Neste domingo (30), o Brasil vai às urnas para escolher o próximo presidente da República ainda vivendo as consequências do maior luto da história da nação. Desde que a covid-19 chegou oficialmente em território nacional, no dia 26 de fevereiro de 2020, mais de 34,8 milhões de pessoas pegaram a doença e quase 690 mil mortes foram confirmadas.
Poucas semanas depois do registro do primeiro infectado, o candidato à reeleição para a Presidência da República, Jair Bolsonaro (PL), disse que o coronavírus não chegaria a causar 800 mortes e que o número seria menor do que o total de vítimas da gripe no ano anterior.
Em contraponto ao discurso negacionista, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que disputa o pleito com o atual ocupante do Palácio do Planalto, pediu que a população se isolasse e defendeu que o governo estabelecesse o pagamento de um auxílio emergencial para que as famílias pudessem se proteger em casa.
De certa forma, o embate nas urnas neste segundo turno carrega o confronto entre esses dois comportamentos e o peso de dois anos e oito meses de perdas emocionais, sociais e econômicas.
“Um dos deveres maiores que nos restou como familiares enlutados e sobreviventes da covid é de sermos testemunhas desse horror que foi para o Brasil ter quatro vezes mais mortes que outros países. Testemunhar para o mundo o que é não acreditar na vacina, não acreditar na saúde e em uma saúde pública de qualidade. O resultado de não acreditar nisso é a morte”, disse ao Brasil de Fato a assistente social e pesquisadora Paola Falceta.
A presidenta da Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico) continua, afimando que “nosso maior legado é resguardar essa memória. Morreram porque o estado foi criminoso, porque o estado boicotou as medidas sanitárias e ajudou a negar a ciência e a importância da vacinação".
:::Sete vezes em que Bolsonaro e seus aliados contribuíram para a falta de vacinas:::
Já o médico de família e comunidade, Aristóteles Cardona – integrante da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares – viveu a pandemia de dentro da atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS). Em quase três anos de trabalho direto no combate ao coronavírus e à desinformação, ele viu no cotidiano as consequências da falta de controle sobre a doença.
“Essa questão da pandemia precisa, sem sombra de dúvidas, estar conosco. O problema é que nesses últimos meses aconteceu tanta coisa, tanto absurdo, tanta denúncia, que parece que aquilo que vivemos na pandemia está muito distante. E não está muito distante”, ressalta Cardona.
Para ele a lembrança da falta de esforço para a compra de vacinas, quando laboratórios já procuravam o Brasil há meses para vender o imunizante, não pode ser esquecida. O médico lembra também das denúncias feitas pela CPI da pandemia, que apontou omissão por parte do governo federal.
“Se já víamos isso naquele momento, hoje é muito mais óbvio, temos pesquisas que mostram que se o governo tivesse tido algum compromisso com relação à compra de vacina, teríamos evitado algo em torno de 200 mil a 400 mil mortes. Imagine, o que é pensarmos que simplesmente uma seriedade no trato com a saúde pública e a saúde pública poderia evitar centenas de milhares de mortes em nosso país por conta da covid-19.”
Cardona pontua que um eventual novo governo terá grandes desafios em reconstruir a estrutura perdida na gestão do atual presidente, mas já significaria um horizonte de interrupção do desmonte dos últimos quatro anos.
“É a primeira vez que conseguimos enxergar, de uma forma mais concreta, a possibilidade de ter um novo cenário. Sabemos que uma derrota desse projeto bolsonarista não vai ser o fim do bolsonarismo. Não estamos derrotando o projeto, mas estamos derrotando eleitoralmente. Sem falsas ilusões de que as coisas vão melhorar muito rapidamente, mas ao mesmo tempo esse sentimento aparece porque é o pontapé principal que precisamos para começar a ter a perspectiva de reconstrução de elementos básicos da nossa sociedade, e isso inclui a saúde.”
O Brasil chega ao segundo turno das eleições como segunda nação com o maior número absoluto de mortes pelo coronavírus, atrás apenas dos Estados Unidos. No total de casos, o país é o quarto colocado da lista.
Para a próxima gestão, a doença seguirá representando um desafio, não só na superação do que foi perdido, mas porque a emergência sanitária ainda está em curso. Há pouco mais de uma semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que manteria a classificação de pandemia para a covid.
Foi a primeira vez que a organização cogitou uma mudança nesse cenário. Mas pesaram contra as incertezas sobre possíveis novas variantes, a desigualdade na distribuição global de vacinas e a impossibilidade de medir o que novos surtos podem causar aos sistemas de saúde.
Falceta conclui que “temos que trabalhar muito, daqui para a frente, para dizer que essas mortes não são e nem serão motivo de banalização e nós vamos lutar muito para que futuramente se crie um museu da memória da pandemia de covid-19".
"É uma das nossas pautas de luta. Nós vamos brigar muito para que seja realizado."
:::Observatório da Fiocruz aponta maior colapso sanitário e hospitalar da história:::
Edição: Rodrigo Durão Coelho