Em decisão liminar publicada no dia 4 de setembro, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o piso salarial da enfermagem e deu um prazo de 60 dias para que estados, municípios e entidades do setor privado expliquem o impacto econômico da nova legislação.
Nesta quarta (21), servidores da Saúde, inclusive do Instituto José Frota (IJF), realizam paralisações de duas horas em vários hospitais e postos. As paralisações vão até o dia 28, além do piso da enfermagem, as manifestações também cobram os planos de cargos, carreiras e salários dos trabalhadores deste segmento. Mobilização é organizada por um conjunto de entidades, dentre elas o Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos do Município de Fortaleza (Sindfort).
Para falar sobre essa decisão e sobre as pautas de luta da categoria, o Brasil de Fato conversou com Ana Miranda, vice-presidenta do Sindifort (Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos do Município de Fortaleza), que explicou os impactos da decisão STF e quais os próximos passos dos trabalhadores da enfermagem para mudar esse cenário. Confira.
Como anda a luta da categoria?
É um tema realmente muito caro para a enfermagem, que vem lutando há muito tempo por esse reconhecimento, de fato, por uma valorização efetiva. Despertamos realmente para fazer a luta, chamamos de política mesmo e houve toda uma tramitação e agora nós já estávamos nos preparando para luta pela implantação, já que, no caso, os servidores públicos, estado e União, Distrito Federal e municípios a Emenda Constitucional 124 deu para eles até janeiro de 2023, para a sua efetivação, então a gente já vinha fazendo uma luta para saber como iria ser implantado em cada município e a categoria recebeu a notícia com um misto de decepção, de revolta, só que esses sentimentos acabaram se transformando, se fundindo e se transformando em uma determinação para lutar, e aí nós vamos seguir na luta, até a derrubada plena dessa decisão liminar e a efetivação do nosso piso.
Vocês estavam se preparando para uma luta e agora houve um retrocesso, a pauta mudou, mas a luta continua?
Exato. Nós vínhamos na luta, se preparando para a luta já em vários municípios, aqui na capital, em Fortaleza, pela luta para a sua efetivação, pela sua implantação que é aquela fase de chegar para o gestor, para o empregador e dizer: “olha, o piso é o inicial, o piso é isso”, sabe? E aí, seguindo o mesmo ritmo de mobilização, aliás, acelerando o ritmo de mobilização hoje nós tivemos que recuar e seguir avante na luta pela consideração, pelo respeito à Lei 14.434 que ela não é mais um Projeto de Lei, ela já é uma Lei Constitucional.
Aí a gente está nessa luta. Agora o nosso foco é dialogar, porque a gente tem deixado sempre muito claro que nós não comungamos, não compomos espaços com quem quer o fechamento do STF, não é o nosso caso e foi uma das coisas que a gente teve, muita cautela no tratar, no mobilizar, que nós não queremos nada contra o STF, nós queremos sim, que o ministro Barroso reveja a sua decisão, que o Pleno da Corte reveja sua decisão.
Essa decisão não é definitiva, ela ainda pode sofrer mudanças?
Ela pode sofrer mudanças, tem dois vieses para ela sofrer mudança. Um é o próprio ministro Barroso reconhecer que houve um equívoco, reconhecer que toda a discussão sobre impactos financeiros, sobre fonte de custeio já havia sido feita em grupos de trabalho no Senado, na Câmara aonde a Confederação Nacional de Saúde, aonde a Confederação Nacional dos Municípios, aonde as entidades sindicais já haviam dialogado, haviam apresentado todo esse estudo, tanto que o PL proposto pelo senador Fabiano Contarato, do PT Espírito Santo, vinha com uma proposta de piso de R$7.315 e foi justamente nesses grupos de trabalho, nesses debates com a Confederação Nacional de Saúde, com a Confederação dos Municípios que este piso saiu de R$7.315 para R$4.750.
Então houve todo esse debate, aí um dos viés é exatamente o ministro Barroso reconhecendo o equívoco da sua decisão e um outro é o Pleno da Corte rejeitando a decisão monocrática do ministro Barroso e é para esses dois vieses que nós queremos dialogar com STF, reconhecendo toda a sua responsabilidade jurídica com o país, respeitando essa instância e solicitando apenas que seja revista e reconsiderada, reformulado o voto, a decisão do ministro Barroso.
Você falou, no começo da nossa entrevista, que a luta já estava acontecendo para a implementação do piso, e aí teve essa decisão do ministro Barroso. Gostaria que você falasse o que significa essa decisão do ministro.
Olha, como o PL que se transformou na Lei 14.434, para a filantropia e a iniciativa privada o seu efeito era imediatamente após a publicação no Diário Oficial da União, então, efetivamente esse voto está resguardando a filantropia e a iniciativa privada, ou seja, para os profissionais de enfermagem desses dois ramos eles já têm o prejuízo, então o “suspender” é isso, mas a petição não pede apenas a suspensão, ela pede a revogação, então não é só um efeito suspensivo, se confirmando a gente pode ser golpeado, realmente, e perder o que a gente passou dois anos lutando ininterruptamente, seguindo toda a tramitação regulamentar para conquistar.
A quem interessa essa decisão?
Quem entrou com a petição, é preciso a gente entender isso, quem entrou com a petição foi a Confederação Nacional de Saúde, um equívoco por sinal que precisa ser desfeito porque em função disso lançaram uma fake news terrível, colocando como se fosse o Conselho Nacional de Saúde, até porque tinha um viés de comprometer o Pigatto, que é o presidente do Conselho Nacional de Saúde, e na realidade, interessa é à Confederação Nacional de Saúde, que representa a iniciativa privada e filantrópica de saúde, ou seja, é o grupo dos empresários da saúde privada, é o grupo de poderio. Porém, talvez por ser período eleitoral, os prefeitos não se envolveram tanto, porém, após a decisão do ministro Barroso em cima da petição da Confederação Nacional de Saúde, a Confederação Nacional dos Municípios comemorou e soltou inclusive notas.
Então interessa para os empresários da saúde, interessa também para os prefeitos, eu não recebi nenhum tipo de informação a respeito dos governadores, mas a Confederação Nacional dos Municípios festejou a decisão liminar do ministro Barroso. Então interessa a esses dois vieses.
Hoje não existe um piso para a categoria?
Não existe um piso, a falta da existência desse piso faz com que os profissionais tenham salários, principalmente o nível médio técnico, os auxiliares e os técnicos em enfermagem tenham, em alguns municípios, o mesmo salário que tem o auxiliar de serviços gerais, por exemplo. Então essa liminar ataca demais, principalmente esse pessoal.
E qual a importância de ter esse piso salarial?
É preciso entender a complexidade do trabalho da enfermagem, mesmo que seja do auxiliar, mas são atividades complexas, são atividades em que a gente luta com vidas e nos seus momentos mais frágeis. Então é importante que essa categoria seja reconhecida e é importante que essa categoria deixe de ser escrava, principalmente dos empresários da saúde. A gente tem notícias, por exemplo, que os empresários da saúde, de hospitais, de planos de saúde, etc, estão dentro do leque dos mais ricos e essa fortuna está saindo de onde? Está saindo, principalmente, das costas da enfermagem que é aquela assistência ao paciente 24 horas, está saindo disso. Então a importância é que a enfermagem deixe de ser escrava tanto dos gestores, em especial, dos gestores municipais, que são os que mais escravizam e também dos empresários da saúde.
E como a categoria está se organizando em Fortaleza e no Ceará para mudar esse cenário?
Olha, nós estamos fazendo agenda de visitas e de lutas, não apenas como no dia 8 de Março, que no Ceará foi referência, não apenas como o 9 de Setembro, mas nós já sabemos que o julgamento do mérito acontecerá até o dia 16, então até o dia 16 vai ser luta todo dia, não atos grandes, mas nós estamos, inclusive, planejando ato de alta repercussão em Fortaleza, onde, muitas vezes, a gente convoca, principalmente, a região metropolitana, aqueles municípios mais próximos de Fortaleza, a gente sempre tem o hábito de trazer para que haja um reforço nos atos.
Nós não gostaríamos de colocar, por exemplo, o Instituto Doutor José Frota que é um hospital de atendimento terciário de Fortaleza; ou o hospital do coração, que a gente chama de Hospital de Messejana, que ele é referência em urgência e emergência cardiológica; nós não gostaríamos de botar o Hospital Geral de Fortaleza, que tem como referência o atendimento terciário em várias áreas, mas principalmente, na neurológica; nós não gostaríamos de colocar esses hospitais, por exemplo, em uma greve, mas estamos estudando, estamos nos preparando para uma eventual necessidade. A gente ter como fazer com segurança, assim como nos hospitais regionais, dependendo do direcionamento, de como a gente perceba o direcionamento da Corte, de como a gente perceba as reações, tanto da Confederação Nacional dos Municípios como da Confederação Nacional de Saúde.
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Fonte: BdF Ceará
Edição: Camila Garcia