E, no fundo do poço, havia um alçapão. Após um influenciador bolsonarista afirmar incorretamente que o Ipec, instituto de pesquisas criado pelos diretores do antigo Ibope, funciona dentro do Instituto Lula, a coluna apurou que seguidores de Jair Bolsonaro estão batendo na porta da organização criada pelo petista querendo "investigar" como os levantamentos eleitorais são feitos.
Vídeo divulgado pelo youtuber Gustavo Gayer usou esse boato para colocar em dúvida a credibilidade da pesquisa eleitoral. No último levantamento do Ipec, Lula marcou 44% e Bolsonaro, 32%. Em sua publicação, ele ainda perguntou onde está o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, questionando se essa sobreposição de endereços não é crime eleitoral.
Em sua "investigação" que embasou a "denúncia", o bolsonarista, que também é candidato a deputado federal, confundiu o Instituto Pesquisas e Estudos de Cidadania, antigo nome do Instituto Lula, com o Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica, nome do instituto que realiza pesquisas eleitorais.
Com isso, provou aos seus potenciais eleitores, que falta amor no mundo, mas também falta interpretação de texto.
Gayer publicou um novo vídeo, retratando-se e afirmando que "errou". Mas a divulgação original foi o bastante para dezenas de ligações chegarem ao Instituto Lula, querendo "investigar" a relação entre ambas organizações, segundo apurou a coluna.
E houve os que foram presencialmente à sede procurando o Ipec e mesmo após serem informados de que o instituto de pesquisas não funciona ali, continuaram querendo saber como são realizadas as entrevistas para medir as intenções de voto.
Teve de tudo: alguns tentaram tirar foto com suas câmeras, enfiando lentes pelas grades do portão. Outros tentaram subir o muro do instituto. E houve os que, uma vez conseguindo a atenção de algum funcionário, jogavam conversa fora enquanto gravavam os presentes com a câmera do celular.
A avaliação dada à coluna é que os visitantes pensavam estarem agindo como um Sherlock Holmes, mas na verdade pareciam mais o caricato inspetor Jacques Clouseau, da série Pantera Cor-de-Rosa.
Caso aponta como as pessoas acreditam no que querem acreditar
A insistência em uma mentira, mesmo desmentida pelos fatos (o Ipec tem um site com o seu endereço, que fica a seis quilômetros do Instituto Lula), vai ao encontro do que conhecemos como viés de confirmação.
Para bolsonaristas mais radicais, institutos de pesquisa são mentirosos porque seus resultados não atestam o que eles acreditam, ou seja, que o atual presidente estaria na frente na corrida eleitoral.
Inseridos em bolhas bolsonaristas, eles vêm as pessoas à sua volta defenderem o mesmo que eles. Acham, portanto, impossível um grande naco da sociedade pensar diferente. Bradam, dessa forma, que enquetes sem valor científico, produzidas pela campanha do presidente, são mais corretas do que as extensas pesquisas feitas com rigor científico por institutos como Ipec, Datafolha, MDA e Quaest.
Mesmo processo ocorre na tentativa do campo bolsonarista de erodir a credibilidade da extensa investigação de Thiago Herdy e Juliana Dal Piva, que mostrou que a família Bolsonaro comprou pelo menos 51 imóveis usando dinheiro vivo.
Desde que a denuncia veio a público, nesta terça (30), bolsonaristas tentam confundir os leitores ao divulgar a mentira de que a reportagem se confundiu ao afirmar que as compras foram feitas com dinheiro vivo quando teriam sido feitas em "moeda corrente", ou seja, em reais.
"A reportagem confirmou com oficiais de cartórios a padronização da 'compra em moeda corrente' para se referir a vendas realizadas em espécie, mencionadas de forma distinta às vendas realizadas por meio de cheque ou transferência bancária que aparecem especificadas em várias outras compras. Nas transações de maior valor, confirmou com os próprios vendedores o uso de dinheiro em espécie na compra de imóveis", afirma explicação de Herdy e Dal Piva.
Como muitos bolsonaristas não querem acreditar que o presidente e sua família possam estar envolvidos em algo como lavagem de dinheiro oriundo de fonte ilegal, como o desvio de salários de servidores de seus gabinetes (o tipo de corrupção chamado de "rachadinha"), propagam a justificativa como se verdade fosse.
*Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato