Se você acompanha esta coluna, sabe muito bem que não adianta vir aqui defender que “política e esporte não se misturam”. Esse discurso (defendido pela Fifa com unhas e dentes nesses últimos dias) só deixa claro que a entidade que comanda o futebol mundial tem muita coisa a explicar sobre uma série de coisas que ainda não foram explicadas.
Dito isto, não há como não colocar a Copa do Mundo do Catar no “seleto” grupo das mais controversas e mais polêmicas da história. A começar pelas denúncias de desrespeito aos Direitos Humanos no país, pela perseguição da população LGBTQIA+ e pelos milhares de trabalhadores mortos no país durante as obras dos estádios do Mundial. Fora isso, qualquer manifestação política ou contrária aos interesses dos sheiks e cartolas da Fifa vem sendo combatida com todas as forças disponíveis lá no Catar.
Não julgo quem queria acompanhar a Copa do Mundo por puro entretenimento e também para torcer para a nossa Seleção Brasileira. É o que eu e muita gente está fazendo nesse final de ano. E tá tudo bem. De boa mesmo. Só que não dá pra fechar os olhos para uma série de decisões no mínimo controversas por parte da Fifa e de seus dirigentes.
Sim, teremos jogos de tirar o fôlego nesse Mundial.
A própria estreia do Brasil contra a Sérvia na quinta-feira (24) já será uma partida de altíssimo nível técnico. Teremos confrontos interessantes como França x Dinamarca, Alemanha x Espanha, Portugal x Uruguai e Polônia x Argentina só para citar alguns. Será também a última Copa do Mundo dos craques Lionel Messi e (possivelmente) Cristiano Ronaldo.
Mas esse também será o Mundial dos protestos e das controvérsias por conta de uma série de fatores. O processo de escolha do Catar como sede da vigésima segunda Copa do Mundo da história está envolto em controvérsias já divulgadas no documentário “Fifa Uncovered”, da Netflix. E pelo que dizem por aí nos corredores e nas conversas de WhatsApp, não sabemos da missa nem a metade. Some isso a todos os problemas de desrespeito aos direitos humanos e teremos o “combo” perfeito para o caos.
A tentativa da Fifa em aliviar a própria barra foi sofrível e embaraçosa.
Na véspera de abertura da Copa do Mundo, Gianni Infantino, presidente da entidade, fez um dos discursos mais constrangedores da história do futebol e colocou todas as críticas à escolha do Catar como sede da Copa do Mundo no pacote do preconceito contra árabes. “Hoje me sinto catari. Hoje me sinto árabe. Hoje me sinto africano. Hoje me sinto gay. Hoje me sinto deficiente. Hoje me sinto trabalhador migrante.”
Lembrem-se de que o mesmo Gianni Infantino afirmou em entrevistas e discursos anteriores que a realização da Copa do Mundo de dois em dois anos ajudaria a “reduzir o número de africanos cruzando o Mediterrâneo e indo para a Europa”.
E pra completar o “combo”, Infantino esteve sentado à direita de Mohammed Bin Salman, príncipe e líder da Arábia Saudita durante a cerimônia oficial de abertura do Mundial no domingo (20). Para quem não se lembra, Mohammed Bin Salman é acusado de ter mandado matar e esquartejar o jornalista Jamal Khashoggi (crítico ferrenho do regime ditatorial na Arábia Saudita) há quatro anos numa embaixada na Turquia. E não se surpreendam se a Copa do Mundo de 2030 parar por lá hein…
Dentro de campo, o Mundial começou com a vitória fácil do Equador sobre um desorganizado e nervoso Catar por dois a zero. Jogo bem mais ou menos que deixou claro que os sheiks cataris lembraram de tudo, menos do principal quando o assunto é Copa do Mundo.
É preciso jogar bola para ser campeão. E o dinheiro ainda não compra talento.
A Fifa se uniu às autoridades locais para combater todo tipo de manifestação política e a tendência é que as coisas sigam esse curso até a grande final, marcada para o dia 18 de dezembro. Já se sabe que os jogadores que usarem a faixa de capitão com as cores da bandeira LGBTQIA+ e com os dizeres “One Love” serão punidos com o cartão amarelo assim que entrarem em campo. Mesmo assim, Harry Kane (jogador e capitão da Inglaterra) deu um “jeitinho” e usou uma outra faixa com a frase “No Discrimination” na goleada sobre o Irã por seis a dois.
Diante de tudo o que se vê, a proibição do consumo de cerveja parece ser um problema pueril e sem muita importância.
Daqui do Brasil, ficamos com o entretenimento puro daquele que é vendido como o “melhor futebol do planeta”, mas sem esquecer que o esporte é indissociável da política e que certas coisas precisam ser ditas mesmo que irritem alguns cartolas e passadores de pano.
Apreciem os jogos e se mantenham atentos, pessoal.
*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Mariana Pitasse