Áudio que foi divulgado nesta terça-feira (25) pelo jornal Folha de S. Paulo revela integrante da equipe do candidato ao governo paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos) ordenando a um cinegrafista da Jovem Pan News que apagasse imagens do tiroteio registrado em Paraisópolis, zona sul da capital paulista, durante atividade de campanha do bolsonarista no último dia 17.
O diálogo, segundo a Folha, foi gravado em um prédio usado pela campanha para onde equipes de imprensa que acompanhavam a agenda foram levadas após o tiroteio. Nos áudios é possível ouvir o integrante da campanha dizer frases como "você tem que apagar" e "não pode divulgar isso não" (leia a transcrição completa do diálogo ao fim do texto).
No diálogo gravado é possível ouvir o cinegrafista dizendo que "já foi", ou seja: as imagens já tinham sido enviadas à redação da emissora, que foi a primeira a noticiar o episódio. Mais que isso, a Jovem Pan News, altamente alinhada ao bolsonarismo, chamou o caso de "atentado" em um primeiro momento, recuando horas depois. O próprio candidato afirmou que "em nenhum momento disse que era atentado".
📢 Candidato ao governo de SP afirmou hoje que "em nenhum momento eu disse que era um atentado".
— Sleeping Giants Brasil (@slpng_giants_pt) October 17, 2022
Durante todo o dia, a Jovem Pan afirmou categoricamente que o tiroteio se tratava de um atentado contra Tarcísio.
A Jovem Pan mentiu novamente? pic.twitter.com/j5cCABScnt
Leia mais: Polícia nega atentado contra Tarcísio em SP: "O tiroteio ocorreu a 100 metros"
A Folha de S. Paulo procurou a equipe do candidato, que reconheceu a autenticidade da gravação e disse que pediu para que trechos das imagens não fossem colocados no ar para "não expor quem estava lá". A assessoria de imprensa do candidato afirmou, ainda, que "nunca houve impedimento" para exibição de imagens do episódio.
Em nota divulgada nas redes sociais, o perfil do candidato afirmou que houve "tentativa de descontextualização do episódio em Paraisópolis e interpretação equivocada do áudio divulgado".
Repercussão
O adversário de Tarcísio na disputa no segundo turno, Fernando Haddad (PT), compartilhou o áudio.
Ouça o áudio que Tarcísio quer esconder de você! pic.twitter.com/RDDwex9XCr
— Fernando Haddad (@Haddad_Fernando) October 25, 2022
O deputado federal eleito Guilherme Boulos, do PSOL paulista, esteve entre os líderes políticos e jornalistas que também comentaram o tema nas redes sociais.
Equipe de Tarcísio mandou cinegrafista apagar vídeo de tiroteio em Paraisópolis. Tarcísio acha que os paulistas são otários?
— Guilherme Boulos (@GuilhermeBoulos) October 25, 2022
Pra você que é de São Paulo, já vou antecipando... É assim que MILÍCIA opera. Morei no Rio quatro anos e vi de perto. Vai votar no turista miliciano? Boa sorte.https://t.co/4Xf07uFS4V
— Flavio Gomes (@flaviogomes69) October 25, 2022
Um jovem de 27 anos foi assassinado pela equipe de Tarcísio pra eles poderem simular um atentado, é isso? Por que eles não queriam a filmagem do suposta atentado, Tarcísio ? Isso me lembra milícia, não sei por quê?https://t.co/EaAAtGOS0Z
— Renato Rovai (@renato_rovai) October 25, 2022
A equipe de Tarcísio, candidato que defende que se retirem as câmeras das fardas de policiais, obrigou um cinegrafista a apagar imagens do tiroteio em Paraisópolis, que demonstraria que jamais houve qualquer atentado. Ficou claro?
— Bruno Salles (@brsalles) October 25, 2022
A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) se manifestou sobre o caso, afirmando que "pedir para o repórter cinematográfico apagar as imagens que fez é claramente uma tentativa de censura e um atentado à liberdade de imprensa. É sempre bom lembrar que a Constituição do Brasil estabelece as liberdades de expressão e de imprensa, proibindo a censura prévia. Portanto, não há base legal para a ação dos membros da campanha do candidato."
"A Fenaj espera que o candidato venha a público manifestar-se em favor do livre exercício do jornalismo e informar a sociedade sobre as medidas tomadas no âmbito da sua campanha."
Confira a íntegra do diálogo vazado pela Folha:
[integrante da campanha] "Você filmou [inaudível] que mostram policiais atirando?"
"Quando a gente estava... chegou lá para ver o que estava acontecendo. Você saiu ali do local e foi até lá?"
[cinegrafista] "Fui"
[integrante da campanha] "Você estava ali embaixo filmando? Você filmou então o pessoal trocando tiro?"
[cinegrafista] "Não, trocando tiro efetivamente, não. Tenho tiro da PM pra cima dos caras, a hora que você chega, que você me barra..."
[integrante da campanha] "Você só filmou lá no canto?"
[cinegrafista] "Só. Na hora que você chega ali, eu já estou voltando."
[integrante da campanha] "O pessoal que tava na ONG ali, no Belezinha, você não filmou?"
[cinegrafista] "Não."
[integrante da campanha] "Não filmou?"
[cinegrafista] "Do segurança de colete..."
[integrante da campanha] "Você tem que apagar. Essa imagem que você filmou aqui também. Mostra o pessoal saindo, tem que apagar essa imagem, não pode divulgar isso não."
[cinegrafista] "Já foi."
Edição: Rodrigo Durão Coelho