As milícias controlam 1.217 drogarias no Rio de Janeiro, segundo um levantamento do Conselho Regional de Farmácia (CRF-RJ). A zona Norte é a região com maior concentração de farmácias, somando 366, seguida da Baixada Fluminense, com 296 estabelecimentos ligados a grupos criminosos.
Leia mais: Dos grupos de extermínio à política institucional: entenda a trajetória das milícias
Após revelar que fiscais têm sofrido intimidações em áreas dominadas pela milícia, a CRF-RJ informou ao Brasil de Fato que não vai se manifestar sobre os dados divulgados inicialmente por reportagem do portal UOL. Segundo a assessoria de imprensa, a diretoria teme pela segurança da instituição.
Na reportagem, o chefe do Serviço de Fiscalização do CRF-RJ relata que uma representante do conselho foi ameaçada com arma de fogo ao tentar autuar uma farmácia em Campo Grande, bairro da zona Oeste.
Os fiscais supervisionam normas do setor como a presença de um farmacêutico responsável no local e o registro do estabelecimento. Até o fechamento desta reportagem, a Polícia Civil afirmou que desconhecia a denúncia e o relatório do CRF-RJ.
O controle de farmácias pelas milícias passa pela cobrança de "taxas de segurança", movimentação de cargas roubadas e até mesmo a atuação direta a partir da abertura de lojas próprias. É o que explica o professor de sociologia e coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI/UFF) Daniel Hirata.
"Uma vez que se tem o controle territorial armado, esse controle se exerce em princípio pelo pagamento de taxas extorsivas dos comerciantes, e pode-se abrir uma janela de oportunidade em que as milícias passam a atuar diretamente nos negócios", afirma o professor sobre os negócios que tradicionalmente são usados para lavagem de dinheiro, como farmácias, postos de gasolina e venda de terrenos.
Leia também: Milícia supera tráfico e controla mais da metade do território do Rio, aponta estudo
Para além da questão de segurança pública, a expansão das milícias no setor farmacêutico chama atenção para o impacto no cotidiano da população que vive em áreas dominadas por esses grupos.
"Não chega a ser uma surpresa que as milícias estejam atuando em farmácias, mas é claro que é muito preocupante. Os produtos roubados, do ponto de vista da saúde pública, são problemáticos porque não temos garantia sobre data de validade, etc. Mas ainda tem outro problema que são os produtos falsificados. Há todo um conjunto de questões que envolvem saúde pública e a lavagem de dinheiro", completa o pesquisador.
Modelo de negócio
Se fosse uma empresa formal, as farmácias controladas pela milícia no Rio de Janeiro estariam entre os maiores grupos do varejo farmacêutico nacional por região. A rede de farmácias Pague Menos, por exemplo, é a terceira maior do setor e encerrou o segundo trimestre deste ano com 1.193 lojas em todo país.
O sociólogo e professor da Universidade Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) José Cláudio Souza Alves aponta que o braço financeiro da milícia é flexível e se adapta às oportunidades de negócio nos territórios dominados.
Nesse sentido, a diversificação das fontes de renda é parte da estratégia de atuação das milícias para lavagem de dinheiro e obtenção de lucros.
“Onde tem capital com retorno fácil, rápido e pouca fiscalização, a milícia está envolvida. Os ramos de negócio da milícia são certos em áreas onde eles controlam territorialmente porque nenhum órgão fiscalizador é capaz de confrontar. Quem vai confrontar um território com domínio armado?”, questiona o estudioso das milícias e autor do livro “Dos Barões ao Extermínio: Uma História da Violência na Baixada Fluminense”.
Leia mais: Morto no Rio de Janeiro, Jerominho foi um dos fundadores de uma das maiores milícias da capital
"Quando a milícia atua nesse ramo [de farmácias], eles sabem que não é um capital isolado. São capitais que se movimentam formando grupos de farmácias que eles compram e vão ampliando porque é lucrativo. O negócio é certo porque nós somos uma sociedade medicamentosa, nossa saúde toda é baseada nisso. Não há política pública de prevenção, de hábito alimentar e estilo de vida que vai gerar menos doenças. As farmácias são um super negócio e a milícia não é burra. A movimentação de uma farmácia é um negócio absurdo”, completa José Cláudio.
Em 2020, a Delegacia do Consumidor (Decon) investigou a exploração do setor farmacêutico pela milícia "Liga da Justiça", controlada pelo miliciano Ecko, morto em uma operação policial no ano passado. O grupo utilizava uma rede de farmácias para lavagem de dinheiro nas zonas Norte, Oeste e na Baixada Fluminense. Oito estabelecimentos foram interditados na época.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse