A possibilidade de que o suposto mandante dos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips saia da cadeia deixou em alerta indígenas, indigenistas e servidores da Funai. Defensores da Terra Indígena (TI) Vale Javari temem pela vida e preveem aumento da violência na região.
"Se essa pessoa for solta, com certeza alguém irá morrer aqui muito em breve. Aqui nós vivemos totalmente apagados", afirmou um indígena. Desde as mortes do indigenista e do jornalista, a liderança vive uma vida reclusa: trabalha de portas trancadas e só anda na rua para ir de casa ao trabalho.
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Na ultima semana, a Justiça Federal do Amazonas concedeu liberdade provisória a Ruben Dario da Silva Villar, conhecido como Colômbia. A decisão foi tomada no âmbito das investigação de uso de documentos falsos.
Mas ele segue detido em função de outro mandado de prisão relacionado à suspeita de participação em uma quadrilha armada que cometeria crimes ambientais. O advogado de Colômbia tentará reverter a prisão em uma audiência no dia 24 de outubro.
A reportagem não conseguiu localizar o representante legal de Colômbia, Eduardo de Souza Rodrigues. O advogado já negou à Polícia Federal (PF) que seu cliente tenha participação em atividades ilegais. A publicação segue aberta ao posicionamento e poderá ser atualizada a qualquer momento.
Bruno Pereira e Dom Phillips foram assassinados no dia 5 de julho, após uma emboscada no rio Itacoaí, quando voltavam de uma série de visitas a comunidades indígenas e ribeirinhas para investigar e documentar a pesca ilegal na Terra Indígena do Vale do Javari.
"Quando ele sair vai ter ameaça"
"Aqui o clima está tenso", afirma outro morador da TI Vale do Javari. Ele diz que as ameaças constantes contra os defensores da TI diminuíram após a prisão de Colômbia, detido desde 8 de julho, quando se apresentou à polícia. "Quando ele sair vai ter ameaça. Dizem que ele é suspeito, mas nós sabemos que ele é culpado", aponta.
A tensão também cresceu entre os servidores da Funai de Atalaia do Norte (AM). Pelo órgão indigenista passa o planejamento de operações de fiscalização contra pesca ilegal. "Estamos tensos e com medo disso, inclusive porque fortalece os invasores que nunca deixaram de invadir a TI", confidenciou sob anonimato um servidor da Funai.
A possibilidade da soltura de Colômbia colocou em alerta indigenistas de organizações não governamentais (ONGs) que dão suporte a projetos de monitoramento territorial protagonizados pelos indígenas. "Se ele ficar solto, é claro que a preocupação aumenta. E o cuidado deve ser redobrado com todos que atuam na defesa dos direitos dos povos da floresta", afirmou integrante de uma ONG que atua na região.
Possível ligação com narcotráfico
Todos os que atuam na proteção da TI Vale do Javari apontam Colômbia como um dos líderes da pesca ilegal na TI Vale do Javari. Ele seria responsável por financiar as incursões no interior do território, além de comprar os recursos naturais saqueados dos indígenas e revendê-los no exterior.
A suspeita é que os prejuízos provocados por Bruno Pereira à operação de pesca ilegal tenham levado Colômbia a encomendar sua morte. Pereira atuava junto à União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) coletando informações sobre invasores e as repassando às autoridades federais.
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A Polícia Federal (PF) investiga ainda a ligação de Colômbia com o tráfico internacional de drogas, que domina a tríplice fronteira entre Colômbia, Peru e Brasil, onde está o território indígena, e acontece quase sem interferência das Forças Armadas ou das polícias Federal e Militar.
Colômbia manteve negócios após prisão
O Brasil de Fato já mostrou que um dos negócios ilegais de Colômbia, uma balsa que compra peixes pescados ilegalmente, segue de portas abertas no lado peruano do rio Javari. Reportou também que um contêiner refrigerado utilizado para armazenar pirarucu - espécie de peixe com alto valor comercial - está localizado em uma vila militar controlado pelo Exército brasileiro, na fronteira peruana.
Em Atalaia do Norte (AM), município que abrange boa parte da TI Vale do Javari, servidores da Funai estão cada vez mais desprotegidos. O número de agentes da Força Nacional destacados para protegê-los caiu de oito para dois entre julho e setembro deste ano. Baseada em reportagens do Brasil de Fato, a comissão da Câmara que acompanha as investigações pediu explicações ao governo federal, que ainda não respondeu.
Edição: Thalita Pires