Há quatro anos atrás, na corrida eleitoral de 2018, as brasileiras e os brasileiros viram Jair Bolsonaro (PL) se aproximar das igrejas evangélicas para conseguir se eleger presidente da República. O discurso da "defesa da família, dos valores cristãos e da Pátria", além das aparições constantes com pastores evangélicos das grandes denominações religiosas foram constantes durante sua campanha.
Porém, após o pleito, as falas e atos de Bolsonaro durante os quatros anos do seu governo não são compatíveis com os preceitos evangélicos, é o que avaliam lideranças religiosas. Liberação de armas, apologia à violência, chacota contra as vítimas fatais da covid-19 e suas famílias em luto, descaso com as milhares de pessoas em situação de fome no Brasil e menção à pedofilia com o “pintou um clima” são alguns dos fatos que Bolsonaro coleciona e vão de encontro ao que Jesus pregou.
Leia: "Pintou um clima": por que fala de Bolsonaro reforça casos de exploração sexual de meninas
Apesar da comunidade evangélica ser grande e diversa, alguns preceitos são vividos por todos os cristãos. Bruno Silva, que é pastor há sete anos e co-pastor há cinco anos na Primeira Igreja Batista em Bultrins, na cidade de Olinda, acredita que “não há possibilidade de seguir Jesus, o Nazareno, e ser a favor do discurso violento e da prática violenta. Um exemplo prático disso foi a forma como o atual presidente geriu a pandemia da covid-19, como ele trata as mulheres, a população LGBTQIA+, a população negra, os indígenas, as crianças, os mais vulnerabilizados. Diante de tudo isso, como posso dizer que esse homem segue os valores cristãos?”
Já na cidade de Petrolina, Herlon Bezerra é ministro pastoral leigo da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil e atua na Missão Anglicana São Francisco. Ele segue no mesmo pensamento de Bruno, afirmando que “os evangelhos são muito claros em apresentar Jesus como alguém que, em vários momentos, olha para as multidões em sofrimento. A Bíblia fala que Jesus chorou em mais de uma situação sentindo o sofrimento das pessoas. O profundo respeito que Jesus apresentou diante da fragilidade humana em nada lembra o comportamento do atual presidente, que pensa falar em nome de Jesus”.
Defesa da família
A defesa da família é uma das pautas que Bolsonaro traz novamente nas eleições. O pastor Bruno explica que “a própria vida do atual presidente e sua dinâmica familiar, envolvendo filhos, filha, esposas e um histórico de relações extraconjugais diverge do seu discurso, que se utiliza de um pauta moralizadora”.
Porém, esse modelo de família que Bolsonaro prega, mas não pratica, não pode ser adotado como a única forma, de acordo com Bruno. “A Bíblia nos apresenta um Deus que, em sua essência e existência, é plural e diverso, por tanto, não podemos limitar a família a um único modelo. No Brasil, boa parte das famílias são sustentadas por mulheres trabalhadoras, periféricas e pretas. Não existe possibilidade de ignorarmos a existência dessas famílias, que são constantemente deslegitimadas pelo atual presidente”, afirma. Bruno.
Leia: Por 16 votos contra nove, medalha de mérito é negada a Michelle Bolsonaro em Recife
Contra os ensinamentos cristãos
O ministro pastoral Herlon reforça que “o amor de Deus pelo mundo e por todas as pessoas é que deve ser a chave de interpretação do que foi dito e registrado na Bíblia antes e depois de Jesus”. Ele também destaca que os evangelhos são “o centro de referência maior para a vida das igrejas, dos grupos, das pessoas que se identificam com a espiritualidade de Jesus”.
E é a partir do que é pregado nos evangelhos que o pastor Bruno analisa o que de mais grave Bolsonaro faz que vai contra os ensinamentos cristãos. “Bolsonaro propaga guerra e discórdia através do seu discurso de ódio. A Igreja deve e precisa ser lugar de paz e acolhimento, e ele através de sua narrativa e propagação de fake news consegue estabelecer uma dissensão entre diversas igrejas, o que diverge do Evangelho genuíno do Cristo Nazareno”.
Leia: Conheça 7 tipos de notícias falsas espalhadas pelo "Gabinete do Ódio"
A propagação de mentiras foi um dos recursos mais usados pela campanha de Bolsonaro em 2018 e vem novamente sendo usada em 2022, sem contar as mentiras que o próprio presidente proferiu em suas lives e outras falas públicas, a exemplo de quando ele disse que não vê pessoas passando fome no Brasil, fala que causou indignação em diversos grupos, inclusive religiosos, que atuam junto a este público. Sobre isso, Herlon destaca que “a mentira tem pai, porque ela é a ausência de verdade. A mentira tem um pai, que é o diabo, que é também a ausência de Deus”.
Descaso com as pessoas que passam fome
O pastor Bruno lamenta a postura do atual presidente em relação à fome no país. De acordo o segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da covid-19 no Brasil, da rede Penssan, existem mais de 33 milhões de pessoas em situação de fome no país. Esse é um retrato da falta de políticas públicas associada ao negacionismo de Bolsonaro sobre a questão.
“Qualquer pessoa que ande pelas ruas enxerga a necessidade da população. Algo escancarado, que o atual presidente, além de negar, invisibiliza a dor e o sofrimento dos mais vulnerabilizados. Quando voltamos os nossos olhos para a história de Jesus, vemos que ele se aproximava do povo e via as suas necessidades. Como posso dizer que alguém que é cristão não está sensível a estas pessoas? Não há possibilidade! Deus se inclina para os mais pobres, e em Jesus vemos isso, mas em Bolsonaro não”, encerra Bruno.
Sermão da Montanha
Por fim, Herlon faz um convite para que seja lido o Sermão da Montanha, no Capítulo 5 do Evangelho Segundo Mateus, já que se trata da síntese ética da espiritualidade de Jesus. Ele convida para que, comparando o que é pedido por Jesus, a população reflita se Bolsonaro e o modo como ele conduz o cargo de presidente da República é coerente com o que é trazido no sermão.
Leia: Para católicos e evangélicos, religiões devem voltar a seguir o Evangelho
"Bem aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos Céus. Bem aventurados os que choram, porque eles serão consolados. Bem aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra. Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos. Bem aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia. Bem aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus. Bem aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados de filhos de Deus".
“Fica claro, após ler essas palavras, que, de modo algum, Bolsonaro pode ser considerado evangélico, um seguidor desse tipo de compreensão da vida”, conclui o ministro pastoral Herlon.
Políticas para os cristãos
No início dos anos 2000, uma série de medidas possibilitou a regularização de igrejas e instituiu a liberdade de culto no país. Em dezembro de 2003, Lula sancionou a Lei 10.825, a Lei da Liberdade Religiosa, que determinou a livre criação, organização e estruturação das igrejas. A medida facilitou a formalização dos espaços de cultos para religiões distintas, não apenas para evangélicos. Com isso, basta uma ata de constituição, estatuto social, diretoria empossada, cópia do RG da direção e fundadores e um requerimento para registro, para que uma igreja seja fundada.
Em setembro de 2009, Lula sancionou a lei 12.025 que criou o Dia Nacional da Marcha para Jesus e declara a marcha como bem imaterial e cultural do Brasil. Um ano depois, em setembro de 2010, Lula sancionou a lei 12.328 que criou o Dia Nacional do Evangélico, 30 de novembro, data que reconhece e faz homenagem aos cristãos seguidores dessa religião.
Em janeiro de 2016, Dilma sancionou a lei 13.246, que criou o Dia Nacional da Proclamação do Evangelho, 31 de outubro, que celebra a proclamação do evangelho sem discriminação entre igrejas cristãs.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga