Entrevista

André Janones: “Se Lula e Bolsonaro estiverem no 2º turno, estarei junto do ex-presidente Lula"

Ao Brasil de Fato, o pré-candidato também se posicionou contra a política de preços atual da Petrobras

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
André Janones ganhou destaque nacional durante a greve dos caminhoneiros, em maio de 2018, da qual foi um dos porta-vozes - Najara Araujo/Câmara dos Deputados

Defensor da revogação da atual política de preços da Petrobras e do teto de gastos. A favor da tributação em cima de grandes fortunas e de lucros e dividendos, da ampliação do sistema de cotas para pessoas negras e da reforma agrária. Contrário às políticas que incentivam grandes empresários do agronegócio.  

André Janones, pré-candidato à Presidência da República pelo Avante, ganhou destaque nacional, por meio das redes sociais, ao atuar como porta-voz de caminhoneiros autônomos que realizaram a greve da categoria em maio de 2018. Naquele mesmo ano, se candidatou à Câmara dos Deputados por Minas Gerais e foi eleito deputado federal com 178 mil votos: terceiro mais votado no estado, à frente de políticos tradicionais locais como Patrus Ananias (PT), Newton Cardoso Júnior (MDB) e Aécio Neves (PSDB). 

Hoje, o advogado aparece nas pesquisas de intenções de voto para presidente, frequentemente, atrás da senadora Simone Tebet (MDB-MS), com entre 2% e 3% das intenções. Ele chegou a empatar tecnicamente com João Doria, quando o ex-governador de São Paulo ainda estava na disputa.  

Filiado ao PT entre 2003 e 2012, Janones deixou o partido por considerá-lo internamente antidemocrático. Da mesma forma, acredita que Lula deveria se aposentar da política partidária, por considerá-lo ultrapassado. Em entrevista ao Brasil de Fato, afirmou, no entanto, que em um segundo turno entre o presidente Lula e Jair Bolsonaro (PL), ficará ao lado do petista. “Se Lula e Bolsonaro forem os candidatos, eu vou estar junto do ex-presidente Lula. Se for Ciro Gomes, eu vou apoiar Ciro Gomes. Se for Simone Tebet, eu vou apoiar Simone Tebet”, disse.  

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Confira a entrevista: 

O senhor defende a Petrobras nos moldes em que foi criada, levando em consideração a função social. Mas hoje, por um lado, o que se vê é uma empresa sucateada e, por outro lado, vendendo gasolina e diesel para a população a preços muito altos. O que o senhor defende para a Petrobras? 

O nosso objetivo é diminuir o custo final da produção. Nós temos hoje uma produção mais que suficiente para atender o 100% da demanda nacional. Por que a gente não faz? Porque as refinarias não têm condições de refinar o petróleo. As nossas refinarias são mais preparadas para o petróleo mais leve do que o nosso. Então como resolver isso?  

A medida de médio para longo prazo, que é o que vai resolver de fato o problema, é investir nas refinarias para que a gente tenha condições de fazer todo o refino em solo brasileiro. E aí não teria o custo da importação. Isso reduziria muito o preço, mas essa é uma medida que não dá para ser tomada da noite para o dia.  

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Então, no primeiro momento, o que a gente defende é a mudança da política de preços da Petrobras. A gente deixar de seguir a cotação internacional. E aí, como calcular esse preço? Fazer uma estimativa do preço total diluindo esse custo da importação. 

Se 80% do que é consumido a gente produz aqui e 20% vem de fora, não é justo que o todo siga o preço dos 20%. Fazer uma média de preço que contém o custo total da produção e uma taxa de lucros significa diluir o custo desses 20% que vem de fora nesse total. Não seria nem tão barato quanto se fosse tudo produzido aqui, mas nem tão caro como se tudo fosse produzido fora.  

O Brasil de Fato publicou uma reportagem sobre o desfinanciamento da Assistência Social nos últimos anos, o que tem impedido a efetivação total do Auxílio Brasil. Por exemplo, com poucos assistentes sociais no CRAS [Centro de Referência de Assistência Social] fica difícil dar vazão à demanda do auxílio. O senhor foi um dos defensores do Auxílio Brasil e de sua ampliação. Por que o aumento de investimentos e valorização dos CRAS, por exemplo, não entrou no escopo das discussões do Auxílio Brasil? E quais são as suas propostas para a Sistema Único de Assistência Social?  

A solução para gente conseguir dar efetividade a qualquer programa social passa exatamente por isso que você acabou de colocar. Uma das principais distorções que a gente tem no Auxílio Brasil, ao meu ver, é o fato de que, por exemplo, uma mãe que tem um filho recebe R$ 400 e uma mãe que tem 7 filhos vai receber também R$ 400. 

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A única maneira de fazer esse recurso chegar da maneira devida são os CRAS. E para isso a gente precisa fazer um investimento grande nessas estruturas que hoje, como você muito bem colocou, estão sucateadas. Se a gente discutir só a fonte do financiamento, sem fazer essa estruturação, não vamos conseguir fazer com que o recurso chegue da maneira adequada.  

Hoje o Auxílio Brasil é tido apenas como uma política de transferência de renda, sendo que proteção social é maior do que isso. Nesse sentido, o Bolsa Família cumpria o papel de proteção social melhor do que o Auxílio Brasil, devido às condicionalidades que foram extintas. O senhor concorda com isso

É uma falha do programa de não ter aquela coisa próxima, aquele cuidado, o conhecimento da realidade. Não vejo o Auxílio Brasil como um avanço do Bolsa Família. Pode até ter isso em relação a questão da entrega do dinheiro na mão da pessoa. Mas em termos de justiça social, foi um regresso. Prova é que teve muitos casos em um número muito maior do que em relação ao Bolsa Família de pessoas que precisavam e não receberam.

O Teto de Gastos é apontado por uma parte de candidatos como um empecilho ao desenvolvimento social. Por outra parte, como um limite necessário para manter a balança fiscal. Qual é a sua posição em relação ao Teto de Gastos? Mudaria algo no Teto de Gastos?   

O nosso projeto para o país na Presidência da República é acabar com o Teto de Gastos. Eu não consigo explicar para o eleitor brasileiro, por mais que você possa me dar todos os argumentos econômicos possíveis, como um país pode ter limitado o gasto com saúde e educação e não ter nenhum tipo de limitação para dar dinheiro na mão dos banqueiros.  

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Agora, como se mantém a responsabilidade fiscal derrubando o Teto de Gastos? Para mim, a gente precisa encontrar mecanismos e dar mais efetividade à Lei de Responsabilidade Fiscal. A gente já tem uma lei moderna capaz de desempenhar essa tarefa. Então é dar mais efetividade à lei de responsabilidade fiscal e a colocar como esse instrumento normativo para impedir os gastos estratosféricos sem responsabilidade.   

O senhor incluiria o IGF, Imposto sobre Grandes Fortunas? 

O IGF que a gente propõe seria uma alíquota de 0,5% acima do que ultrapassar R$ 20 milhões de patrimônio. Então, por exemplo, quem tem R$ 30 milhões vai pagar R$ 50 mil por mês de IGF.  

Mas tem um argumento que é sempre o mesmo: com a tributação, esses recursos vão para fora do país. Isso é mentira, porque se você pegar esses R$ 30 milhões e Tesouro Nacional, você vai ter de juro anual R$ 3 milhões por ano. Ou seja, o super rico que arrecada R$ 3 milhões por ano, sem trabalhar, vai pagar de imposto de R$ 50 mil. Então aqui continua sendo o paraíso para os super ricos.  

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Então, por isso a gente defende como uma das principais medidas de efetivação da reforma tributária, para viabilizar o pagamento do programa de renda mínima, o IGF, ao lado da taxação de lucros e dividendos, taxação de barcos e lanchas – esse último ponto, eu sei que não dá muito efeito em termos de arrecadação, mas tem um simbolismo muito grande – também o aumento no valor do ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural), que no nosso país é uma chacota, e a revisão dos benefícios fiscais concedidos, os subsídios. 

Vi que o senhor propõe a instalação das bancadas temáticas como uma solução para o orçamento secreto. Como seria isso? 

O que eu proponho é o fim do orçamento secreto. A emenda mais democrática a que eu tive acesso como deputado federal é aquela que vai para as bancadas. Por exemplo, para os temas mais votados pelos parlamentares de Minas Gerais, como hospitais, escolas e afins, é que vão ser encaminhadas as emendas, de forma transparente e coletiva. Por isso eu defendo que a gente possa destinar as emendas para as bancadas temáticas. Seria a maneira de fazer com que o recurso chegasse ao eleitor de maneira clara. 

O Brasil sempre país foi financiador do agronegócio que representa a monocultura e a exportação de comodities a um custo muito alto para o meio ambiente e as populações tradicionais, enquanto reforma agraria ficou para trás. Onde o senhor se posiciona nesse debate?  

No nosso país, em algumas áreas, e aí entra a reforma agrária, está muito desigual a luta. Então precisamos pender mais para um lado pelo menos até equilibrar. O avanço do agro no nosso país tem sido de uma maneira avassaladora.  

A gente precisa dar atenção para a agricultura familiar. A gente vê aquele adesivo: "Já se alimentou hoje? Agradeça ao fazendeiro". Mentira, lorota, conversa para boi dormir. Cerca de 70% do alimento consumido no nosso país vem da agricultura familiar.  

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Esse agro, que é pop e pujante e que alguns setores da mídia tanto enaltecem, produz para fora. Esse agro é o agro da Frente Parlamentar da Agropecuária que faz show todos os anos para os deputados em Brasília, com os maiores artistas da música. Fez um show particular para 200 pessoas em 2020 com o Gusttavo Lima tocando. Esse pessoal não precisa do Estado, esse pessoal não precisa de políticas públicas. Para mim, o meio termo aqui é não atrapalhar eles muito e não criar embaraços, mas eles não precisam de incentivo do Estado. Eles não precisam de financiamento do BNDS.   

Eu defendo o incentivo à agricultura familiar. A gente poder fornecer crédito para que esses possam produzir. Não vou nem dizer competir com os grandes, mas que pelo menos possa diminuir a diferença, porque o agronegócio representa um dos pilares dessa desigualdade. 

O senhor falou das festas agropecuárias, mas o senhor também destinou uma emenda de milhões de reais para uma festa agropecuária que teve show, por exemplo, do Gusttavo Lima, que você citou. O senhor mudou de ideia? O que mudou de lá para cá?   

Não mudei de ideia e enviaria novamente. E aí vou te explicar o porquê. Eu enviei R$ 7 milhões no total para o município de Ituiutaba. Desses R$ 7 milhões, R$ 1,9 milhões foram para a realização da festa agropecuária e R$ 1,4 milhão para 10 shows.   

Então com R$ 1,4 milhão para 10 shows, entre eles Gustavo Lima, Zezé Di Camargo e Luciano, Cidade Negra... Ao passo que outras prefeituras, como Conceição de Mato Dentro [MG], que ficou famosa na mídia, pagou R$ 1,2 milhões só no Gustavo Lima, fica evidenciado que nessas outras prefeituras têm algo errado na contratação dos shows. Não sei se alguém recebe propina, se alguém ganha mais, se é o cantor, se é o escritório, mas fica muito evidente a discrepância.  

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O ponto mais importante é que sou absolutamente a favor de todo e qualquer investimento em cultura. Eu não ouço música sertaneja, mas cada um tem a sua definição do que é cultura. Mas será que era prioridade investir em cultura em um momento em que o nosso povo está passando por tanta dificuldade? Não. Seguramente não é prioridade. A gente não pode confundir importante com urgente. Cultura não é menos importante que saúde. A importância é igual entre saúde, educação e cultura, porque a Constituição Federal fala que é dever do Estado fornecer tudo isso.  

Mas eu concordo que a saúde é mais urgente que a educação. Só que a gente precisa antes de emitir um juízo de opinião, analisar a peculiaridade no município citado. Eu estourei todos os tetos do envio. 90% das minhas emendas foram destinadas à área de saúde e educação.  

Sueli Carneiro disse em entrevista ao podcast Mano a Mano que brancos sempre tiveram cotas no país e cita os estímulos à vinda de europeus pra cá no início do século passado. O senhor concorda com essa análise? Outro ponto: neste ano deve ocorrer a revisão da Lei de Cotas. Como deve ser feita a revisão?  

Confesso que eu nunca havia feito essa reflexão, mas concordo plenamente. O Brasil é um país racista. A gente convive com o racismo diariamente, é estrutural. O curso pré-vestibular que me possibilitou ser advogado era para alunos negros e carentes, então eu convivi muito diariamente com situações de preconceito ao meu redor, no dia a dia, como chegar em um ambiente com um colega negro e eu ser atendido e ele não. 

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A gente precisa dar conscientização de uma maneira muito forte, e essa conscientização vai ser efetiva a partir da implementação e ampliação das políticas públicas que já existem. A gente precisa, por exemplo, ter à frente da Fundação Palmares alguém que conhece essa dor, alguém que sabe a necessidade da instituição, dessas políticas públicas e não alguém do nível do cidadão que saiu de lá recentemente. Pessoas que tenham a capacidade de fazer essa discussão com legitimidade. 

Candidato, eu vejo o candidato Lula, do PT, falando muito do que o senhor falou até aqui. Qual é a diferença entre o André Janones e o Lula? E porque o senhor, depois nove anos filiados ao PT, decidiu deixar o partido? 

Eu entrei no PT porque eu via um partido idealista, que tinha um comprometimento com as minorias, com os mais pobres, com os mais necessitados. O PT representava a esperança de um Brasil igual, de combate aos privilégios e de enfrentamento aos super ricos, de dar voz aos negros e às mulheres, etc. Tivemos avanços com o governo do PT? É um fato que nós tivemos avanço, mas muito aquém do que poderíamos ter tido. 

O sistema de funcionamento do PT era muito pouco democrático. Eles são muito pouco abertos ao diálogo interno. Uma coisa muito impositiva, de cima para baixo. Essa maneira de tocar o partido nunca me agradou. Eu não concebo essa maneira de fazer política.  

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Agora falando sobre o ex-presidente Lula, eu vejo como como alguém ultrapassado. É aquela pessoa que já deu a contribuição, que já fez o que tinha que ter feito pelo País. Pode ir para casa que agora a gente está conta do recado. O ex-presidente está um pouco descolado da realidade. Não é mais aquele Lula que conseguia olhar nos olhos do brasileiro e saber o que era a prioridade do brasileiro. O Lula se afastou muito da base, se afastou muito da realidade. O Lula tem como vice Geraldo Alckmin.  

Então não é aquele Lula que me fez brilhar os olhos e que me inspirou a entrar para a vida pública. Eu não mudei de lado ou as minhas bandeiras. Isso ocorreu com o PT. Isso ocorreu com o Lula.   

Apesar do que disse contra Lula, o senhor parece ter mais críticas ao Bolsonaro. Em diversos momentos, o senhor já deixou clara a sua oposição não só ao governo Bolsonaro como à pessoa do presidente e que em um segundo turno descarta apoiá-lo. Isso significa um apoio ao ex-presidente Lula, já que as pesquisas de intenções de voto indicam muito possivelmente para um segundo turno entre ambos?  

Eu entendo que o Lula deveria ter feito mais. Mas nada disso impede que amanhã eu esteja ao lado de Lula, de Ciro Gomes e Simone Tebet. Eu tenho críticas muito severas para fazer contra essas pessoas, mas tudo dentro de um campo político. 

Bolsonaro não está dentro do campo político. Estar contra o bolsonarismo hoje é uma questão de caráter. Mais do que é uma questão de caráter, é uma questão de humanidade. Quando você passa para o assunto Bolsonaro, eu não tenho como continuar falando de política. Bolsonaro não tem um projeto de política. Bolsonaro não tem um projeto para o país. Bolsonaro celebra a morte. Bolsonaro é alguém que atenta contra que eu tenho o direito de, por exemplo, de fazer severas críticas.  

A imprensa me pergunta se eu acho que o Bolsonaro está tentando dar um golpe. Ele já está tentando um golpe. Bolsonaro começou o golpe. Se a gente não acordar para isso agora e não se posicionar de forma muito clara contra ele, pode ser bem-sucedido.   

Para finalizar, eu vou estar ao lado da democracia. Se Lula e Bolsonaro forem os candidatos, eu vou estar junto do ex-presidente Lula. Se for Ciro Gomes, eu vou apoiar Ciro Gomes. Se for Simone Tebet, eu vou apoiar Simone Tebet.  

Mas para apoiar o senhor vai fazer algumas exigências? 

Para pedir votos para um candidato, sim. Para militar pró democracia e automaticamente contra o Bolsonaro, não. Para eu pedir apoio explícito, só se assumir publicamente, compromissos com as pautas que para mim são caras. A principal delas é a diminuição da desigualdade social através do enfrentamento ao sistema financeiro. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho