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Entenda a ligação entre racismo e pena de morte nos EUA

Estados Unidos vê o seu corredor da morte seguir os passos da escravidão e do racismo

Brasil de Fato | Los Angeles (EUA) |
Câmara de execução em uma prisão da Flórida - Governo da Flórida / Wikimedia Commons

Justiça e vingança se encontram no corredor da morte nos Estados Unidos, o único país ocidental a manter — e aplicar — a pena capital. De acordo com dados da organização Death Penalty Information Center, atualmente há cerca de 2,4 mil indivíduos sentenciados à execução no país, e o estadunidense Ramiro Gonzales, de 39 anos, era um deles até duas semanas atrás. 

Preso desde os 18 anos, quando assassinou uma jovem da mesma idade, Gonzales foi condenado à morte no Texas por um profissional que garantiu que ele não poderia mais viver em sociedade. Seu caso voltou aos tribunais depois que o mesmo especialista que o sentenciou há mais de duas décadas mudou de opinião às vésperas de sua execução, que foi adiada a pedido do acusado, que queria encontrar em vida um recipiente para o seu rim saudável. 

"Hoje é amplamente sabido que muitas pessoas condenadas à morte e executadas eram, na verdade, inocentes. Se esses indivíduos tivessem sido condenados à prisão perpétua, eles pelos menos teriam a chance de provar sua inocência e, com sorte, conquistado a liberdade em algum momento", diz ao Brasil de Fato o professor emérito da Faculdade de Direito de Ohio, Joshua Dressler. 

Esse não é o único argumento para acabar com a pena de morte nos Estados Unidos, que tem um sistema complexo neste sentido. Embora a prática seja autorizada pela Suprema Corte em nível federal, a pena capital é proibida em 23 estados e no Distrito de Columbia. Mesmo nas jurisdições que autorizam a pena de morte, as execuções são raras: 13 desses estados não realizam uma execução há pelo menos uma década ou mais. Isso inclui três estados — Califórnia, Oregon e Pensilvânia — onde os governadores impuseram moratórias formais às execuções. Ainda assim, 11 pessoas condenadas à morte foram executadas apenas em 2021, mostrando que esse debate está longe de ter um fim.

Insuflado por conservadores, o discurso favorável à pena de morte parece agradar boa parte dos estadunidenses: seis em cada dez cidadãos nos EUA apoiam a pena capital, segundo uma pesquisa da Pew Research publicada no ano passado.

Apesar da aprovação popular, a distribuição geográfica da sentença é, no mínimo curiosa: ela segue o rastro do racismo. "Se você olhar o mapa do país e pintar as partes em que a pena de morte é aplicada, vai perceber rapidamente que é basicamente o mesmo mapa da escravidão americana", conta Kirchmeier.

Não chega a causar estranhamento, portanto, a disparidade racial daqueles que são, de fato, executados pelo Estado. "Há um número desproporcional de pessoas que são executadas ou condenadas à execução por serem elas próprias negras ou latinas. Ou simplesmente porque mataram um branco. Se você matar a pessoa 'errada', você está muito mais propenso a ser sentenciado à morte. Então continua a havendo grandes problemas de discriminação em nosso sistema", acrescenta Dressler. 

Todos os especialistas contatados pela reportagem do Brasil de Fato concordam que não há nenhuma pesquisa que comprove que a pena de morte seja eficaz para prevenir crimes violentos — outro argumento usado por aqueles que defendem a prática. "O medo ou até a ameaça de que, se você cometer um assassinato, será executado não o impede de cometer o crime em si. Vários estudos foram feitos neste sentido, e todos eles apontam para isso: a pena de morte não é um mecanismo que evita assassinatos", alega Dressler.

No país mais capitalista do mundo, até a morte vira uma questão monetária. Na crença popular, é mais barato matar um indivíduo problemático do que mantê-lo em prisão perpétua. Num primeiro momento esse argumento poderia ser válido para quem ama o dinheiro mais que a vida, mas ele tampouco se sustenta, e há números para isso.

"Um estudo feito aqui na Califórnia mostrou que para levar alguém à morte custa US$ 200 milhões por ano. Esse gasto é o resultado de uma soma de honorários de advogados, custos de encarceramento, recursos e outros", explica o defensor público Guy Iversen, "na década em que esse estudo estava sendo feito, a Califórnia gastou US$ 2 bilhões e não condenou um indivíduo sequer à morte". 

Quando derrubamos por terra os argumentos financeiros, há sempre quem invoque a Bíblia ou a ética — "e eu fico particularmente satisfeito quando trazem isso à tona", comemora o defensor.

Sem praticar nenhuma religiosidade, Iversen investiu seu tempo em estudar a Bíblia para melhor compreender a argumentação de quem adota outra postura em relação à pena capital. "Em Deuteronômio, a Bíblia diz sobre 'olho por olho', mas se você realmente ler o que essa cláusula indica não é 'se você matar alguém, você pega a pena de morte'. O que essa cláusula realmente quer dizer é que, quando você presta falso testemunho, você deve receber a mesma penalidade que a pessoa contra a qual você prestou falso testemunho receberia", e finaliza, "Jesus foi falsamente executado pelo Estado  quantas justificativas um cristão evangélico precisa para não apoiar a pena de morte?".

Por fim, há quem faça da nossa natureza falha a principal bandeira para tentar acabar com a pena capital no país. Lembrando que, para ser condenado à morte, nos Estados Unidos, um assassino tem que ser avaliado por um profissional, e esse indivíduo tem o poder de dizer se esse criminoso tem condições de ser reinserido em sociedade ou não. 

"Há um especialista em questão que ficou conhecido como Dr. Morte, e ele ia de estado em estado, em diversos casos, sempre com a mesma sentença: essas pessoas devem morrer", confirma Dressler, "vai sempre haver especialistas favoráveis à pena de morte, cujo julgamento será enviesado". 

Edição: Thales Schmidt