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Haitianos intensificam protestos contra intervenção militar estrangeira

Cidadãos tomaram as ruas em rejeição ao pedido do presidente Ariel Henry por assistência militar internacional

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Protesto no Haiti no dia 17 de outubro - Richard Pierrin / AFP

Na segunda-feira, dia 17 de outubro, sob a bandeira “A ocupação acabou, longa vida à nossa nova independência”, centenas de milhares de haitianos tomaram as ruas por todo o país exigindo a inequívoca renúncia do presidente de facto do Haiti, Ariel Henry. A população rejeita seu pedido traidor por assistência militar internacional para combater as gangues. Os cidadãos organizaram grandes protestos, marchas e bloqueios nas estradas de todos os dez departamentos do país contra a decisão de Henry, argumentando que ela abre caminho para uma nova ocupação militar estrangeira no país caribenho.

Na capital, Porto Príncipe, milhares se aglomeraram na praça pública Champs-de-Mars e marcharam em direção à embaixada estadunidense para exigir um fim à intervenção imperialista dos Estados Unidos no Haiti. Contudo, antes de chegarem à embaixada, a polícia reprimiu os manifestantes usando gás lacrimogênio. Apenas pouco mais de cem pessoas conseguiram chegar à embaixada e gritaram slogans exigindo que o governo dos Estados Unidos, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a comunidade internacional como um todo respeitem o direito de autodeterminação do povo haitiano e revoquem o apoio à administração ilegítima de Henry.

Hoy | Un manifestante anónimo : "Estoy con está bandera 🇷🇺 porque #Rusia es el primer país que reconoce nuestra independencia. Estados Unidos, Francia, Canada... Actualmente impide a #Haiti a tener cooperación con ella... Por eso tengo está bandera." pic.twitter.com/jQ2NXBjXas

— Jackson Jean (@JacksonteleSUR) October 18, 2022

Hoje, um manifestante anônimo disse: “Estou com esta bandeira porque a Rússia é o primeiro país que reconhece nossa independência. Estados Unidos, França, Canadá... Atualmente [estes países] impedem o Haiti de ter cooperação com ela [Rússia]... Por isso carrego esta bandeira”.

Em cidades como Les Cayes, Jacmel, Cap-Haïtien, Jérémie e Gonaïves, milhares de pessoas protestaram, denunciando o governo Henry por seu pedido por apoio militar estrangeiro, apesar de saber que as intervenções militares anteriores não solucionaram os problemas do país. Forças de segurança reprimiram violentamente as manifestações pacíficas em todas as cidades supracitadas.

As grandes mobilizações nacionais coincidiram com o 216º aniversário do assassinato de Jean-Jacques Dessalines, o líder da Revolução Haitiana contra o domínio colonial francês (de 1791 a 1804) e considerado pelo povo haitiano como “Pai da Nação”. Todos os anos, os haitianos se mobilizam neste dia para celebrar sua vida e contribuições revolucionárias ao país. Neste 17 de outubro, os haitianos prometeram continuar lutando contra qualquer nova invasão estrangeira e corresponder ao legado de Dessalines.

O jornalista haitiano Jean Waltès Bien-Aimé, da Radio Resistance e Haitian Popular Press Agency, disse ao Peoples Dispach que “O povo haitiano rejeita totalmente o pedido de Ariel Henry por intervenção estrangeira. Eles provaram isso ao realizar grandes mobilizações hoje, 17 de outubro”.

“A população jurou manter a luta e não deixar que soldados estrangeiros contaminam a terra de Dessalines”, acrescentou.

O Conselho de Segurança da ONU

Enquanto os protestos se desenrolavam na segunda-feira, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, participava do Conselho de Segurança da ONU e mais uma vez pedia por “ação armada” no Haiti, advertindo que os residentes do país enfrentam “um pesadelo”.

“O principal porto está bloqueado por gangues que impedem a saída do combustível. Por não haver combustível, não há água, e por não haver água, o perigo da cólera aumenta”, disse Guterres.

“Eu acredito que precisamos de não apenas fortalecer a polícia haitiana por meio de treinamento, equipamento e outras medidas, mas que, na presente situação, precisamos de uma ação armada para liberar o porto e permitir que se estabeleça um corredor humanitário”, acrescentou.

Nas últimas duas semanas, gangues bloquearam o terminal Varreux, em Porto Príncipe, o que levou à escassez crítica de combustível e água, bem como complicou os esforços para responder a um perigoso surto de cólera.


Protesto no Haiti / Richard Pierrin / AFP

No dia 5 de outubro, em um comunicado à nação, Henry expressou sua intenção de pedir a ajuda da comunidade internacional para lidar com a crise humanitária causada pelas gangues. Quatro dias depois e por meio de uma carta oficial ao secretário-geral da ONU, Henry pedia à organização para intervir militarmente no país. No dia 10 de outubro, Guterres instou a comunidade internacional a considerar o envio de forças ao Haiti para enfrentar as crescentes crises humanitárias e de segurança no país.

No dia 12 de outubro, uma delegação do governo estadunidense visitou o país caribenho para avaliar o pedido de Ariel Henry. No mesmo dia, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, anunciou que os Estados Unidos impuseram sanções de visto contra líderes de gangues no Haiti.

Nesta segunda-feira, o Conselho de Segurança da ONU se reuniu para discutir sobre a proposta dos governos dos Estados Unidos e México para a implantação no Haiti de uma força multinacional não integrada pela ONU e a imposição de sanções direcionadas a líderes de gangues, como Jimmy Chérizier, ex-policial conhecido pela alcunha de “Churrasco” e líder da aliança de gangues chamada de G9 e Família.

Durante a sessão, representantes de alguns governos, como a China, foram a favor da imposição de sanções contra membros de gangues e seus apoiadores, mas desaprovaram a implantação de uma força armada internacional no país. O Conselho de Segurança irá votar as resoluções nesta quinta-feira, dia 21 de outubro.

No que diz respeito à ânsia da comunidade internacional em resolver a crise no Haiti, o jornalista Bien-Aimé ressalta que “Uma entidade não pode ser o problema e a solução ao mesmo tempo. A comunidade internacional e as Nações Unidas são os verdadeiros autores do caos no Haiti. Eles não podem ser a solução”.

“Eles criaram essa situação de tal forma que poderiam se apresentar como os salvadores”, complementou.

Segundo Bien-Aimé, “O povo haitiano não permitirá que tropas estrangeiras sejam implementadas em solo nacional”. E continua: “A ajuda que o Haiti precisa da comunidade internacional são equipamentos para a polícia nacional, para que possam confrontar as gangues”.

“Nós precisamos que os Estados Unidos parem de tomar decisões na política haitiana, parem de interferir em nossa política, parem de apoiar as gangues e enviar armas para o país. A comunidade internacional precisa parar de criar instabilidade no Haiti, aplicar a agenda criminosa neoliberal aqui e cessar o apoio à extrema direita na continuação de sua dominação do país. A comunidade internacional, particularmente os Estados Unidos, devem parar de usar a CIA para desestabilizar o Haiti. A comunidade internacional precisa reconhecer nossa soberania. Os haitianos podem governar o país se a comunidade internacional parar de influenciar nossa política”.

Canadá e Estados Unidos enviam equipamento militar ao Haiti

Em meio à forte rejeição à interferência internacional, houve o envio de “equipamentos de segurança” ao Haiti por parte do Canadá e Estados Unidos no sábado, dia 15 de outubro. Esse envio incluiu equipamento tático, veículos blindados, dentre outros.

Em comunicado conjunto, os governos do Canadá e Estados Unidos falaram que o equipamento foi comprado pelo governo haitiano e visava apoiar a polícia do país caribenho no combate às quadrilhas criminosas.

“Esse equipamento dará suporte à Polícia Nacional Haitiana em sua luta contra criminosos que estão fomentando a violência e interrompendo o fluxo de assistência humanitária profundamente necessária, atrapalhando esforços para conter a contaminação por cólera”, afirmou o comunicado.

Segundo relatos da mídia local, no dia 15 de outubro, quatro veículos blindados foram recebidos na capital do país. No dia 28 deste mês outros 18 veículos serão recebidos.

Nas últimas semanas, gangues ocuparam duas subestações policiais e roubaram um carro blindado sem que a os agentes de segurança conseguissem confrontar os criminosos. Em diversas ocasiões, a polícia admitiu sua incapacidade para deter grupos armados devido à falta de equipamento e preparação.

Todavia, cidadãos haitianos e organizações sociais são céticas quanto ao uso de equipamento militar, uma vez que Ariel Henry tem criminalizado repetidamente os protestos em massa que exigem sua renúncia. Henry afirma que essas manifestações são lideradas por gangues.

Desde 22 de agosto, os haitianos têm protestado contra a violência crônica de gangues, insegurança alimentar, inflação e escassez de combustível. O povo haitiano argumenta que a crise multidimensional enfrentada pelo país se aprofundou graças à má gestão do partido de extrema direita haitiano Tèt Kale (PHTK). Eles exigem que Henry deixe o poder, pois é incapaz de estabilizar o país.