Um servidor do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística acabou acusado de tentativa de homicídio após ser agredido por bolsonaristas em um bloqueio em estrada do interior paulista nesta semana. Tiago Marcolino, supervisor do Censo 2022, estava junto de uma colega de trabalho em um veículo oficial identificado quando se depararam com um bloqueio na rodovia SP-360, na altura do município de Amparo, onde aconteceram as agressões.
O episódio aconteceu na última terça-feira (1°). Marcolino e a colega viajavam a trabalho com destino a Serra Negra, município que fica na mesma região. O grupo de manifestantes que estava no local liberava os veículos aos poucos. Quando o carro dos servidores foi abordado, participantes dos protestos golpistas iniciaram os ataques.
"Foi dito que o IBGE não ia passar, que o IBGE trabalhava para o Lula. Nesse momento tentei conversar com manifestantes, falar sobre o trabalho, sobre não ser político partidário, que é um trabalho que ajuda a região. Algumas pessoas começaram a gritar que não éramos bem vindos. Começaram a bater, dar chutes e socos no carro", relatou o servidor ao Brasil de Fato.
Na sequência, relata ele, alguns dos envolvidos tentaram retirar a outra funcionária do IBGE de dentro do carro. Alguns abriram uma das portas traseiras. Enquanto tentava proteger a colega e os pertences que estavam no carro, Marcolino foi agredido com um soco no rosto. Ele então ligou o carro e tentou sair. Primeiro de marcha ré, mas desistiu por receio de atropelamentos. Então partiu para a frente, desviando das pessoas e dos materiais usados para o bloqueio.
"Quando saímos fomos perseguidos por quatro carros e duas motos, por três quilômetros, mais ou menos. Os motoristas jogavam os carros na nossa frente, com intuito de talvez provocar acidente. Fui obrigado a entrar na contramão pra fugir. Vi uma viatura da Guarda Civil Municipal de Amparo e me aproximei para pedir ajuda. Quando parei, os manifestantes vieram para cima do carro e quebraram o vidro da frente usando um capacete", relatou.
As agressões só cessaram quando um dos guardas atirou para o alto, como advertência. Antes disso, porém, Marcolino teve o nariz fraturado. Ele e a colega foram para um pronto socorro e, na sequência, para uma delegacia. Sempre perseguidos pelos bolsonaristas.
Mas na delegacia, novos problemas: diante da situação, o delegado decidiu indiciar o servidor do IBGE por tentativa de homicídio. Ele ficou detido. Com apoio de uma advogada, passou por audiência de custódia e foi liberado, mas o processo segue em investigação. Só nesse primeiro momento, com despesas pela defesa jurídica e com estadia de familiares, Marcolino gastou cerca de R$ 5 mil.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou que Marcolino foi preso em flagrante. "Um guarda municipal atendeu a ocorrência e contou na delegacia que estava com a viatura estacionada na via, quando viu o momento em que um veículo Fiat, com a inscrição do IBGE, veio em alta velocidade no sentido centro da cidade e atropelou vários manifestantes que estavam protestando no local", diz o texto.
"Temos um inquérito em andamento. Nenhuma das pessoas envolvidas foi submetida a exame de corpo de delito. Acredito que poderá haver algumas outras diligências para levantar outros elementos, pois estamos em desvantagem na narrativa. O Tiago foi conduzido junto da outra servidora e contaram as versões deles, enquanto cerca de dez pessoas contaram outra versão. Há uma disparidade de armas nessa narrativa", afirmou ao Brasil de Fato o advogado Sérgio Augusto de Souza, que representa o servidor no processo.
Souza lembra que o episódio aconteceu em momento em que o governador paulista Rodrigo Garcia (PSDB) já tinha declarado que a polícia tinha autorização para usar a força para dissipar as manifestações ilegais. O advogado acredita que o Ministério Público fará nova avaliação do episódio, e que Marcolino e a colega serão classificados como vítimas de lesão corporal e os agressores vão responder também por danos ao patrimônio público, já que o carro danificado estava a serviço do IBGE.
"Eu não fui atacado por ser um civil comum, e sim por que estava com veículo oficial, do IBGE, órgão do governo federal, um carro de uso exclusivo em serviço", pontuou o servidor, que disse que não recebeu nenhum tipo de apoio do órgão. O Brasil de Fato entrou em contato com a assessoria de imprensa do IBGE, que ainda não se manifestou. Caso a resposta seja enviada, o texto será atualizado.
Episódios de recusas à participação no Censo e até mesmo agressividade contra agentes do IBGE têm se repetido pelo país. Marcolino contou que colegas em diversas partes do país estão sofrendo diversos tipos de ameaças. Esta é a primeira vez que ele participa do processo de recenseamento, mas contou que colegas que já estavam na função em outras edições afirmaram que esse tipo de situação é novo.
Mais uma agressão
Outro caso de violência bolsonarista foi registrado nesta sexta. Uma recenseadora foi mantida em cárcere privado em uma chácara de Araçoiaba da Serra (SP) após os donos observarem adesivos de Lula em seu carro.
Ela pediu ajuda ao marido, dizendo estar sendo detida contra a vontade, humilhada e ameaçada. Após algumas horas, a funcionária do IBGE foi liberada, com a chegada da polícia.
Em nota, o IBGE afirmou que recenseadora "foi detida, contra a sua vontade, numa residência que era recenseada, pelo proprietário, em Araçoiaba (SP). A polícia foi chamada. A coordenação do IBGE em São Paulo foi informada sobre o incidente, se dirigiu àquela localidade e está dando toda a assistência à recenseadora. Um boletim de ocorrência deve ser feito, na delegacia local".
Edição: Rodrigo Durão Coelho