Era assim que a gente era perseguido [na ditadura], cada um de um modo e eu era o mais frágil.
A Copa do Mundo de futebol, que começou no último domingo (20), extrapolou seu caráter esportivo desde a escolha da FIFA, a Federação Internacional de Futebol, de entregar ao Catar a organização do evento. O país do Oriente Médio é um famoso violador de direitos humanos e tem causado polêmicas entre jogadores e confederações de futebol.
No país de orientação islâmica, foi amplamente divulgado aos turistas e a quem trabalhará no evento, que estão proibidas manifestações homoafetivas, por exemplo. Inclusive manifestações de apoio à causa LGBTQIA+, tradicionalmente realizada por algumas seleções que estampam as cores do arco-íris em suas braçadeiras, estão banidas.
Organizações que monitoram os direitos humanos no país, apontam que mais de 6 mil trabalhadores morreram durante as obras que ergueram os estádios que abrigarão os jogos e a modernização de seus entornos. O governo catari, no entanto, afirma que foram apenas 37 mortes.
“Não faz sentido algum para o mundo que nós estamos hoje, numa luta incessante antirracista, pelos direitos humanos, pelas mulheres, pela inclusão social, contra a fome, realizar uma Copa do Mundo no Catar”, explica ao Brasil de Fato o ex-jogador de futebol e comentarista esportivo, Walter Casagrande.
Seleções nacionais e jogadores fizeram protestos contra a sede do Mundial. A Dinamarca, por exemplo, jogará com um uniforme diferente, sem a estampa da sua patrocinadora e de seu emblema, em retaliação às mortes de trabalhadores no país.
Se por um lado, a ideia de comunidade pregada pela FIFA se esvai com a escolha do Catar como sede da Copa, por outro, a falta de tradição esportiva do país na modalidade trazem ainda mais dúvidas à escolha.
O campeonato local tem apenas 12 times e pouca competitividade em relação a outras ligas pelo mundo. O grande investimento do país no esporte é realizado longe de suas fronteiras. O Paris Saint Germain, uma equipe de relativa tradição na França, foi adquirida pelos cataris e, desde então, tem sido alimentada com alguns dos maiores jogadores da atualidade, mas sem, até o momento, grandes retornos esportivos.
“O mundo todo está se manifestando de maneira contrária à Copa do Mundo ser nesse país que não tem nada a ver com o futebol e não tem nada a ver com o que a humanidade está brigando hoje em dia”, aponta Casagrande.
“Eu vejo que essa é a Copa da censura. A Copa que não pode. A única coisa que você pode fazer lá é jogar bola e isso daí é muito limitado para uma Copa do Mundo, sabe?”, completa o ex-jogador.
Walter Casagrande, que pela primeira vez fará a cobertura jornalística de uma Copa do Mundo fora da Rede Globo, de onde saiu em julho deste ano após 25 anos como comentarista esportivo, é o convidado desta semana no BDF Entrevista.
Na conversa, Casagrande fala sobre as escolhas de Tite para a Seleção que tenta levantar o seu sexto troféu da competição e sobre a politização do esporte que, segundo o ex-jogador, tem sido predominantemente puxada por jogadores e esportistas de outros países, mas não do Brasil.
"Acho que, pelo mundo, já está se manifestando há muito tempo. E os jogadores espalhados pelo mundo - não os brasileiros tá? - já entraram nessa luta social, porque eles perceberam que o esporte, principalmente o futebol, ele tem uma linha de contato com o torcedor, com a sociedade, muito direta”, explica.
“Você vê o Lewis Hamilton, ele se posiciona todas as vezes, principalmente naquele foco maior da época da pandemia, depois do assassinato do George Floyd. A manifestação e o posicionamento antirracista do Hamilton foi constante e fez barulho. Chamou a atenção porque o cara era campeão mundial e fazia gesto antirracista. O cara ganhava uma competição e fazia gesto antirracista”, completa Casagrande.
O ex-jogador ainda relembra a perseguição que sofreu durante a ditadura militar no Brasil. Em 1982, ao lado de Sócrates e Vladimir, Casagrande foi um dos líderes da Democracia Corinthiana, movimento que quebrou hierarquias dentro do clube e denunciou ao mundo a ditadura brasileira.
“Eu só fui perceber, na realidade, o risco e o perigo que nós corremos quando eu escrevi o primeiro livro com o Gilvan Ribeiro, que nós fomos no Dops, que era aberto o arquivo, para pesquisar a minha ficha e colocar no livro. Foi lá que eu li a ficha e falei: 'nossa, cara. Eu não tinha a mínima noção, na época, que os caras estavam me espionando, que as blitz que eu tomava eram também por causa da ditadura”, diz.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Você vai cobrir o evento no Catar, desta vez, ao contrário dos últimos 25 anos, não pela TV Globo. Como está a expectativa para mais uma cobertura?
Walter Casagrande: Cara, vai ser minha sétima Copa do Mundo como jornalista. Fui comentarista em seis. Nesta, eu vou ser só colunista e estou bastante entusiasmado, é um modo diferente. Um pouco apreensivo, com uma expectativa de como será, porque eu não vou estar dentro de uma cabine, tendo que falar durante o jogo. Eu vou estar sentado, analisando o jogo para escrever depois. Então, é diferente.
Muda totalmente o ritmo, a maneira de analisar a partida…
Muda porque comentando o jogo na TV, eu estou comentando na hora os lances, e às vezes, você se emociona com o decorrer da partida, você fica mais empolgado, menos empolgado e, às vezes, o comentário sai mais ácido ou sai um elogio muito acentuado, porque você está com a emoção do momento.
Desta vez, eu vou assistir o jogo para depois escrever. Então, com certeza, o texto que eu vou escrever vai sair menos emocional, no caso, ou menos quente do que na hora de fazer o jogo. Talvez seja uma análise diferente.
Em relação ao Catar, há muitas críticas em relação ao país sede. Várias seleções e jogadores, inclusive, fizeram críticas à escolha da FIFA. O país, como a gente sabe, proíbe relações homoafetivas, há uma lista gigantesca de violações de direitos humanos, dos direitos das mulheres, inclusive de mortes de trabalhadores nas obras para os estádios da Copa. Como você tem visto a complexidade de realizar um evento dessa magnitude, o mais importante evento esportivo, em um lugar como esse?
Assim, não faz sentido algum para o mundo que nós estamos hoje, numa luta incessante antirracista, pelos direitos humanos, pelas mulheres, uma luta pela inclusão social no geral, contra a fome, para proteger a Amazônia, proteger os povos indígenas não só daqui, mas da América Latina toda.
Pelo mundo todo, os movimentos são de preocupação com o clima. Inclusive você vai fazer uma Copa do Mundo num país que não trabalha com os direitos humanos, tem todo esse tipo de problema de preconceito, em relação aos direitos das mulheres, e não é só isso. Quer dizer, isso aí já bastava para não ter um evento lá.
A outra parte… vamos falar do lado futebolístico. Não tem história futebolística. O Catar não tem história futebolística, e quando você faz um evento de futebol em lugar que não tem nenhuma história, zero história com futebol, não faz muito sentido. Porque a Copa do Mundo é o maior evento do futebol, esperado por todo mundo por quatro anos, os jogadores esperam, os turistas esperam.
A Copa do Mundo é um outro tipo de público. Quem vai para a Copa do Mundo, quem foi para a Rússia em 2018 foi para assistir a Copa do Mundo, para torcer para sua seleção, mas foi para fazer turismo, para passear, para conhecer lugares. E lá no Catar já tem uma lista de restrições das pessoas, não pode filmar em determinados lugares, não pode mostrar comportamento, enfim.
Fora isso, não tem história no futebol. Aí algumas pessoas falam assim: “pô, mas lá no Japão e na Coreia do Sul também teve [Copa]”. Mas espera aí... O Japão e a Coreia já tinham histórias de Copa do Mundo. O Japão já vinha disputando Copas do Mundo, a Coreia tem uma história construída também - do tamanho que é o futebol da Coreia, é importante em Copa do Mundo. O Catar não tem nada em Copa do Mundo
E eu apoio essas seleções que estão se manifestando contrariamente. Muitas vão fazer boicotes, cada uma do seu jeito. Parece que a Dinamarca não vai ter o distintivo no uniforme. A Inglaterra, a faixa de capitão seria com as cores do arco-íris. Tem um movimento na França também de boicote da transmissão da Copa do Mundo.
O mundo todo está se manifestando de maneira contrária à Copa do Mundo ser nesse país que não tem nada a ver com o futebol e não tem nada a ver com o que a humanidade está brigando hoje em dia.
A FIFA, inclusive, fez circular um comunicado para que se evite o debate político durante o evento. E é um momento que há mais posicionamento mesmo, com seleções, patrocinadores esportivos e até jogadores falando sobre política…
É, e um atraso da FIFA, né? Assim, vamos pensar na Copa do Mundo, tá? Porque não pode se posicionar politicamente? É sobre fazer manifestações antirracistas? Isso é política. Então as seleções não vão poder se manifestar ante o racismo? Se manifestar pela inclusão social, pela igualdade social, pela inclusão do movimento LGBTQIA+ num país que não reconhece homossexuais? Isso tudo é político.
Essa nota da FIFA significa o seguinte: “Ó, vocês vão lá jogar e fiquem calados, tá? Vocês estão proibidos de falar qualquer coisa”. Porque tudo é política, meu amigo, tudo é política. O que não é política no mundo? E a Copa do Mundo seria um movimento maior para os jogadores e as seleções demonstrarem apoio em manifestações que o mundo está fazendo hoje, que o mundo está lutando hoje.
Na Inglaterra, os jogadores se ajoelham antes de começar a partida, no movimento antirracista. A faixa das cores do arco-íris vai dar problema. Eu não sei nem se eles vão conseguir mesmo. A Confederação Inglesa vai ter que bater de frente com a FIFA e com o Catar.
Eu vejo que essa é a Copa da censura. A Copa que não pode. A única coisa que você pode fazer lá é jogar bola e isso daí é muito limitado para uma Copa do Mundo, sabe?
Esses posicionamentos políticos também não eram comuns no esporte, né? Essa Copa também mostra um momento de avanço na politização dos atletas?
Eu acho que o mundo já está…como eu falei, o campeonato inglês, a seleção da Dinamarca, que já se manifestou há um bom tempo pelas mortes e o trabalho escravo que teve no Catar para construir os estádios. As seleções do mundo já estão se manifestando há muito tempo.
E os jogadores espalhados pelo mundo - não os brasileiros tá? - já entraram nessa luta social, porque eles perceberam que o esporte, principalmente o futebol, ele têm uma linha de contato com o torcedor, com a sociedade, muito direta. Você vê o Lewis Hamilton, ele se posiciona todas as vezes, principalmente naquele foco maior da época da pandemia, depois do assassinato do George Floyd.
A manifestação e o posicionamento antirracista do Hamilton foi constante e fez barulho. Chamou a atenção porque o cara era campeão mundial e fazia gesto antirracista. O cara ganhava uma competição e fazia gesto antirracista.
Descobriram tarde, mas uma nova geração vai vir e vai perceber que a mensagem mais rápida que chega a uma sociedade é através do esporte. A democracia corinthiana já fazia isso nos anos 1980.
Inclusive, na Democracia Corinthiana, não só se falava sobre política como se fazia política de dentro para fora do clube. Por que aquela experiência nunca mais foi replicada com a mesma intensidade, Casagrande?
Porque foi um momento único, em um momento necessário, inclusive, que era a ditadura militar. Estava pesado ainda, em 1981 tinha acabado de acontecer o atentado no Riocentro, no Rio de Janeiro. Em 1982, a política da repressão ainda era forte, apesar de não ter mais o AI-5, ainda era pesado, tinha perseguições.
E o Corinthians, naquele momento, nós bancamos um grupo, porque caíram no mesmo lugar pessoas que pensavam da mesma maneira e que estavam a fim de pôr a cara para bater e nós colocamos esse movimento em prática através, primeiro, de umas decisões internas dos jogadores, como votação, que hora que vai viajar, se vai concentrar, se não vai, que dia que vai.
Votação para ver como se dividiria o prêmio de conquista de campeonato, de jogos, de vitórias. Nós decidimos que todo mundo receberia o prêmio, desde a lavadeira até o presidente. Isso foi uma decisão nossa, com votação. E depois começou a sair do clube isso. Foi o primeiro ano que teve eleição direta ao governo do Estado depois do golpe militar de 1964.
Nós começamos a participar naturalmente, sem obrigação, sem ser nada combinado, daquelas eleições de 1982. E fomos para frente, chegamos às Diretas Já! Nós estivemos no palanque das Diretas, fomos os únicos representantes do futebol nos palanques das manifestações pelas Diretas.
Era a Democracia Corinthiana que estava lá em cima representando, na realidade, o esporte. Não só o futebol. E depois, aquele aquele movimento era tinha que ser era difícil bancar. Eu fui perseguido, o Magrão [Sócrates] foi perseguido, o Vladimir foi perseguido. Nós fomos fichados no DOPS, fomos espionados, tudo teve uma consequência.
Nós tivemos que pagar um preço por colocarmos a cara ali. A minha convocação para a Seleção Brasileira retardou uns três anos, porque eu era componente da Democracia Corinthiana e eu era mais frágil, tinha só 18 anos. Depois que acabou a Democracia Corinthiana, nenhum time quis bancar e não só não quis bancar…a maioria dos jogadores não estavam afim. E aqueles que eram afim, não tinham o apoio da direção do clube deles. Nós tivemos apoio da direção, o Adilson Monteiro Alves foi o idealizador desse projeto. O presidente Valdemar Pires, que faleceu há pouco tempo, também bancou o projeto.
Nós tínhamos a retaguarda da direção do Corinthians. E os outros clubes não davam essa retaguarda porque eles não queriam bater de frente com os generais. E pronto. Então não teve continuidade e aquele movimento da Democracia Corinthiana é histórico no mundo todo, cara.
Toda hora tem entrevista, me procuram para dar entrevista na Alemanha, Dinamarca, documentários, no México, no Japão, o tempo todo. Esse ano, por causa das eleições aqui no Brasil, por causa da polarização, eu dei entrevista para a Inglaterra, para a Itália, para a Espanha, para a Suíça, para todos os lugares falando de política e futebol.
Saiu matéria no The Guardian na semana passada, exatamente sobre jogadores e política. E está citado lá a Democracia Corinthiana, o Sócrates e o Casagrande. Isso é uma marca que nós tivemos. Isso é uma marca que eu tenho, no caso o Magrão já faleceu, então eu e o Vladimir que foram os que mais participaram, nós temos uma marca, um rótulo, que não some nunca mais. Quem olha para mim, quem quer falar comigo, não demora duas perguntas para falar da Democracia Corinthiana.
E eu, como corinthiano, tenho um baita orgulho desse momento. É uma coisa que a gente carrega como um título mesmo. Eu estava vendo um documentário sobre a Democracia, e o Sócrates falando sobre essa questão dos votos, que o roupeiro, a faxineira, tinham o mesmo voto do que ele, que era o único jogador de Seleção daquele time. Você falou sobre a tua juventude, de como isso era complicado naquele momento. Que tipo de perseguição vocês tiveram depois da Democracia Corinthiana?
Primeiro, 1982 foi o ano mais difícil, que nós fomos mais perseguidos. A polícia, a Rota aqui de São Paulo, me perseguiu o ano todo. Eu tomava blitz duas, três, quatro vezes na semana. Algumas vezes, duas vezes por dia. Eles não podiam ver meu carro na rua que eles paravam mesmo, tentando criar uma situação desconfortável para mim, para afetar a Democracia Corinthiana. Isso foi o ano todo. Apanhei algumas vezes da polícia, nessas blitz.
O Magrão era perseguido no sentido de tentar desmoralizar a imagem dele, colocando ele como um um bêbado, na época. E o Vladimir era em cima do preconceito, por ele ser negro, por ter uma liderança antirracista, o Vladimir sempre teve isso. E nós somos espionados, principalmente num evento que teve no Corinthians, que foi um jogo entre nós da Democracia Corinthiana e os artistas pela Democracia.
A minha ficha do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) tem várias coisas. Participante da Democracia Corinthiana é um item, o outro item é a influência que eu tinha com a juventude, com as pessoas da minha idade - eu tinha 18 anos, era o artilheiro do campeonato, jogando bem e a dupla Sócrates e Casagrande explodindo.
O meu modo de vestir era diferente dos jogadores de futebol, eu tinha um outro jeito, porque eu era do rock e tal. E eu tinha uma influência quando eu falava com a juventude. Nas minhas entrevistas, eu acho que as minhas falas eram as falas que os garotos de 18 anos naquela época gostariam de falar. Eu era um representante deles. Isso incomodava a ditadura, está lá na minha ficha. E também esse jogo, nós fomos espionados. Eles viram tudo o que aconteceu nesse dia de evento.
Eu só fui perceber, na realidade, o risco e o perigo que nós corremos quando eu escrevi o primeiro livro com o Gilvan Ribeiro, que nós fomos no Dops, que era aberto o arquivo, para pesquisar a minha ficha e colocar no livro. Foi lá que eu li a ficha e falei: 'nossa, cara. Eu não tinha a mínima noção na época que os caras estavam me espionando, que as blitz que eu tomava eram também por causa da ditadura.'
Eu tinha noção que a juventude se identificava comigo, porque eu tinha dezoito anos, eles se identificavam com o meu modo de vestir, de falar e as coisas que eu curtia. Mas eu não me colocava como um representante da juventude como a ditadura me colocou nessa ficha.
Era assim que a gente era perseguido, cada um de um modo e eu era o mais frágil. Entre eu, o Vladimir, o Sócrates e o Adilson, eu era o mais frágil por ser o mais jovem, porque eu era roqueiro, porque eu tava em todos os lugares que tinha show de rock, porque eu era solteiro e eles já eram casados e tinham filhos. Eu era livre e assumia completamente essa minha liberdade que eu sempre gostei, e gosto até hoje.
Sobre a Seleção Brasileira, o que você achou da convocação? Na minha opinião, tirando a convocação do Daniel Alves, os demais já eram esperados, ninguém extremamente relevante para esse grupo ficou de fora, não é?
Não, eu acho que ficou [de fora] o Gabriel, do Flamengo. Eu acho que o Gabriel era relevante. Ele acabou de decidir uma Libertadores, a segunda vez seguida. Ele decidiu em 2019, contra o River [Plate-ARG] e decidiu agora contra o Athlético Paranaense.
O Gabriel foi três anos seguidos artilheiro da Copa do Brasil e do Campeonato Brasileiro. Uma vez pelo Santos e duas vezes pelo Flamengo. E é um jogador que decide jogo. É um jogador que dá título. Achei que o Tite, mesmo tendo uma incompatibilidade com o Gabriel, porque o Tite não gosta pessoalmente do Gabriel, não é do futebol.
Ele já levou o Gabriel algumas vezes para seleção, né?
Levou, mas nunca deu a oportunidade que tinha que dar. Ele jogava meio tempo, a seleção não jogava bem, no intervalo ele tirava o Gabriel. Em outro, o Gabriel entrava 15 minutos no final, com o time jogando mal para caramba e ele tinha que resolver.
Ele nunca teve, na Seleção Brasileira principal, uns cinco, seis jogos como titular e o Tite tendo paciência para ele se adaptar e se entrosar. Não teve essa chance, ok. Eu acho que é absurdo, mas não é uma coisa contestável.
Foi surpresa o [Gabriel] Martinelli estar, porque ele teve poucas chances, e são cinco pontas. Você está levando Rodrigo, Antony, Rafinha, Rodrigo, Vinicius Júnior e o Martinelli. Aí que entra a minha indignação. O Martinelli é um ótimo jogador, tá muito bem no Arsenal, mas para que levar cinco pontas?
Qual é a chance, a gente analisando o grupo, do Martinelli entrar numa partida? É mínima, porque o primeiro reserva e os titulares dos dois lados já estão definidos.
E tem atacantes, centroavantes, que podem cair pelas beiradas também, Gabriel Jesus, Richarlison…
Por isso que eu achava, na minha opinião, para ser uma coisa mais completa, levar quatro pontas e levar quatro centroavantes, com o Gabriel sendo uma opção também. Mas eu não discuto, tá. Eu acho que o Martinelli merece também.
A única coisa que não dá para discutir e que não teve critério, que não tem argumento... A única coisa que o Tite tem em relação a convocação do Daniel Alves são justificativas, ele não tem argumentos. Ele não argumentou a convocação do Daniel, ele justificou. E quando você precisa justificar a convocação de um jogador para a Copa do Mundo, ah meu, aí a coisa não funcionou legal. Tem problema nisso aí.
Você ficou mais de 20 anos na TV Globo e conheceu de perto a linha editorial da emissora. Nessas eleições, evidentemente tentando evitar um mal maior, que seria a reeleição do Jair Bolsonaro (PL), a emissora abrandou as críticas ao PT, ao campo progressista. Pelo que você conhece da linha editorial da antiga casa, essa lua de mel tem hora para acabar?
Olha só, eu fiz minha estreia na TV Globo no dia 9 de junho de 1997, Criciúma e Corinthians lá em Criciúma. Foi um a um e o Galvão [Bueno] foi escalado para narrar a minha estreia. Saí em julho, agora. Fiquei 25 anos contadinhos. E por mais de 20, 21 anos, por exemplo, eu tive total liberdade da direção da Globo.
Nunca chegou para mim, pela antiga direção, algo como “você não pode falar isso, você não pode falar aquilo”, ou “você exagerou naquilo, não pode fazer”, nunca fizeram. Porque eu encontrei muito rápido o meu limite. E eles me contrataram para aquilo. Quando eu cheguei o diretor falou bem assim: “ó, eu estou contratando aquele cara da ESPN, hein, aquele cara que tem opinião. Não vem aqui, só porque é a TV Globo, ficar quietinho, porque aí eu não preciso. Eu tenho um monte que pode fazer isso. Eu te contratei porque você é diferente”.
E eu exerci esse modelo, esse estilo, por muitos anos. E agora, provavelmente, por causa das eleições, eu estava batendo muito no governo, desde a pandemia, porque não comprou vacina, porque o futebol voltou e eu não achava que não tinha que voltar, diversas vezes.
E eu acho que chegou um momento que, para eles, não estava servindo, e para mim também, ficar quieto não ia servir. Chegamos em um acordo e saí. É claro que teve um pacote todo de desgaste, que começou por causa das minhas opiniões. Mas eu passei 23 anos lá sem ter uma incompatibilidade.
O meu comportamento e a minha visão, principalmente, numa época como essa política, a polarização de um presidente que está destruindo o país, um presidente homofóbico declaradamente, racista, agressor das mulheres, principalmente das jornalistas, eu não podia ficar olhando isso e ficar quieto. Não poderia.
O meu perfil não se enquadrava nesse momento. O novo perfil do esporte desse momento também. Quem sabe daqui um ano, dois anos, não muda o perfil e as coisas voltam atrás, sei lá o que que pode acontecer. A gente nunca sabe o que pode acontecer na vida, mas nesse período, não tinha como eles ficarem comigo, nem eu ficar com eles.
Nós vimos, no pós-eleição, uma série de atos absurdos de trancamento de rodovias, clamor por uma suposta intervenção militar e quem foi às ruas, nem todos de maneira politizada, foram as torcidas organizadas de vários clubes de futebol, que estavam indo assistir futebol e queriam cruzar as estradas. Como é que você viu esse movimento? É uma brecha para que essas organizações passem a debater política também?
As torcidas organizadas sempre foram políticas, de um modo ou de outro.
A Gaviões nasceu na ditadura, para combater a ditadura…
E a Gaviões participou diretamente da Anistia, em 1979. Estendeu uma faixa no Pacaembu, em prol da Anistia, que era proibido. Como o Pacaembu estava lotado, os torcedores que estavam embaixo não deixavam o policiamento subir e aquela faixa ficou lá, um tempão, estendida.
Durante a pandemia, eles começaram a sair na rua também, para cobrar vacina, contra as mortes, contra o negacionismo. As quatro torcidas organizadas de São Paulo, que entram em conflitos quando jogam uma contra a outra, elas andaram juntas na Paulista, por diversas vezes, se manifestando em prol da democracia, contra esse governo.
A torcida organizada, nesse caso, percebeu que pode avançar um pouco mais nas atitudes políticas, desde que ela se contenha em não entrar em conflito físico, fazer como elas fizeram. Eles queriam assistir o jogo do Corinthians e foram lá, desbloquearam a estrada e foram embora. A do Galo queria vir aqui assistir o jogo contra o São Paulo, foi lá desbloqueou e veio para cá. Sem ter conflito, sem ter discussão política. Foi um ato político, mas em prol de torcer para o time deles.
Eles não saíram na rua de graça para entrar em conflito com esses caras golpistas. Não, não foi isso. Eles desbloquearam os golpes para ir assistir o jogo deles, eles são a torcida do time deles. Eu acho que dá para perceber que a torcida organizada, se ela se tocar, ela viu que pode avançar um pouco mais nessa questão do posicionamento político.
Em relação aos golpes, eles vão tentar de tudo até o fim. Estão passando do limite, já ameaçaram a Gleisi [Hoffmann] num restaurante em Brasília, já ameaçaram estudantes lá no Pará, no Rio Grande do Sul. Já invadiram o ônibus para bater em adolescentes que fizeram L.
Eles estão avançando, mas vai chegar uma hora que não vai ter jeito. Se a polícia não conseguir resolver, se a Justiça não conseguir resolver essa baderna que eles estão tentando criar, vai precisar mesmo da intervenção militar. Mas não contra a democracia e sim contra os golpes.
Edição: Rodrigo Durão Coelho