O brasileiro já se acostumou a ouvir falar das bancadas da bala, do boi e da Bíblia, formadas por parlamentares que representam, respectivamente, os interesses das fabricantes de armas, do agronegócio e das igrejas evangélicas. Já ouviu falar também de parlamentares que representam interesses de outros segmentos da sociedade, mas um movimento formado por ex-gestores de universidades e institutos federais e professores de todos os níveis tentará em outubro formar uma nova bancada forte, a da educação, que eles consideram que não possui representação no Congresso proporcional ao papel da área na sociedade.
Com mais de 100 pré-candidatos já anunciados, o movimento tem como uma de suas principais bandeira garantir o financiamento adequado de todos os níveis de educação, o que passa pela defesa da extinção do chamado teto de gastos, que limita investimentos e tem levado o governo federal a promover constantes cortes no orçamento do Ministério da Educação (MEC).
A iniciativa foi idealizada e tem como um de seus coordenadores o professor Edward Madureira, candidato a deputado federal pelo PT, que foi reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e presidiu até o ano passado a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Edward conta que começou a construir a ideia de uma bancada em conversas com o professor Jerônimo Rodrigues, que foi reitor do Instituto Federal de Goiás e presidiu até 2019 o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif).
“Nós dois terminamos os mandatos de uma maneira mais ou menos próxima. E a gente, diante de toda essa situação que as nossas instituições passam, não só as nossas instituições, mas a educação como um todo, a gente sentiu muito na pele a restrição orçamentária, os ataques à autonomia, com tentativas de desqualificação. A gente sempre buscou interlocutores no Congresso para nos ajudar nesse enfrentamento, porque estamos diante de um governo muito negacionista, com o objetivo muito deliberado de destruir instituições no País, e a gente encontrava alguns desses interlocutores, mas em um número muito menor do que o que representa, não só as instituições federais, mas a educação como um todo. A gente busca no Congresso Nacional e tem lá uma meia dúzia, um pouco mais, de interlocutores”, pondera.
O ex-presidente da Andifes pontua que os dois então passaram a discutir se outros ex-gestores de instituições de ensino topariam assumir o desafio de concorrer. Ele próprio já tinha tentado uma vaga na Câmara em 2014. Fez quase 59 mil votos, o 23º mais votado em Goiás — o estado elege 17 deputados federais.
“Conversando com os outros colegas, a gente viu que tinha mais gente. Aí eu falei: ‘bom, a gente precisa também saber se a academia, os líderes da educação que não têm pretensão de serem candidatos, se eles também entendem que essa movimentação é positiva. Para nossa alegria, as principais lideranças científicas do país e educacionais também já tinham até tido algumas iniciativas nesse sentido e acharam uma ideia fantástica”, conta.
A partir dessas conversas, foram realizadas lives envolvendo personalidades de todo o país e pré-candidatos, o que resultou na divulgação de um manifesto na última terça-feira (26). “A gente começou a estimular pessoas no país a se colocarem como pré-candidatos neste momento. Para nossa alegria, estamos chegando a 120 pré-candidatos no Brasil inteiro a deputados estaduais, deputado federais, senadores, temos uma grande candidata a governadora. Enfim, pessoas ligadas à educação se apresentando para construir bancadas da educação, tanto nas assembleias legislativas, quanto na Câmara e no Senado”, diz Edward.
O manifesto do movimento estabelece 12 pontos prioritários a serem defendidos por eventuais membros da bancada, são eles:
1) Autonomia Universitária;
2) Revogação da Emenda Constitucional 95 (Teto de Gastos);
3) Recomposição integral do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e a recuperação do Fundo Social do pré-sal com destinação para Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação;
4) Retorno das Conferências Nacionais de Educação (CONAEs) e de Ciência, Tecnologia e Inovação;
5) Defesa e o resgate do Plano Nacional de Educação (PNE), à luz das deliberações das CONAEs de 2010 e 2014, e da Conferência Nacional Popular de Educação (CONAPE 2018), com a flexibilização da LRF;
6) Valorização dos profissionais da educação e, de forma especial, garantia de planos de carreira e remuneração atrativa e justa para os profissionais da educação básica;
7) Promoção e a expansão da oferta de educação técnico-profissional integrada ao Ensino Médio e fortalecimento dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia;
8) Atenção e apoio às universidades e centros de pesquisa por meio do fomento a projetos cooperativos em redes e infraestruturas científicas;
9) Recuperação institucional e fortalecimento da Capes, CNPq e Finep;
10) Retomada e fortalecimento do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação a partir das políticas do Estado e das prioridades nacionais de interesse público;
11) Destinação de recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) para plataforma pública e internet de alta velocidade com acesso gratuito aos profissionais da educação e estudantes;
12) Reconhecimento, valorização, articulação e ampliação da rede de instituições de educação, ciência e tecnologia do país: universidades e institutos federais, universidades estaduais e municipais, institutos de pesquisa federais e estaduais e outros para que contribuam para o desenvolvimento harmônico do país e para a redução das assimetrias regionais.
No dia deu seu lançamento, o documento já havia sido assassinado por mais de 100 pessoas, envolvendo parlamentares em exercício e pré-candidatos vinculados à educação para os cargos de governador — Giselle Marques (PT), em Mato Grosso do Sul –, a vice-governador — Olgamir Amancia Ferreira (PCdoB), no Distrito Federal –, senador (7), deputado federal (44), deputado estadual (49) e a deputado distrital (3).
Entre os nomes de expressão nacional ligados à educação que disputarão as eleições está o ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Ricardo Galvão (Rede), que é pré-candidato a deputado federal por São Paulo. Fazem parte do movimento pré-candidatos de PT, PSOL, PCdoB, PDT, PSB, Rede, PV, Cidadania, PROS e União Brasil.
No Rio Grande do Sul, um dos principais articuladores do movimento é o ex-reitor da Universidade Federal de Santa Maria, Paulo Burmann, que fez parte da direção da Andifes comandada pelo professor Edward Madureira. “Nós todos, sendo egressos desse espaço de gestão educacional, conhecemos de perto a realidade, a dura realidade, as dificuldades de se movimentar no ministério, nos gabinetes em Brasília, sem ter uma representação totalmente comprometida com a educação. Então, isso é o espírito central, trabalhar com essa perspectiva de ter uma bancada que represente os interesses, sendo conhecedora da área”, afirma.
Além de Burmann e das atuais parlamentares Maria do Rosário (PT) e Sofia Cavedon (PT), ambas ex-professoras, entre os postulantes à bancada da educação pelo Rio Grande do Sul estão Claudia Schiedeck (PT), ex-reitora do Instituto Federal do RS; Émerson da Costa (PSOL), presidente da Associação Brasileira de Incentivo à Ciência (Abric); e Helenir Aguiar Schurer (PT), presidente do Cpers. Burmann, pelo PDT, Schiedeck e Costa são pré-candidatos a deputado federal, enquanto Helenir tentará uma vaga na Assembleia Legislativa.
O ex-reitor da UFSM diz que tem conversado com muitas pessoas e percebido que há compreensão da necessidade de aumentar a força da representação da educação nos parlamentos brasileiros. “Na verdade, todos os parlamentares que se colocam em defesa do interesse do País, do interesse da coletividade, do interesse da população, deveriam ter a educação como centro desse processo, porque nós temos uma crença muito forte e segura de que a saída para o País é através da educação e da ciência. Não há país do mundo que tenha emergido da sua condição de subdesenvolvimento que não tenha sido a partir de investimentos pesados na educação, na ciência e na inovação. Isso é muito claro para todos nós e a população entende isso, especialmente nesse momento que nós estamos vivendo uma crise na educação, que o Darcy Ribeiro já dizia que não é uma crise, é um projeto de desmonte”, diz.
O professor avalia que a comunidade educacional e a população estão vendo na prática os efeitos do desmonte. “A população sente a dificuldade de colocar o seu filho em uma escola de qualidade, de colocar o seu filho numa universidade e de lá ele se manter, sente a dificuldade de não ter uma assistência estudantil adequada nas universidades por conta da falta de recursos que é recorrente”, diz.
Em maio passado, o governo federal anunciou um corte de R$ 3,2 bilhões no orçamento para despesas e investimento do Ministério da Educação, o que representava uma perda de R$ 1 bilhão somente para os orçamentos das universidades e institutos federais. Posteriormente, em junho, reduziu para R$ 1,6 bilhão o corte no orçamento do MEC.
Burmann pontua que assumiu a reitoria da UFSM em 2014 e, em setembro daquele ano, já teve um corte orçamentário de 34%, com os cortes se aprofundando desde então. Ele pontua que uma das propostas já consensuadas entre os postulantes a fazerem parte da bancada é de que os orçamentos para a educação devem ser imunes a cortes ao longo dos anos, para que os recursos da área não sejam apenas “fundos de papel”. Além disso, obviamente, trabalharão pela ampliação do financiamento para a educação básica, técnica e tecnológica, superior, da pós-graduação e da pesquisa. “É uma oportunidade de emancipação das pessoas através da educação e a soberania nacional, geração de conhecimento e tecnologia própria para o país, o que vem sendo totalmente desmontado”, diz.
O ex-reitor destaca ainda que a pauta do financiamento das universidades não trata apenas de educação, uma vez que as instituições federais de ensino têm papel fundamental no desenvolvimento de algumas cidades, especialmente nas distantes dos grandes centros, como é o caso de Santa Maria.
“Veja que, aqui, além do processo de formação de profissionais, da geração de conhecimento, nós criamos uma agência de inovação e transferência de tecnologia para a fixação dos talentos gerados na universidade na região, para que possam promover trabalho, renda e oportunidade para milhares de jovens. Nós já temos 45 empresas incubadas no espaço da universidade. Para uma região como a nossa, isso é um impacto muito forte”, afirma.
Leia o manifestado apresenta na última terça-feira neste link.