MAIS VIOLÊNCIA

Indígena Guarani Kaiowá é baleado em emboscada no MS: "Somos alvos monitorados"

Assassinatos e ameaças de morte contra crianças mantêm indígenas em alerta contra ofensiva de fazendeiros no estado

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |
Carro da vítima ficou com pelo menos 10 marcas de bala, afirma Aty Guasu - Divulgação/Aty Guasu

Um indígena Guarani Kaiowá foi alvo de tentativa de assassinato na entrada da Terra Indígena (TI) Amambai no Mato Grosso do Sul. O comerciante Vitorino Sanches sofreu uma emboscada no final da manhã de segunda-feira (1), quando entrava na aldeia. Ele foi atingido por dois tiros, mas não corre risco de morte. 

Pelo menos 10 marcas de balas foram encontradas no carro do indígena, segundo denunciou pelas redes sociais a Aty Guasu, que representa os Guarani Kaiowá. “Pedimos justiça, segurança e investigação federal com urgência. Chega de matar nós, Guarani-Kaiowa. Pedimos proteção”, publicou a Aty Guasu. 

Leia mais: Como o agronegócio cercou os Guarani Kaiowá e por que os indígenas tentam retomar suas terras

O conselho da Aty Guasu informou que “dois motoqueiros estavam esperando e, quando ele passou, deram vários tiros nele. A gente está sob o controle dos fazendeiros. Nós mesmo da retomada estamos sem poder sair daqui, porque somos alvos monitorados”.

Nos últimos meses, três Guarani Kaiowá foram assassinados no estado. Segundo a Aty Guasu, as mortes foram provocadas por pistoleiros e policiais militares. A violência ocorre em meio a retomadas de terras ancestrais, hoje ocupadas por fazendas.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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“Meses de mortes e massacres” 

Na última semana, uma troca de mensagens virtuais revelada pela Aty Guasu indicou o planejamento de massacre contra estudantes dentro de uma escola indígena na Terra (TI) Indígena Amambai. Ainda sem veracidade comprovada, os diálogos mostram duas pessoas combinando de matar pelo menos 10 alunos a tiros.  

“O pessoal está amedrontado. Não é brincadeira. A comunidade, as crianças, estão todos com medo. Não tem mais segurança. São meses de mortes e massacres”, afirmou outra liderança da TI Amambai. 

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A Defensoria Pública da União (DPU) tenta descobrir se existe relação entre o ataque ao comerciante e as ofensivas recentes aos indígenas que organizam retomadas. O Ministério Público Federal (MPF) afirmou que está atuando de maneira ininterrupta, mas não pode revelar informações, pois o processo corre sob sigilo. 

O Brasil de Fato perguntou à Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Mato Grosso e à Polícia Civil quais medidas estão sendo tomadas para evitar novas mortes. Se houver resposta, o texto será atualizado. 

Herança do confinamento impulsiona violência 

O ataque ao comerciante Vitorino Sanches ocorreu um dia após a eleição para capitão e vice-capitão dos Guarani Kaiowá da TI Amambai. Dois líderes que tentavam a reeleição perderam a disputa. Eles são acusados pela Aty Guasu, organização que apoia as retomadas, de favorecerem fazendeiros nas disputas de terras. 

Embora o principal vetor da violência sejam os fazendeiros, outro fator são disputas políticas internas provocadas pela manutenção do sistema de capitanias indígenas, herança de quando os Guarani Kaiowá foram expulsos de suas terras e aldeados a mando do Estado brasileiro. 

O sistema de capitanias foi implementado à revelia dos indígenas no começo do século passado e é baseado em uma lógica de controle verticalizado e autoritário. Segundo antropólogos, a continuidade da existência da figura do capitão e vice-capitão contradiz a forma ancestral de organização política e social dos Guarani Kaiowá. 

Antes de serem expulsos de suas terras, a forma mais comum de dissolver conflitos entre os grupos familiares era a realização de assembleias, que duravam até que o consenso fosse atingido. Caso não houvesse acordo, as famílias se dividiam e buscavam novos territórios. 

Após o confinamento em pequenas reservas, o modelo de resolução de conflitos dos Guarani Kaiowá, pautado pelo consenso, foi substituído pelas capitanias chefiadas por indígenas, que acumularam poder e tinham o monopólio da violência. Com o passar do tempo, eles passaram a atuar em favor de políticos locais e do agronegócio. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho