Após novas investidas autoritárias contra o Poder Judiciário no início do calendário político nesta e na última semana, o presidente Jair Bolsonaro (PL) indicou que 2022 tende a ser um ano de continuidade da crise institucional — por ele instaurada e permanentemente estimulada.
Os diferentes fatos que se sucederam recentemente ajudam a embasar a projeção. Teve grande saliência também, por exemplo, a recusa do ex-capitão em depor à Polícia Federal (PF), no último dia 28, no inquérito que apura o vazamento de documentos sigilosos de outra investigação, esta relacionada a um ataque hacker ao TSE.
Para especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, o ano exigirá uma atuação mais firme por parte dos personagens que estão na órbita dos ataques do ex-capitão, especialmente por conta da proximidade com o período eleitoral. Independentemente de como o Judiciário traçará sua rota até lá, a atual fase da crise institucional e seus próximos capítulos podem assumir uma relevância histórica.
“Este é um ano de teste muito forte sobre qual vai ser a redefinição de papel de poder que o Judiciário vai prestar, se ele vai conseguir segurar o próprio funcionamento institucional das eleições pra fazer essa transição de poder e se ele vai chegar inteiro ao outro lado”, aponta a pesquisadora e advogada Élida Lauris, integrante da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.
Para o advogado Luciano Santos, especialista em direito eleitoral e um dos integrantes do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) não forem muito “contundentes” diante da situação, “isso pode levar a um rompimento dos limites de acordo com o resultado das eleições”.
“Acho que a gente tem aí uma temeridade muito grande e precisa de uma atuação mais dura. O Judiciário não pode fazer o jogo de tentativa de ir até o limite pra evitar um rompimento ou algum problema, inclusive com a tripartição dos Poderes. Nós passamos desses limites, então, eles precisam tomar providências”, avalia Santos.
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Resgate
Ao se recusar a depor à PF no último dia 28, o presidente descumpriu uma ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, que o havia intimado para prestar esclarecimentos.
“A nação deve acompanhar com o máximo de atenção o desenrolar da nova crise institucional criada por Bolsonaro, que decidiu confrontar, de forma irresponsável e autoritária, uma decisão do STF”, disse o presidenciável Ciro Gomes (PDT) na ocasião, ao dar a senha da gravidade do pode estar por vir.
A nação deve acompanhar com o máximo de atenção o desenrolar da nova crise institucional criada por Bolsonaro que decidiu confrontar, de forma irresponsável e autoritária, uma decisão do STF.
— Ciro Gomes (@cirogomes) January 28, 2022
A acidez da relação entre o chefe do Executivo e o Judiciário foi garantida também por outros fatos das últimas semanas. Na quarta (9), em visita ao Rio Grande do Norte, Bolsonaro revigorou o tom de críticas e teceu ataques indiretos ao Supremo.
“Não prendi deputado, não desmonetizei página de ninguém”, disse, ao mencionar ações da Corte que macularam interesses da órbita bolsonarista, incluindo a asfixia financeira de sites que promovem fake news.
A desinformação, inclusive, tem sido uma das armas do presidente contra as instituições e o sistema eleitoral adotado no Brasil, ambos constantemente alvejados pela horda que apoia o ocupante do Planalto.
O ataque proferido no Nordeste veio após uma reunião na segunda (7), quando Bolsonaro recebeu visita protocolar de Moraes e do ministro Edson Fachin para selar o convite para a posse dos dois no TSE, onde este último assumirá a presidência enquanto o outro será vice. A solenidade ocorre no próximo dia 22.
“Foi protocolar porque há um hábito de o Judiciário convidar os chefes de Poder pras cerimônias. Isso é comum. Agora, o comum mesmo seria que houvesse uma boa convivência entre os Poderes, mas, aparentemente, há um mal-estar do Bolsonaro com Moraes. Com o Fachin, minha avaliação é de que há um teatro”, registra o cientista político Pablo Holmes.
Membro do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB) e da Pós-graduação em Direito da instituição, o professor se refere ao fato de Moraes ser o relator do inquérito das fake news, que atinge o presidente.
Também se liga ao fato de Fachin, em março de 2021, ter declarado a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, a mesma do ex-juiz Sérgio Moro, para julgar processos do ex-presidente Lula, o que o levou à liberdade e ao atual status de forte concorrente em outubro.
Assim como Dilma, a mesma que indicou Fachin à Corte, o ex-metalúrgico pertence ao PT, legenda que povoa os piores pesadelos de Bolsonaro.
Barroso
De saída da presidência do TSE, o ministro do STF Luís Roberto Barroso é motivo mais forte de desafeto do chefe do Executivo, pois protagonizou variados e simbólicos embates com Bolsonaro durante o mandato. Pablo Holmes, por entanto, duvida que a estratégia do chefe do Executivo seja focada em combater nomes específicos.
“Bolsonaro tem uma tática permanente de externalizar culpas e produzir inimigos que representam o sistema político, o establishment contra a sua vontade de fazer tudo diferente. Então, o STF é o inimigo favorito dele”, afirma, ao apontar que a lógica do bolsonarismo é duelar com as instituições, de modo geral.
Atenção
Élida Lauris observa que o comportamento do presidente em relação ao Judiciário foge à rota da postura pública que assume a maioria dos representantes da classe política.
“O Judiciário sempre passou despercebido. O que a extrema direita e a atuação do Bolsonaro trouxeram foi estabelecer uma espécie de teste à capacidade operacional do Judiciário de se amoldar ao poder e sobreviver como entidade de poder em qualquer circunstância política”, considera Lauris.
Diante do cenário em que o chefe do Executivo desafia as cortes com frequência, a pesquisadora reforça que a jornada do Judiciário ao longo deste ano tende a ser constantemente exigente diante dos eventuais sobressaltos que possam partir do ex-capitão.
“Não é à toa que Fux [presidente do STF] abriu o ano dizendo que espera tolerância. No fundo, a mensagem é de que ele espera condições de trabalho pra que o Judiciário não seja tão desafiado e possa se afirmar como um poder relevante que faça uma transição de poder”, interpreta a pesquisadora.
“Bolsonaro, no entanto, já tem anunciado — de maneira ambivalente, é claro — que não pretende deixar o Judiciário nesse lugar de estabilidade.”
Edição: Rodrigo Durão Coelho