Enquanto a disputa eleitoral vive seus últimos e mais dramáticos momentos, o presidente Jair Bolsonaro (PL) prepara um combo de propostas que a gestão pretende aprovar no Congresso Nacional no intervalo entre o segundo turno e a posse presidencial. São pelo menos 15 medidas de caráter impopular que fragilizam regras de proteção ambiental e aprofundam o desmonte trabalhista.
Em relação à agenda ambiental, especialistas da sociedade civil organizada estão atentos ao que o segmento batizou de "Pacote da Destruição", um grupo que engloba 14 projetos de lei (PL) e uma proposta de emenda constitucional (PEC) que preocupam as entidades.
Na lista estão, por exemplo, o PL 1459/2022, que facilita a liberação de agrotóxicos e foi apelidado de "PL do Veneno", e o PL 3729/2004, que acaba com a necessidade de licenciamento ambiental para diferentes tipos de obra. O rol também inclui o já conhecido "PL da Grilagem", que tramita como PL 2633/2020 e legaliza ocupações irregulares em áreas públicas.
As propostas que integram a lista estão em estágios de tramitação diferentes, mas os três acima já receberam aval da Câmara dos Deputados, inclusive tendo sido acelerados por meio de pedidos de urgência. Entidades como o Greenpeace se queixam da falta de debates mais aprofundados sobre esses temas e também da fome política da bancada ruralista, que tenta dar celeridade ao pacote.
Passadas as eleições, a tendência é que os parlamentares se tornem menos sensíveis às manifestações populares contrárias aos projetos, o que tende a facilitar o caminho para que Bolsonaro obtenha de fato a aprovação final das propostas até o final do ano. O presidente tem a bancada ruralista e o centrão como braços do governo, o que garante à gestão uma maioria capaz de fazer grande pressão sobre o jogo político.
"Se esses projetos forem aprovados, a verdade é que acaba a possibilidade de qualquer projeto de reconstrução da agenda socioambiental brasileira, então, o que a gente vê é um momento bastante drástico", lamenta a assessora de políticas públicas do Greenpeace, Luiza Lima.
Ela ressalta que as propostas em questão tendem a gerar uma “"explosão de desmatamento", bem como ampliar os índices de violência no campo, comprometer ainda mais os territórios indígenas, agravar os casos de contaminação de água e do solo e prejudicar saúde humana. Para o Greenpeace, um eventual aval a esse combo de medidas deixaria o país ainda mais atrasado diante do mundo no quesito da proteção ambiental.
"A gente está às vésperas da Conferência do Clima, na qual vários países, entre eles o Brasil, estarão, e a gente vai cobrar dos países uma maior ambição na redução das suas emissões, um plano de adaptação às mudanças climáticas, mecanismos de financiamento pra todas essas atividades. Se o Brasil, neste período, aprova projetos' que vão na contramão disso, a gente já fica completamente de escanteio, já fica sem condições de cumprir nossas próprias metas, reforça Luiza Lima.
O contexto que cerca a tramitação do pacote é marcado pelos últimos sinais dados pela bancada ruralista. Representada oficialmente no Congresso pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), a bancada conta atualmente com 247 deputados e conseguiu reeleger 133. Apesar de aparentemente baixa, a taxa de reeleição ficou em 65% e, portanto, acima da média geral da Câmara dos Deputados, que viu pouco mais de 60% dos atuais membros alcançarem um próximo mandato na Casa.
Pelas projeções do presidente da FPA, deputado Sérgio Souza (MDB-PR), o grupo pode chegar a 255 membros a partir do próximo ano, a depender das novas adesões. Empoderado pelo contexto de avanço conservador, Souza disse na última terça (25) que, caso seja eleito, Lula (PT) terá que discutir pautas com a frente. "A bancada do agro vai querer ser ouvida porque nós temos as nossas pautas também", acenou, em sinal de pressão para o petista.
Contra os trabalhadores
Outro alvo que está na mira do governo Bolsonaro e apoiadores seria o plano do ministro da Economia, Paulo Guedes, de acabar com a correção do salário mínimo e da aposentadoria com base na inflação do ano anterior, como ocorre atualmente. A política impactaria a reposição de perdas causadas pelo aumento dos preços que penalizam os consumidores e trabalhadores.
Essa desindexação dos salários foi adotada somente durante a ditadura militar, no governo Castelo Branco (1964-1967), mas se mostrou insustentável porque reduziu o poder de compra dos trabalhadores, o que fez com que a regra fosse revista logo depois.
A denúncia do Plano de Guedes foi revelada pela Folha de São Paulo no último dia 19 e causou alvoroço na campanha de Bolsonaro, que foi a público se explicar para tentar conter os estragos causados pela impopularidade da medida. O ministro tentou despistar o assunto afirmando que a desindexação não necessariamente é para menos. "Pode até ser que seja mais", disse esta semana, em uma declaração que não convenceu os setores sindicais e políticos de oposição.
A proposta ainda não tem um texto específico no Congresso Nacional, mas, de acordo com a apuração da Folha, está pronta para ser apresentada na próxima segunda (31), caso o presidente se reeleja.
O analista político Antonio Augusto de Queiroz, ex-diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), vê cenário favorável para aprovação de uma medida dessa natureza em caso de eventual reeleição de Bolsonaro. O governo Bolsonaro tem tendência neoliberal e antigarantista, o que fez com que a gestão tenha conseguido aprofundar a reforma trabalhista nos últimos anos.
"Mas, se o eleito for o Lula, o Congresso certamente irá respeitar a vontade das urnas e segurar aquelas pautas que conflitam com as diretrizes de governo do presidente eleito. E, portanto, [o Legislativo] não faria essas votações mesmo que o presidente derrotado peça. O pêndulo do Congresso, tanto do atual quanto do futuro, dependerá de quem for eleito", projeta Queiroz.
O analista acrescenta que, caso eleito, Lula terá poder inclusive para retirar do Legislativo propostas de iniciativa do Poder Executivo que afrontem direitos trabalhistas. "Ele fez isso lá atrás, na flexibilização da CLT, em 2003. Ele pediu a retirada desse projeto", recorda.
Edição: Thalita Pires