifestantes, somente em 2021, foram registrados 96 chacinas com 338 vítimas, de acordo com o Instituto para o Desenvolvimento da Paz (Indepaz).
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"Paramilitares criminosos de lesa humanidade puderam ser gestores de paz, por que os jovens da linha de frente, que salvaram o país da Reforma Tributária de Duque e Carrasquilla não podem?", disse o senador do Pacto Histórico, Gustavo Bolívar, para rebater as críticas da oposição sobre o anúncio de Petro.
Entre as vozes dissonantes, está o ex-ministro de Defesa, Diego Molano, que foi acusado de acobertar chacinas promovidas pelas Forças Armadas e estava no cargo durante a greve geral. "É uma anistia velada, uma afronta aos colombianos que sofreram com os bloqueios de rua", disse.
A congressista da bancada governista María Fernanda Carrascal rebateu: "saíram às ruas com fome, merecem alternativas para somar na vida do país e decidir seus projetos de vida".
Erika explica que a proposta surgiu das organizações que compõem "Nem um dia a mais" contra as prisões políticas e foi apresentada ao Conselho de Juventude da atual gestão para garantir a liberdade dos presos da greve de 2021.
A advogada explica que para conceder um indulto, Petro deveria aprovar uma nova lei no Congresso, por isso incorporá-los aos serviços de paz seria a opção mais adequada.
"Não sabemos quais trabalhos irão desenvolver. Queremos que eles sejam gestores de paz, mas que isso aconteça dentro de uma dinâmica social que lhes permita acesso à educação, ao trabalho, e com isso possam ser líderes sociais nas suas comunidades", destaca a advogada e defensora de direitos humanos colombiana.
Edição: Nicolau Soares