Em meio a um aumento no fluxo migratório de venezuelanos aos Estados Unidos, o governo de Joe Biden mudou as regras para a entrada de migrantes do país. Anunciada na última semana, as novas orientações agora preveem que qualquer venezuelano que entre em território estadunidense de maneira irregular pela fronteira terrestre com o México deverá ser detido e enviado de volta à nação vizinha.
Anteriormente, a recusa do governo mexicano em aceitar o retorno de migrantes dessa nacionalidade e o fato de os EUA não conseguirem deportá-los para a Venezuela por não possuírem relações diplomáticas com Caracas fazia com que os venezuelanos muitas vezes aguardassem em liberdade o julgamento dos pedidos de asilo.
A situação mudou desde o último dia 12 de outubro, quando a medida entrou em vigor. O governo Biden decidiu estender aos venezuelanos o chamado Título 42, norma sanitária que havia sido implementada por Donald Trump no início de 2020 e que permitia deportar imediatamente os migrantes detidos na fronteira ao invés de acolher seus pedidos de asilo.
Em contrapartida, Washington disse que aceitará até 24 mil venezuelanos por via aérea. Esses migrantes, entretanto, serão obrigados a cumprir com diversos requisitos, como garantir que alguém lhes dê suporte financeiro nos EUA, o que deve tornar o processo mais difícil e excludente.
Para Luis Navas, pesquisador da ONG Sures, existem motivações políticas por trás das mudanças. As novas regras migratórias, argumenta o pesquisador, respondem à necessidade de um bom desempenho do Partido Democrata nas eleições de meio mandato, que acontecerão em novembro.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Navas afirma que a maior quantidade de migrantes venezuelanos que chegaram aos EUA no último ano despertou um sentimento xenófobo na comunidade de venezuelanos que já possuem cidadania estadunidense, que são majoritariamente eleitores republicanos e críticos às políticas mais permissivas que o presidente Joe Biden vinha aplicando aos migrantes da Venezuela.
"Boa parte dos migrantes que estavam chegando via terrestre eram dos setores sociais mais empobrecidos da Venezuela. Era um tipo de gente que a classe média alta não queria ver mais e essas classes foram muito críticas à política de Joe Biden. Além disso, essa população venezuelana de classe alta que está nos Estados Unidos tende a apoiar Donald Trump. Com isso, Biden está buscando obter votos da população venezuelana, sobretudo no estado da Flórida", disse.
Além disso, Navas argumenta que os republicanos pressionaram os democratas quando governadores de Estados como Texas e Flórida começaram a enviar migrantes venezuelanos em situação irregular às chamadas cidades-santuário, como Nova York e Chicago, onde a fiscalização migratória é desencorajada.
"Isso foi muito controverso, mas muito efetivo do ponto de vista político, porque tinha elementos para se converter em uma crise política e eleitoral para os democratas, já que essas cidades passaram a enfrentar a emergência exigindo ajuda do governo federal", disse.
Migração secundária
Se em um primeiro momento os países na América do Sul registraram maior número de entrada de venezuelanos, no último ano o fluxo em direção aos Estados Unidos passou a ser mais escolhido pelos migrantes. Segundo dados do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, houve um crescimento de 290% na migração venezuelana entre agosto de 2021 e setembro deste ano.
Para o pesquisador da Sures, Luis Navas, esse aumento pode ser explicado por um fenômeno classificado como "efeito chamada", ou seja, migrantes venezuelanos que encontraram caminhos possíveis para entrar nos EUA começaram a avisar familiares e amigos sobre as rotas.
"Desde o começo do ano passado, a prática era voar até o México e entrar nos Estados Unidos pela fronteira, por isso ocorreu um 'efeito chamada' e cada vez mais as pessoas passaram a fazer esse trajeto pois viam que era relativamente fácil e barato", explica.
Navas ainda diz que é pouco provável que todos os migrantes que geraram esse aumento no fluxo migratório venezuelano aos EUA tenham saído diretamente da Venezuela. Ao contrário, o pesquisador aponta que a hipótese mais provável é a de que sejam pessoas que já haviam migrado uma ou até duas vezes para destinos diferentes na região sul-americana.
"Elementos como a covid-19 e o protesto de vários países da América do Sul tornaram mais difícil a vida dos venezuelanos migrantes nesses países, de maneira que ocorreu um processo de migração secundária. Então grande parte dos migrantes que chegaram aos Estados Unidos durante todo esse ano não vinham diretamente da Venezuela, mas de outros países", afirma.
"Quem pediu sanções também é responsável"
As novas regras impostas pelos EUA foram muito criticadas na Venezuela, inclusive por setores da oposição. A decisão do governo estadunidense acabou expondo as diferenças táticas entre opositores que apoiam a aplicação de sanções contra a Venezuela e os que estão contra o bloqueio.
Segundo alguns opositores, a crise econômica que leva muitos venezuelanos a deixarem o país também foi intensificada pelo chamado "governo interino" de Juan Guaidó, que durante os últimos anos agiu para desestabilizar o governo e pedir a aplicação de sanções contra setores estratégicos da economia venezuelana.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Leonardo Morales, dirigente do partido Avanzada Progresista, afirmou que, embora o governo de Nicolás Maduro tenha a responsabilidade de retirar o país da crise e criar oportunidades para atrair de volta os migrantes, o bloqueio econômico imposto pelos EUA segue sendo um empecilho nesse processo.
"O interinato vem insistindo em exigir aos Estados Unidos que mantenham as sanções, que aumentem as sanções, que continuem impondo mais sanções. Bom, isso é uma posição, mas acontece que eles também são responsáveis por essa migração. Esses venezuelanos que estão no governo interino também são responsáveis por esses venezuelanos que estão hoje em algum lugar do mundo e que não podem voltar", disse.
Morales ainda afirmou que, embora toda a oposição aspire por mudanças políticas na Venezuela, o bloqueio "não foi a ferramenta correta para isso". "Boa parte dessa situação foi potencializada por esses opositores que pedem sanções e pelo governo que impõe as sanções, o governo dos Estados Unidos, que agora diz que os venezuelanos não poderão entrar", argumenta.
Para o opositor, o melhor caminho para solucionar a crise seria a retomada de relações diplomáticas entre Washington e Caracas. "Resolvam o problema. Vocês já estão dialogando de forma extraoficial desde o início do ano, porque então não reabrem as embaixadas e retomam as relações bilaterais, de maneira decente, cívica, respeitando a soberania de cada Estado?", questiona.
Edição: Thales Schmidt