Especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) pediram ao Senado que seja rejeitado o chamado “Pacote do Veneno” (Projeto de Lei 6299/2002), aprovado pela Câmara dos Deputados em fevereiro e que agora tramita na Casa.
Segundo eles, em documento emitido nesta quarta-feira (22), se a nova legislação sobre agrotóxicos for aprovada vai expor a população, incluindo agricultores, trabalhadores, indígenas e comunidades camponesas, a substâncias perigosas com consequências potencialmente devastadoras para sua saúde e bem-estar.
Os especialistas ficaram alarmados com disposições do projeto de lei que permitiriam o uso de pesticidas cancerígenos e substâncias que trazem risco de problemas reprodutivos e hormonais, além de malformações em bebês. "Enfraquecer o atual marco regulatório sobre pesticidas seria um retrocesso quando se trata de normas ambientais no país, uma medida potencialmente retrocesso", apontam os especialistas.
Os representantes da ONU contestam a lógica defendida pelo agronegócio em geral de que a utilização de agrotóxicos é imprescindível. "É um mito que os pesticidas são necessários para alimentar o mundo, e que os efeitos adversos dos pesticidas sobre a saúde e a biodiversidade são de alguma forma um custo que a sociedade moderna tem que suportar", pontuam. "Os pesticidas apresentam sérios riscos para a saúde humana e o meio ambiente em escala local e global."
A aprovação do projeto de lei agravaria questões já destacadas em um relatório de 2019, elaborado pelo relator especial sobre tóxicos e direitos humanos Baskut Tuncak. Ele esteve no Brasil em setembro de 2020 e, à época, já havia alertado sobre os perigos de eventuais mudanças legislativas, sugerindo ao Conselho de Direitos Humanos que aprovasse a abertura de uma investigação internacional sobre a atuação do governo brasileiro no setor.
“O Brasil está em um estado de profunda regressão dos princípios, leis e padrões de direitos humanos, em violação ao direito internacional. Para apoiar suas ações e omissões, o governo continua a negar verdades científicas incontestáveis e a introduzir injustificadamente incertezas e argumentos míticos”, falou Tuncak, em audiência realizada na Câmara dos Deputados.
Caminho aberto para os agrotóxicos
"Em vez de aprovar o projeto de lei, o Brasil deveria estar trabalhando para fortalecer, não enfraquecer, seu marco regulatório sobre agrotóxicos", disseram ainda os especialistas da ONU. "Sem outras medidas para garantir que as empresas respeitem os direitos humanos e o meio ambiente, os abusos continuarão a proliferar se este projeto de lei for aprovado", disseram.
Em entrevista ao Brasil de Fato realizada no fim de maio, a pesquisadora Larissa Bombardi, autora do relatório Comércio Tóxico - A ofensiva do lobby dos agrotóxicos da União Europeia no Brasil, junto com Audrey Changoe, falou sobre como a indústria fornece a parlamentares incentivo e embasamento a projetos de lei, além de promover reuniões com o Executivo para viabilizar negócios no país.
“É muito grave porque tem a ver com os destinos de um país, de uma nação. Não começa e não termina no Brasil, tem a ver com a inserção do Brasil na economia mundial. Obviamente que essas empresas não atuam sozinhas. Isso é bastante orquestrado também com governos locais, não só no Brasil como em outros países. Mas no Brasil é muito claro”, diz Larissa Bombardi.
Segundo o relatório, “as empresas europeias de agrotóxicos não só se beneficiam com o enfraquecimento de regulamentações ambientais e de agrotóxicos no Brasil, mas também com generosas isenções de impostos sobre agrotóxicos”. A pesquisa aponta que a estratégia tem facilitado as negociações dos produtores de venenos agrícolas. Nos últimos vinte anos, o uso de agrotóxicos no Brasil aumentou seis vezes e na gestão Bolsonaro, a aprovação dessas substâncias alcançou níveis recordes.
Edição: Rodrigo Durão Coelho