“Quem está dentro dos nossos territórios, produzindo para exportação, degradando os rios, destruindo as matas, queimando as árvores, não somos nós. Nós somos produtores de alimentos. E temos um modelo para apresentar para todo o mundo”, disse Kátia Penha, do quilombo de Sapê do Norte (ES), que integra a delegação de 10 quilombolas brasileiros na Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), em Sharm El- Sheikh, no Egito.
Nesta terça-feira (8), os representantes da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Brasil (Conaq) realizaram um painel na COP27, com o tema “Ação de transformação por Justiça Climática: a luta social quilombola”.
Mas, mesmo defendendo a regularização fundiária dos quilombos brasileiros e afirmando que essas comunidades aplicam, na prática, a preservação ambiental e a produção de alimentos sem venenos, os quilombolas questionaram o fato de não estarem incluídos nas mesas de negociação da COP27.
“Estamos falando aqui para nós mesmos. Onde estão os processos de negociação? Onde estão os governantes? Não é só recurso. Eles precisam ouvir o povo que mora na terra. Não tem como negociar sem nós”, declarou Kátia Penha durante a reunião.
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“Viemos aqui para gritar. Fazer com que nossas vozes cheguem aos governantes, para que eles possam entender que nossas vidas e territórios não são negociáveis”, afirmou Biko Rodrigues, do quilombo paulista de Ivaporunduva.
“Nós somos a fronteira que impede o agro-hidro-minero-negócio de se consolidar e acabar com os biomas que a gente tem no país e que levam vida para o planeta inteiro”, destacou Rodrigues, complementando que o preço pago por isso é muito alto: “Inclusive com o sangue das nossas lideranças”.
1200 empreendimentos sobre territórios quilombolas
Os ataques aos territórios e às vidas quilombolas, destacou a delegação, é feito pela investida de empreendimentos privados e estatais dentro das comunidades e pela morosidade do Estado na titulação de terras.
“Hoje no Brasil há mais de 1.200 empreendimentos em territórios quilombolas. Sejam do agro-hidro-minério-negócio, da especulação imobiliária ou de bases militares”, descreveu Rodrigues, que afirma que “o Exército Brasileiro é um dos maiores violadores dos direitos quilombolas”.
Entre os exemplos, está a base de lançamentos de foguetes da Força Aérea Brasileira (FAB) nas comunidades quilombolas de Alcântara, no Maranhão. Enquanto a titulação do território está estática, o governo Bolsonaro assinou um acordo cedendo o uso do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) pelos Estados Unidos.
“Esses empreendimentos têm levado sucessivamente ao aniquilamento das nossas lideranças. Isso se dá devido à falta de regularização dos territórios quilombolas”, apontou Biko na COP27. “A Constituição de 1988, que nos garantiu o direito à terra, completou 34 anos. Ao longo desses 34 anos, não regularizamos nem 200 territórios quilombolas”, apontou.
“O povo brasileiro ainda não consegue ver”
Atualmente, existem seis mil comunidades quilombolas espalhadas por todos os biomas brasileiros - três mil apenas no amazônico. Sandra Andrade, do quilombo Carrapatos Tabatinga (MG), salientou ao público internacional que 52% da população da Amazônia é negra. “É o nosso povo que se coloca em risco para proteger os territórios que estão sendo invadidos, queimados”, destacou.
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“A Amazônia é o pulmão do mundo”, Andrade repetiu a máxima que muitos ambientalistas estrangeiros priorizam ao olhar para o Brasil. “Mas sem o coração, o fígado, os outros órgãos, o pulmão não funciona. Então é preciso proteger também os outros biomas”, argumentou Sandra, contando que ela vive no Cerrado, onde estão a maior parte das cabeceiras de todos os rios do país.
A necessidade da visibilidade destas comunidades, no entanto, não foi cobrada apenas do público internacional. A delegação da Conaq ressaltou que, também, “o povo brasileiro não consegue ver”.
“Segundo o Ibama, os territórios quilombolas tem 70% de seu território preservado. Mesmo com todo o incentivo do processo capitalista em comunidades quilombolas”, afirmou Antônio João Mendes, do quilombo Conceição das Crioulas (PE). Mesmo assim, expôs, “não há um reconhecimento do seu papel estruturante na construção do Brasil e, acima de tudo, as comunidades quilombolas não são visibilizadas no seu papel de preservação ambiental”.
“Mas ali nascemos, ali vivemos e ali vamos morrer”, garantiu Sandra Andrade: “Vamos continuar usando nosso corpo e nossa mente para defender nossos territórios, contribuindo muito para o país e para a humanidade”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho