Uma emboscada contra cinco indígenas do povo Guarani Kaiowá na cidade de Amambai (MS) resultou na morte a tiros de Márcio Moreira na tarde desta quinta-feira (14). Ele era liderança do Tekoha Gwapo’y Mi Tujury, território ancestral que está no nome da Fazenda Borda da Mata da empresa VT Brasil Administração, da família Torelli, e que foi retomado pelos indígenas em junho.
O assassinato de Márcio Moreira acontece três semanas depois do que ficou conhecido como Massacre de Gwapo’y, quando a polícia militar invadiu a área, feriu 15 pessoas e matou o indígena Vitor Fernandes.
Segundo a Aty Guasu – a Grande Assembleia Guarani Kaiowá –, cinco indígenas da retomada foram chamados para fazer um trabalho de construção de muro na tarde desta quinta-feira (14). Chegando ao local, na beira da rodovia MS 386 e perto da onde fica a sede da Coamo Agrodindustrial Cooperativa, eles teriam percebido a emboscada.
"Encontraram em torno de 20 pistoleiros, jagunços e policiais", afirma a nota da Aty Guasu, segundo a qual Marcio Moreira foi morto a tiros, dois indígenas estão desaparecidos, um conseguiu escapar correndo e outro foi preso pela Polícia Militar, acusado de ter cometido o assassinato – versão contestada e denunciada pelos indígenas. Este último, ainda segundo a nota, seria Wilis Fernandes, filho de Vitor, morto pela polícia no Massacre de Gwapo’y.
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Ao Brasil de Fato, no entanto, a Defensoria Pública da União (DPU) e a Comunicação da Polícia Civil do Mato Grosso do Sul informaram que até o momento ninguém foi preso. A reportagem entrou em contato com a Delegacia da Polícia Civil de Amambai para questionar sobre a possível detenção de Fernandes, mas não quiseram dar informações.
Segundo informou a Comunicação da Polícia Civil para o Brasil de Fato, ao que consta no Boletim de Ocorrência, uma testemunha relatou que Márcio teria sido morto por "dois suspeitos não identificados" e que outra pessoa teria fugido. No documento não há qualquer menção sobre se tratarem de indígenas Guarani e Kaiowá.
A Secretaria de Segurança Pública do Mato Grosso do Sul afirmou ao Brasil de Fato ser inverídica a informação de que havia 20 pistoleiros e que qualquer prisão tenha sido feita. Segundo o órgão, três testemunhas foram ouvidas pela polícia, que instaurou um inquérito. Duas delas, trabalhadoras da construção civil, teriam presenciado o assassinato e relatado que Márcio chegou ao local em uma moto com outro homem na garupa, encontrou ali com mais duas pessoas também de moto e que os disparos foram feitos em seguida. Ainda segundo esses relatos, o acompanhante de Márcio teria fugido para o mato e os outros dois homens foram embora - um de moto e outro a pé.
Ameaças de morte
Márcio Moreira já estava ameaçado de morte, assim como estão outras lideranças da retomada. Ele estava coordenando a construção de uma casa de reza tradicional na área. Em um vídeo gravado dias atrás, Márcio afirma que a ocupação não é temporária, mas permanente, e pede doações para apoiadores para a construção de mais casas.
"Existe uma ameaça de morte organizada, planejada, contra as lideranças do Gwapo’y Mi Tujury. Já denunciamos, mas continua", afirma um integrante da Aty Guasu que pediu anonimato.
No último dia 4, o juiz Thales Braghini Leão, da 2ª Vara da Justiça Federal em Ponta Porã, negou a liminar de reintegração de posse da Fazenda Borda da Mata. "O fato de não existir demarcação sobre a área ou qualquer processo administrativo tendente a promovê-la não é suficiente para descaracterizar a luta pela posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios", escreveu o juiz na decisão.
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"Quando não conseguiram a ordem de reintegração de posse, os fazendeiros passam para essa segunda opção, que é assassinar lideranças para intimidar", afirma o membro da Aty Guasu. "É a continuidade do massacre. O genocídio mesmo, que continua. Isso não para. E a segurança e a proteção, nós não temos", afirma.
Em nota, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirma que existe o temor de que "os policiais façam 'queima de arquivo' com os indígenas que presenciaram o ataque".
"A violência recorrente só mostra mais uma vez a atuação dos fazendeiros como bandidos milicianos, que tomam as terras indígenas, pagam pistoleiros para assassinar aqueles que resistem e contam com o estímulo e a conivência da Funai anti-indígena e do governo Bolsonaro", denuncia a Apib.
Edição: Nicolau Soares