Transgênicos

Trigo transgênico já foi aprovado em 7 países em contexto de demanda mundial por alimentos

O mercado mundial abre as portas para o trigo HB4, enquanto ambientalistas alertam sobre os perigos da tecnologia

Brasil de Fato | Buenos Aires (Argentina) |

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O trigo HB4, modificado geneticamente, foi cultivado em mais de 50 mil hectares na Argentina - Marcelo Manera/AFP

O primeiro trigo transgênico aprovado para comercialização no mundo, o trigo HB4, tem avançado com o sinal verde para importação em diversos países neste ano, chegando este a ser considerado "o ano do trigo HB4". Em uma lista crescente de aprovações desde março, que já inclui Colômbia, Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália, além da própria Argentina e do Brasil, a mais recente aprovação veio da Nigéria, há duas semanas. O que esperar, então, do avanço dessa novidade transgênica? 

Por parte da Bioceres, empresa responsável por vender a tecnologia e que anuncia as aprovações como boa notícia, trata-se de um cultivo com potencial em climas adversos, já que foi arquitetado para resistir à seca. Em termos econômicos, promete atacar mais pragas com um herbicida, o glufosinato de amônio. Em princípio, o custo para produzi-lo soa mais atraente em relação aos cultivos tradicionais.

Por outro lado, as organizações ambientalistas e especialistas no tema alertam para a alta toxicidade do glufosinato de amônio, da afetação dos solos e da água e da contaminação de variedades não transgênicas por polinização cruzada, vento e outras vias, segundo demonstram estudos. Isso eliminaria as muitas variedades da planta em campos de trigo convencional (ou seja, não transgênico).

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Também entra na equação a rejeição dos consumidores aos alimentos transgênicos que incluem em seu pacote tecnológico a aplicação de agrotóxicos. No entanto, apesar do obstáculo comercial e da rejeição inclusive de alguns setores da cadeia produtiva, como os moinhos brasileiros e produtores argentinos, o projeto avançou sem muitos empecilhos.

Na Argentina, como um empreendimento público-privado, o trigo HB4 foi desenvolvido pela equipe da cientista Raquel Chan na Universidade do Litoral, em Buenos Aires, em conjunto com a empresa de biotecnologia Bioceres e financiamento do Estado.

Com um investimento de anos para o desenvolvimento da tecnologia HB4 a partir de um gene do girassol – que, aplicado a outras plantas, confere características diferentes de produção e resistência –, a aposta pelo seu êxito parte, principalmente, e de maneira definitiva, do próprio Estado argentino.

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"Observando o processo, é evidente que o estado argentino é quem realiza o lobby do HB4 e garante o mercado para que se possa comercializá-lo", opina a doutora em Ciências Sociais Carla Poth, pesquisadora sobre biossegurança e ativista ambiental. "Existe uma aposta muito grande da Argentina para, em 10 ou 15 anos, desenvolver transgênicos, com muito investimento no sistema científico-tecnológico e associado a empresas; neste caso, a Bioceres."

Com as aprovações aceleradas e o interesse direto do Estado nesse ritmo, é possível que o trigo HB4 prospere nos campos argentino e, dali, para exportação mundo afora, em forma de farinha. Mas há um movimento contrário. Além da oposição de uma parte de produtores da cadeia do trigo, os ambientalistas, cientistas e especialistas relacionados ao assunto têm levado adiante uma batalha para frear o primeiro trigo transgênico do mundo.

Decisão judicial proíbe cultivo do trigo transgênico em Buenos Aires

Recentemente, uma medida cautelar proibiu o cultivo do trigo HB4 a céu aberto em Buenos Aires, província que representa 43,78% da superfície cultivada de trigo no país. A decisão do tribunal de Mar del Plata foi recebida como uma conquista pelos movimentos ambientalistas.

Sendo o HB4 uma aposta do governo nacional, sufocado pela busca de divisas diante da dívida bilionária em dólares com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o governo da província apresentou uma apelação nesta semana.

"Eu posso produzir sem nenhum tipo de agrotóxico ou fertilizante, mas se o vizinho cultiva um trigo fumigado com glufosinato, contamina outros territórios pelo vento", afirma Gabriel Arisnabarreta, produtor de leite agroecológico em Saladillo, no centro da província de Buenos Aires, e pleiteador da causa que levou à medida cautelar. "De alguma maneira, o cultivo transgênico atenta contra nossa liberdade de produzir de outra maneira. Nos condiciona."

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Arisnabarreta reconhece que a batalha não se limita ao trigo HB4. Outros importantes cultivos argentinos já são quase totalmente transgênicos, como o milho e a soja. O alerta com o trigo é que, até então, não integrava esta seara tecnológica. "É uma forma de dizer 'basta'. Com o trigo, não", defende.

Apesar de ser apenas uma província – e de que a medida cautelar ainda precise passar pelo veredito após a apelação –, a decisão favorável à proibição do trigo HB4 para cultivo em Buenos Aires é significativo. É nessa zona de pampa úmida, muito favorável para a planta do trigo, que também se concentra a maior parte do cultivo do trigo HB4: dos 52,959 mil hectares de plantação do trigo HB4 no país, 47,4% estão localizados em campos bonaerenses.

Os cultivos de ensaio também incluem zonas não próprias para o trigo, como zonas áridas ou semiáridas, justamente pela mudança genética na planta que faz com que seja resistente à seca. O norte do país, região não trigueira, concentra 19% dos territórios cultivados com o trigo transgênico.

Cenário mundial

O mercado do trigo HB4 tem se ampliado a um ritmo acelerado desde a aprovação condicionada pelo Brasil, principal comprador do país vizinho, em novembro do ano passado. A demanda pelo cereal mais consumido pela população ocidental aumentou especialmente após a guerra desatada entre Rússia e Ucrânia. Juntos, ambos os países representam 27% da oferta mundial de trigo, segundo a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad).

Na última sexta-feira, um acordo assinado indiretamente entre a Rússia e a Ucrânia pode destravar os grãos parados em portos ucranianos desde fevereiro, no início da guerra. No dia seguinte, o porto de Odessa, na Ucrânia, foi bombardeado. Ainda assim, o acordo pode prosperar, e foi bem recebido pela comunidade internacional, já que representaria um alívio nos preços em um mundo com demandas crescentes de alimentos – como o trigo.

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Além dos alertas de uma possível crise alimentar global, em tempos de aprofundamento dos efeitos da mudança climática, um trigo resistente à seca consiste em um atrativo adicional a países que tinham na Rússia e Ucrânia seus principais fornecedores de trigo. É o caso da Nigéria, sexto país mais populoso do mundo e que demanda cerca de 5 milhões de toneladas de trigo por ano para consumo.

Antes da Nigéria, o aval ao trigo HB4 veio por parte da Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA), um dos órgão reguladores dos Estados Unidos responsáveis pela avaliação de organismos transgênicos no país. O órgão concluiu que não havia ressalvas em relação à biossegurança da tecnologia, e não solicitou revisões ou estudos adicionais.

Há um requerimento de estudos de impacto e suspensão do trigo HB4 em nível nacional; mas o caso está em processo, com a apelação do governo nacional. No caso da província de Buenos Aires, a medida cautelar pôde avançar com o que se considera um vazio legal: a própria legislação provincial exige a formação de uma Comissão Provincial sobre Biotecnologia e Biossegurança Agropecuária para eventos transgênicos, como é o caso do HB4. A lei, que consta de 2002, nunca foi regulamentada.

Os requerentes contra o HB4 também apelam para o cumprimento do Acordo de Escazú, ao qual a Argentina adere, em relação à proteção ambiental e à saúde humana.

O desenrolar do caso na província de Buenos Aires virá após o período de recesso forense, que termina nesta sexta-feira (29). Os pleiteadores da causa, assim como os cientistas e ativistas ambientais que se opõem ao HB4 em geral, sabem estar enfrentando grupos poderosos que apostam no transgênico.

Foram solicitados comentários à empresa Bioceres e ao Ministério da Agricultura da Argentina, mas não foram atendidos até o fechamento desta matéria.

Edição: Arturo Hartmann