Em um evento que confirmou o seu nome como candidato à reeleição pelo PL neste domingo (24), no Rio de Janeiro (RJ), o presidente Jair Bolsonaro (PL) deu a senha do que pode estar por vir nos próximos capítulos da disputa eleitoral no país. O ex-capitão, que foi o centro das atenções na convenção nacional da sigla, fez novas bravatas em ataques ao Poder Judiciário e convocou a base bolsonarista a se engajar nos atos do próximo 7 de Setembro.
"Esses poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo. Têm que entender que quem faz as leis é o Poder Executivo e o Legislativo. Todos têm que jogar dentro das quatro linhas da Constituição. Interessa para todos nós. Não queremos o Brasil dominado por outra potência, e temos outras poucas potências de olho no Brasil”, disse, ao se referir aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Nós somos maioria, nós somos do bem, nós temos liberdade para lutar pela nossa pátria. Convoco todos vocês agora para que todo mundo, no 7 de Setembro, vá às ruas pela última vez", esbravejou, convocando os apoiadores para os protestos na data, que, pelo andar da carruagem, tendem a reeditar o ato ocorrido no ano passado, quando os discursos antidemocráticos também deram o tom de condução das massas bolsonaristas.
Para Paulo Niccoli Ramirez, professor de Filosofia e Política da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e da Fundação Escola de Sociologia de São Paulo (FESPSP), o discurso sinaliza que o presidente seguirá atacando “todos aqueles que possam tirá-lo do poder”, sejam as urnas eletrônicas, os governadores ou o STF, entre outros personagens com os quais o ex-capitão tem vivido embates ao longo dos últimos anos.
“Isso vai mostrando pra gente que, como o Bolsonaro convoca seus apoiadores a marcharem no 7 de Setembro, ele joga mais lenha na fogueira com o objetivo de criar instabilidade à democracia. Ele tenta não só atacar as instituições que, de forma civilizada, conseguem limitar o poder dele, como também quer destruí-las. E como destruí-las? A partir de alusões ao golpe de 64”, analisa.
Mulheres
Também teve realce no evento a tentativa do presidente e de lideranças do PL de evidenciarem a participação de Michelle Bolsonaro, a primeira-dama, na convenção. Ela subiu ao palco ao lado dele e foi a primeira a discursar logo após o ex-capitão ensaiar algumas poucas palavras e mencionar uma passagem bíblica em alusão à “mulher virtuosa”.
Michelle mencionou o que chamou de “projeto de libertação da nação” em uma fala marcada por diferentes menções a elementos religiosos e também por uma referência à facada que atingiu Bolsonaro em 2018. “Quando eu cheguei na Santa Casa e vi meu marido na maca, eu olhei para o teto do hospital e falei ‘o Senhor tem controle de todas as coisas’. Essa nação é rica, é próspera. Ela só foi mal administrada. Deus ama essa nação.”
O destaque dado a Michelle vem no momento em que o presidente tenta atrair o eleitorado feminino, segmento em que ele é preterido pela maioria, segundo têm apontado os levantamentos de opinião. Pesquisa Datafolha de um mês atrás mostrou, por exemplo, que o atual chefe do Executivo perde para o ex-presidente Lula (PT) no grupo das eleitoras mulheres em todas as faixas salariais analisadas em termos de intenção de voto.
Já no que se refere à rejeição propriamente dita, entre aquelas com renda de até dois salários, Lula é repelido por 25%, enquanto Bolsonaro o é por 60% do grupo. No segmento das que recebem entre dois e cinco salários, o petista tem 37% de rejeição, e o ex-capitão, 56%. Por fim, no segmento das mulheres com mais de cinco salários, Bolsonaro mantém os 56%, enquanto o ex-presidente conta com 41% de rejeição.
“A fala da Michele é uma tentativa de atrair especificamente o eleitorado feminino conservador, mesmo porque ela indicou dois elementos fundamentais. Primeiro, o aspecto religioso, dizendo que, mais do que uma luta política, é uma luta pela ‘libertação’. Ela afirmou que o Brasil pertence a Deus e, num outro aspecto, ela tenta atrair o eleitorado feminino, que, querendo ou não, foi muito atacado pelo governo Bolsonaro nos últimos quatro anos”, observa o professor Ramirez.
O pesquisador realça ainda que, apesar das diferentes menções às mulheres, o tipo de discurso de Michelle e Bolsonaro não abarca questões como os direitos do segmento. “Em nenhum momento se falou nisso, se falou em ascensão das mulheres ao mercado de trabalho, nas mulheres negras, o segmento que talvez seja o que mais sofre [com a desigualdade], por exemplo. Mais do que uma convenção política, a presença da Michelle transformou o evento num ritual religioso de quinta categoria.”
Vice
O encontro também marcou a confirmação do nome do general Braga Netto como candidato a vice na chapa encabeçada por Bolsonaro. A presença do militar, o mesmo que respondeu pela intervenção federal no Rio de Janeiro em 2018, na chapa formaliza a intenção dos bolsonaristas de garantirem espaço político para as Forças Armadas em um eventual segundo mandato do ex-capitão.
O professor Paulo Ramirez observa que a escolha de Braga Netto também reduz as chances de costuras com outros grupos políticos por parte de Bolsonaro. “Geralmente, a escolha de um vice é um aceno de um presidenciável com outras facetas, como é o caso do Lula, que estendeu a mão ao Alckmin, o que mostra um direcionamento ou uma busca de votos junto à centro-direita, por exemplo. No caso do Bolsonaro, estamos vendo que isso não vai acontecer.”
Pastores evangélicos mais radicais e militares que defendem algum tipo de ruptura institucional são os grupos que evidenciam e resumem basicamente a corrente de apoio ao ex-capitão neste momento. “E o Braga Netto representa exatamente os militares que vão por esse caminho”, registra Ramirez.
Edição: Cris Rodrigues