Desde a última semana, quando o noticiário foi tomado pelas reportagens sobre os desdobramentos da prisão do vereador do Rio de Janeiro Jairo Santos Souza Júnior (sem partido), conhecido como Dr. Jairinho, suspeito da morte de seu enteado Henry Borel, de 4 anos, inúmeros materiais e indícios começaram a circular relacionando o político a um grupo miliciano com atuação na Zona Oeste da capital.
Entre eles, uma pesquisa acadêmica, publicada em 2008, em que Jairinho é apontado cinco vezes como um dos líderes milicianos com trajetória política em entrevistas feitas com moradores de áreas controladas por esses grupos criminosos.
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O relatório do estudo, a que o Brasil de Fato teve acesso, é intitulado “Seis por meia dúzia? Um estudo exploratório do fenômeno das chamadas ‘milícias’ no Rio de Janeiro”, e foi elaborado pelo Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAV-UERJ), com coordenação dos professores Ignácio Cano e Carolina Iooty.
Coronel Jairo
No texto, ao lado do nome de Jairinho, aparece também seu pai, o ex-deputado estadual e Coronel aposentado da Polícia Militar, Jairo (Solidariedade), citado 13 vezes nas entrevistas como uma das lideranças do grupo miliciano da Zona Oeste.
"O desempenho de cargos públicos por parte dos líderes da milícia fecha o círculo da dominação, na medida em que à dominação informal junta-se agora à dominação formal, inclusive com a legitimidade outorgada pelo voto popular. Para os líderes milicianos, isto possui vantagens óbvias: o estabelecimento de contatos políticos ao mais alto nível e a obtenção de imunidade parlamentar contra possíveis processos criminais", aponta trecho da pesquisa.
No entanto, o Coronel Jairo não figura apenas nesta pesquisa. Seu nome integrou a lista de investigados pela CPI das Milícias, conduzida pelo agora deputado federal Marcelo Freixo (Psol), na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), em 2008. Na ocasião, não foi indiciado por “falta de provas”.
Anos mais tarde, em 2018, o Coronel Jairo voltou a ser um dos protagonistas de outra investigação: a Operação Furna da Onça, responsável por sua prisão temporária. Desta vez, foi indiciado por receber uma “mesada” para aprovar projetos de interesse do então governador Sérgio Cabral (MDB). Neste mesmo ano, tentou se reeleger - contando com o apoio do atual senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) - e não conseguiu. Em seguida, encerrou sua carreira na política institucional.
“Jairo, Jairinho, Jerominho, Natalino e tantos outros são, sem dúvidas, exemplos de como a milícia se vinculou com a política institucional. No caso do Jairinho não há comprovação oficial, mas há indícios fortes”, acrescenta o pesquisador Ignácio Cano.
Tortura dos jornalistas de O Dia
Outro episódio que chama atenção no histórico de Jairinho e de seu pai são os elementos que indicam o envolvimento dos dois na captura e tortura de uma repórter e um fotógrafo do jornal O Dia, em 2008. Os jornalistas foram pegos após se tornarem infiltrados na Favela do Batan, localizada na zona Oeste do Rio, para produzir matérias sobre a milícia que dominava o local.
Eles foram encontrados pelos milicianos - depois de serem dedurados por colegas da redação - e torturados por mais de sete horas. Durante a sessão de tortura, a repórter teria reconhecido a voz de um vereador, filho de um deputado estadual, segundo conta o fotógrafo Nilton Claudino no texto “Minha dor não sai no jornal”, publicado na revista Piauí, em 2011.
“A repórter reconheceu a voz de um vereador, filho de um deputado estadual. E ele a reconheceu. Recomeçou a porradaria. Esse político me batia muito. Perguntava o que eu tinha ido fazer na Zona Oeste. Questionava se eu não amava meus filhos”, conta o fotógrafo no relato.
Na época, após denúncia de Nilton, a Polícia Civil do Rio iniciou investigação contra o Coronel Jairo pelo caso, mas ele não chegou a ser indiciado. Jairinho, que já havia sido eleito vereador, não foi oficialmente investigado.
De acordo com José Cláudio Souza Alves, sociólogo e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que estuda as milícias há mais de 26 anos, a relação desses grupos com o poder político é a base de seu funcionamento e evidencia porque as investigações sobre os envolvidos não vão para a frente no sistema Judiciário.
“A milícia é estruturada a partir de sólida base com a política institucional, é isso que a protege e faz com que ela se projete cada vez mais. Não vai haver a atuação do Estado para investigar ou trazer algum dano a eles, pelo contrário, a estrutura do Estado em todas as suas dimensões, do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, vai ser movimentada para proteger, para impedir que sejam investigados, para fazer escapar de operações”, descreve.
Para o pesquisador, o que explica o vereador ter sido preso na última semana é o seu envolvimento em um crime que deixou rastros difíceis de esconder. “É muito compreensível que sejam figuras não atingidas ao longo do tempo. Agora eles deram azar, foi um ponto fora da curva. Normalmente seriam intocáveis, mas ele torturou, feriu e matou uma criança, aí não teve como esconder”, avalia.
Zona Oeste: origem das milícias
Jairinho se tornou herdeiro político do pai no bairro de Bangu, na Zona Oeste do Rio, onde nasceu e viveu grande parte de sua vida. O bairro é localizado na região conhecida não só como reduto das milícias na capital, mas também como o local onde se originaram os primeiros grupos milicianos do estado com a configuração de hoje - ao lado de Rio das Pedras, também na Zona Oeste, e Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
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A principal milícia da Zona Oeste, a que Jairinho e Jairo tem o nome relacionado, já foi batizada de três formas distintas ao longo dos anos: “Liga da Justiça”, “A Firma” e, por último, “Bonde do Ecko”. Seu auge de atuação remonta ao ano de 2007.
“Jairo e Jairinho fazem parte dessa dimensão desde o início. Eles sobreviveram a todas essas mudanças. São os responsáveis pelo fio de condução da primeira fase da ‘Liga da Justiça’ até o ‘Bonde do Ecko’. Eles transitaram, fizeram os acordos necessários e sobreviveram. Isso denota a capacidade de articulação deles”, acrescenta José Cláudio.
Esse grupo teve início em meados dos anos 1990 atuando com serviços, principalmente, transporte coletivo que tem longo histórico de carência na região. Mas não só, também têm ações de ocupações de terra, de venda de terrenos, de cobrança de taxa de segurança, de distribuição de gás, de “gatonet”. Além disso, estão associados a crimes corriqueiros de roubo e tráfico de drogas.
"Ponta do iceberg"
Na época conhecido como “Liga da Justiça”, o grupo foi identificado na CPI das Milícias e teve dois líderes políticos presos, o ex-vereador Jerominho Guimarães e seu irmão, o ex-deputado estadual Natalino Guimarães. Além deles, também foram presos os líderes locais Ricardo Teixeira Cruz, o Batman, e Toni Ângelo Souza Aguiar, o Toni Angelo.
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Com as prisões, o ex-traficante do Morro Três Pontes, em Santa Cruz, Carlinhos Três Pontes passou a assumir a liderança estabelecendo uma articulação mais direta com a facção do tráfico Terceiro Comando Puro. Após a morte de Carlinhos, em 2017, durante operação policial, seu sucessor passa a ser o irmão, conhecido como Ecko, que também passa a batizar o grupo.
“Essa milícia tem essa articulação mais ampla. Mas vale lembrar que não é o tráfico que abarca a milícia, é o contrário: o tráfico é parte, integra a estrutura da milícia. Esse grupo, em específico, é o que mais cresce, que mais intensifica seus negócios e que tem tido seus ganhos políticos garantidos. O caso do Jairinho é a ponta do iceberg, que por acaso veio à tona e está chamando a atenção da mídia”, conclui o pesquisador.
Edição: Rodrigo Chagas