A Câmara de Curitiba confirmou a cassação do vereador Renato Freitas (PT), em segundo turno de votação, nesta sexta (05). Foram 23 votos favoráveis, sete contrários e uma abstenção.
A sanção tem efeito imediato e Freitas perde seus direitos políticos pelos próximos 10 anos (os próximos dois anos restantes do mandato e outros oito anos estipulados pela lei). A defesa irá recorrer da decisão na esfera judicial.
O padre Luiz Hass, que celebrava a missa na Igreja do Rosário no dia do ato antirracista, em fevereiro, acompanhou a sessão sentado ao lado da equipe de Renato Freitas.
"A arquidiocese deixou claro que não quer se envolver neste processo de cassação. Deixou muito claro que é contra esse processo de cassação", apontou Edson Abdala, advogado criminalista parte da equipe de defesa.
Em sua última fala no púlpito da Câmara de Curitiba, Renato Freitas apontou a perseguição sofrida por defensores dos direitos humanos e de um projeto político de defesa das populações marginalizadas.
"Alguns perderam o mandato, como é o caso de Dilma; alguns perderam a liberdade, é o caso de Lula, de Mandela; outros perderam a vida, Marielle presente. Eu sabia disso, mas assumo a consequência dos meus atos. Olho nos olhos de cada um dessa sala e respondo pelas minhas ações. O que eu não posso fazer é construir conchavos às escondidas para ficar no bolso do prefeito, como muitos gostam de ficar", disse.
O agora ex-vereador encerrou sua fala dizendo que "a verdade está dos lados dos oprimidos, a verdade é sempre revolucionária e nela me apego com garras e dentes." As pessoas que acompanhavam a sessão nas galerias da Câmara aplaudiram aos gritos de "Renato fica, racistas saem."
Abuso de autoridade
Assim como na votação de quinta (04), a defesa mais uma vez apontou o desrespeito ao chamado prazo decadencial de 90 dias corridos para conclusão de um processo ético disciplinar, instituído por Decreto de Lei. A Câmara já extrapolou tal prazo, no entanto alega que seu regimento interno permite a conclusão em 90 dias úteis com possibilidade de prorrogação.
"Proceder à perseguição penal ou administrativa sem justa causa tem pena, hoje, de detenção de 1 a 4 anos", defendeu o advogado Edson Abdala, apontado as penas caracterizadas na lei de abuso de autoridade.
Também pela defesa, Guilherme Gonçalves caracterizou a continuidade da sessão, ignorando o Código Civil brasileiro, de "monstruosidade assustadora."
"Informo aos senhores e senhoras vereadores que prosseguir com o processo, quando ele já transcorreu seu prazo de encerramento, pode considerar crime de abuso de autoridade. Não submissão ao plenário contamina de morte esse procedimento", apontou o advogado. A defesa pediu que o recurso sobre o prazo fosse submetido para votação em plenário.
O presidente da Câmara, Tico Kuzma (Pros), mais uma vez, rejeitou o pedido da defesa. "Consultamos nossa assessoria jurídica, respeitamos e seguimos as decisões que nos são encaminhadas. Se houver divergência, a justiça está aí para corrigir", afirmou.
Perseguição e preconceito
Durante sua fala de defesa, Renato Freitas argumentou que o processo é uma "perseguição que não se fundamenta na legalidade, no interesse público." Para Freitas, a cassação é uma resposta ao que seu mandato representa na Câmara: um obstáculo "àqueles que há séculos estão acomodados nos espaços de poder."
"[Essa cassação] se baseia somente em preconceito por sermos representantes das ruas de terra, das donas Marias desempregadas, dos filhos sem pai, porque representamos a população negra que só entra nos espaços de poder pelas portas de serviço, pelos elevadores reservados, para dormir no quarto da empregada, para ser visto como bode expiatório dos problemas do país", afirmou.
Freitas lembrou, mais uma vez, que a Igreja, defendida com afinco pelos vereadores favoráveis à sua cassação, é um espaço de acolhimento a todos que professam a fé cristã. Lugar onde disse ter entrado "para clamar pelas vidas negras sacrificadas historicamente neste país."
O suposto ataque à igreja foi colocado em questão na fala de Freitas, dirigindo-se diretamente a Eder Borges (PP), que iniciou a divulgação dos vídeos falsos acusando-o de invasão.
"O mentiroso contumaz vereador Eder Borges foi condenado pela justiça por fake news e foi ele também quem editou os vídeos da nossa manifestação dando a entender que eu teria cometido crimes, porque a discórdia gera engajamento, porque a mentira gera comentários e compartilhamentos", afirmou.
Vexame internacional
Parte da equipe de defesa, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, chamou de "espantosa" a cassação de um vereador por um ato político e disse temer pela democracia no país, diante desse processo na Câmara de Curitiba.
"Estou vendo estupefato um vereador ser cassado por um ato político. Estão fazendo a criminalização da política. A essência da democracia é discordar. Agora, cassar, matar politicamente? Nós temos aqui a criminalização da política promovida pelos próprios representantes do povo", disse Kakay, afirmando que a defesa irá levar o caso também aos tribunais internacionais.
No mesmo sentido, o advogado Edson Abdala atentou para o mau exemplo que a Câmara de Curitiba mostra para o mundo e chamou o processo de "vexame internacional."
"Nós não estamos votando a cassação de um corrupto, de alguém que desviou um dinheiro. Nós estamos tentando salvar o mandato de um vereador que foi pedir por vidas negras. Onde está o crime? Onde está uma infração legal? Nenhuma", disse.
Espetáculo de ódio
Defendendo a manutenção do mandato de Renato Freitas, a vereadora Carol Dartora (PT) usou seu tempo de fala para apontar a violência cotidiana sofrida na Câmara. Ela chamou o processo contra Freitas de "espetáculo de ódio, escracho público", "cruel, bizarro e hipócrita."
"Fica demonstrado que essa cassação não é somente de um mandato, mas uma cassação que se pretende negação de um projeto político. Um ato explícito de tentativa de silenciamento desses que compõem esse mandato. Uma das maiores injustiças contra a população que já não se sente incluída nesses espaços pela falta de representantes negros", disse.
Emocionada, Dartora falou das várias violências que Renato e ela, primeira vereadora negra da cidade, sofrem na Casa desde eleitos: violência simbólica, psicológica, que se transformam em violência objetiva.
"A violência é muito maior do que imaginamos. Sabíamos, mas ainda não tínhamos vivido. O mandato do vereador Renato Freitas representa a periferia, entra nessa Casa e afronta a estrutura fria que rege a política institucional. Não nos calaremos, não aceitaremos o recado que está sendo armado aqui. A população negra cada vez mais vai se fazer presente nessa Casa", afirmou.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Frédi Vasconcelos