O Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), maior movimento popular da América Latina, foi um dos setores que se reuniu com a vice-presidenta eleita da Colômbia, Francia Márquez, em visita ao Brasil, na última terça-feira (26). O encontro na Fundação Perseu Abramo, em São Paulo, foi um "diálogo entre irmãos", disse a dirigente do MST, Messilene Gorete, e adicionou: "serviu para nos apresentarmos e para nos colocarmos à disposição do governo popular da Colômbia".
O Movimento Sem Terra está presente em 24 estados brasileiros com cerca de 450 mil famílias que conquistaram a terra por meio da luta e organização coletiva camponesa. Criado em 1984, a principal reivindicação do Movimento é o direito da função social da terra: terra para quem nela vive e produz, com respeito ao meio-ambiente e garantia de soberania alimentar e defesa de mudanças na estrutura do país.
Hoje uma das principais bandeiras é a Reforma Agrária Popular, dando garantia de posse e uso da terra para as comunidades originárias, ribeirinhas e quilombolas, e organizando a produção agrícola nacional com o objetivo de entregar alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos e transgênicos à população. Somente neste ano, foram realizadas cerca de 60 ações, incluindo 28 ocupações de áreas consideradas improdutivas.
Assim como o Brasil, a Colômbia é um dos países com maior concentração de terras da região. Levantamentos independentes apontam que 5% da população colombiana detêm 87% das terras.
Os dados do último Censo Nacional Agropecuário da Colômbia indicam que de 113 milhões de hectares cultiváveis no país, cerca de 75% das unidades de produção possuem menos de 5 hectares e representam 2,1% da área coberta pelo censo. Já as propriedades com mais de 500 hectares representam 0,4% das unidades e correspondem a 41,1% do território.
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A disputa pelo território foi o que originou o conflito armado que já duras 58 anos. Para defender as terras em que viviam e tiravam seu sustento, os pequenos agricultores colombianos passaram a se organizar em ligas camponesas, que deram origem às duas maiores guerrilhas do país: Força Armada Revolucionária da Colômbia - Exército do Povo (FARC-EP) e Exército de Libertação Nacional (ELN).
Uma das principais propostas do novo governo é a realização de uma reforma agrária integral, como previsto nos Acordos de Paz, assinados em 2016 entre o então presidente Juan Manuel Santos e a extinta guerrilha FARC-EP. Foi acordado que 7 milhões de hectares que deveriam ser concedidos à ex-guerrilha colombiana, o que até hoje não aconteceu.
A proposta do Pacto Histórico, grupo sob o qual Gustavo Petro foi eleito, é assegurar o que foi acordado com a antiga FARC-EP e avançar na concessão de terras e demarcação de terras indígenas e quilombolas. "Se conseguirem realizar a reforma agrária nesse contexto, será uma grande referência para nós realizarmos a reforma agrária no Brasil", defende Messilene Gorete.
Na conversa com o MST, Francia Márquez demonstrou interesse em aprender sobre a experiência local para levar exemplos à Colômbia e reiterou que a reforma agrária é uma prioridade para o seu governo,
"Escutar isso de uma vice-presidenta, sabendo o que isso significa para a Colômbia e para nós, que somos um movimento que tem na luta pela reforma agrária sua bandeira central, isso nos inspira a pressionar o governo brasileiro a encarar essa pauta como prioridade, pois é uma grande necessidade. Só haverá justiça e igualdade no Brasil se houver uma verdadeira reforma agrária", diz Messilene Gorete.
Através do cooperativismo e projetos baseados na economia solidária, o MST tornou-se o maior produtor de arroz agroecológico da América Latina, com uma produção anual de mais de 3 mil hectares e 15 mil toneladas de arroz. Em todo o país, o MST criou 160 cooperativas, 120 agroindústrias e 1900 associações.
Por isso, um dos pontos acordados com a vice-presidenta colombiana foi o intercâmbio sobre produção agroecológica no âmbito da formação política e técnica. Isso ocorrerá no âmbito da potencialização da produção de arroz, baseado na experiência do MST. "A partir da Escola Florestan Fernandes queremos ajudá-los a construir escolas de agroecologia na Colômbia", afirmou Messilene.
:: Que caminhos a integração de uma nova onda de progressismo na América Latina pode tomar? ::
Para a ex-coordenadora da Brigada Internacionalista Apolônio de Carvalho, a posse de um governo de esquerda na Colômbia e a possibilidade de vitória de Lula da Silva no Brasil marcam um novo momento para a América Latina.
"Podemos pensar num novo ciclo de governos progressistas que apostam na integração latino-americana a partir de mecanismos de trabalho conjunto como a Unasul, o Mercosul e a Alba. Será com certeza um novo capítulo da história da América Latina e um capítulo que estará a favor dos povos", conclui a dirigente sem-terra.
Edição: Arturo Hartmann