convenção do PDT

Sem vice, sem apoios e em baixa no Ceará, Ciro Gomes terá nome confirmado nesta quarta (20)

Especialistas analisam situação atual de pedetista e apontam problemas como falta de pontes políticas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

Ouça o áudio:

Ciro disputou a presidência nos anos de 1998, 2002 e 2018; antes de chegar ao PDT, político já foi ligado a seis siglas – PSD, PMDB, PSDB, PPS, PSB e Pros - Marcelo Camargo / Fotos Públicas

Prestes a ser confirmado pelo PDT nacional como nome do partido à corrida presidencial, Ciro Gomes será o centro da convenção partidária da sigla nesta quarta-feira (20), em Brasília (DF), onde será oficializada a chapa da legenda. Com quatro décadas de vida pública, o político cearense chega à sua quarta candidatura ao Palácio do Planalto com vasto repertório, mas, ao mesmo tempo, carregando um conjunto de pesos nas costas.

Entre os principais desafios, está o de ainda não ter conseguido um vice-presidente para compor a chapa na corrida. O nome, inclusive, será definido somente após a convenção, tamanha a dificuldade que circunda o pedetista no momento. O prazo-limite imposto pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) expira em 15 de agosto e até lá as apostas estão na mesa.  

O principal problema que acomete o PDT está, sobretudo, no fato de Ciro não ter conseguido arregimentar o apoio de outras siglas. Diante da dificuldade, o partido já admite a possibilidade de adotar uma solução caseira, assim como fez em 2018, quando a vice do pedetista foi a senadora Kátia Abreu (PP-TO), na época filiada à legenda.  

O cientista político Emanuel Freitas, professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), associa a dificuldade da candidatura ao comportamento do ex-ministro ao longo dos últimos anos, quando Ciro se manteve distante de diferentes atores e grupos políticos. A postura dificulta a construção de pontes, avalia o especialista.

“Ele passou esses quatro anos em Paris, no sentido de que não construiu ponte com ninguém, apostando nesse caráter personalista de que ele, [que se coloca como] grande intelectual, autor, escreveu um livro sobre um projeto de nação e que supostamente sabe resolver todos os problemas [do Brasil], mas não conseguiu construir uma interlocução com o meio político”, ironiza Freitas, ao lembrar o controverso episódio em que Ciro se retirou do país para não apoiar Fernando Haddad (PT) nem Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno das eleições de 2018.

O professor destaca que o ex-ministro não estabeleceu relações nem mesmo com Kátia Abreu. “Não teve nada disso, e olha ela é uma mulher importante do agronegócio, da região Centro-Oeste, que é um núcleo duro do bolsonarismo”, sublinha.  


Em 2018, Ciro concorreu ao Planalto pela terceira vez e terminou a disputa com 12,47% dos votos válidos / Marcelo Camargo/Agência Brasil

Outro problema que o pesquisador observa como um peso na situação de Ciro é a ausência de um eleitorado próprio. Freitas aponta que o ex-ministro se coloca a todo momento como uma alternativa a Lula e Bolsonaro, mas tem um capital político difícil de se equiparar ao dos dois políticos.

“Tem uma diferença radical entre eles: tanto Lula quanto Bolsonaro são duas personas com base social. O Ciro é uma persona de si mesmo, então, ele não tem uma base social para chamar de sua. Ele acredita que tem, mas não tem, tanto é que a gente vê que ele tem o mesmo resultado eleitoral nas eleições que disputou: não passa dos 12%”, examina.

Alcance

O pedetista, que já percorreu diferentes legendas ao longo de sua trajetória política, lançou-se à presidência nos anos de 1998, 2002 e 2018. Na primeira vez, obteve 10,97% dos votos, o que lhe garantiu um terceiro lugar.

Na segunda, angariou um percentual um pouco maior, de 11,97%, amargando um quarto lugar e ficando atrás de Lula, José Serra (PSDB) e Anthony Garotinho (PSB). Já na terceira disputa Ciro somou 12,47% dos votos válidos e terminou em terceiro lugar no primeiro turno, fase da qual nunca conseguiu passar.

Agora, considerando a sinalização dada pelas recentes e principais pesquisas de opinião que projetam o posicionamento do eleitorado, Ciro não tem conseguido obter nem mesmo o percentual registrado nas campanhas anteriores.

Pesquisa Datafolha do final de maio apontou que, se o pleito fosse realizado naquele momento, o político cearense teria 7% dos votos contra 48% de Lula e 27% de Bolsonaro. Cerca de um mês depois, outro levantamento do mesmo instituto mostrou que o pedetista oscilou entre 7% e 8%, portanto, cresceu apenas dentro da margem de erro da pesquisa.

Destaca-se, por exemplo, o desempenho de Ciro na pesquisa “A cara da democracia”, divulgada pelo jornal O Globo na última segunda (18) e feita pelo Instituto da Democracia. Conduzido por pesquisadores de quatro universidades públicas, o levantamento identificou que apenas 10% do eleitorado avaliam a figura do pedetista de forma positiva, enquanto 36% disseram não gostar de Ciro “de jeito nenhum”.


Ciro Gomes (à dir.) foi ministro da Integração Nacional do governo Lula entre 2003 e 2006 / Ricardo Stuckert/Instituto Lula

A sondagem utilizou uma escala que varia de 1 (“não gosto de jeito nenhum”) a 10 (“gosto muito”). Um total de 3% dos participantes disse gostar muito do político cearense, enquanto outros 30% se colocaram entre opiniões consideradas mais neutras na escala de variação. Levando em conta a soma das avaliações mais altas (8, 9, 10), elas contabilizam 10% do total. O material tem índice de confiança de 95% e margem de erro de 1,9%.

Ceará X Brasil

Foi diante dessa configuração estatística que Ciro tentou garantir um palanque próprio no Ceará na disputa ao governo estadual, para a qual o PDT enfrentou fissuras internas. Os intensos debates levaram à escolha do partido na última segunda-feira (18) por Roberto Cláudio (PDT), ex-prefeito de Fortaleza e apadrinhado dos Ferreira Gomes na corrida. Apesar de diferentes fatores terem concorrido para a vitória de Cláudio, o apoio de Ciro foi decisivo.

Os dois são aliados de longa data e foi com as bênçãos do clã que Roberto Cláudio se elegeu e se reelegeu prefeito da capital cearense no passado. Com isso, a escolha do ex-gestor representaria a opção por uma chapa puro-sangue de parte da família Ferreira Gomes. Agora enfraquecido sob diferentes análises, Ciro defendeu o nome do pedetista como candidato do partido também para tentar fortalecer localmente a bandeira da proclamada “terceira via”.

Os próximos passos, no entanto, vão definir o delineamento do jogo no Ceará. Enquanto o PT sinaliza para um rompimento com o PDT e discute internamente a possibilidade de lançar ou não um candidato próprio, Ciro insiste na tentativa de costurar apoios para si. Mas os movimentos do candidato ainda patinam diante da realidade estatística que o jogo político segue apresentando para a chapa nacional do PDT.

A sondagem Datafolha publicada no final do mês passado apontou um dado que chamou a atenção no cenário nacional: no comparativo com contagens anteriores, os pesquisadores observaram uma estabilidade nas intenções de voto dirigidas a todos os candidatos, o que dificulta a situação de Ciro, que pode acabar sendo vítima do chamado “voto útil”.

“Isso é inédito na história eleitoral do Brasil e [pelos parâmetros] só aconteceria no final de agosto, mas já em julho a gente tem uma consolidação do voto. Esse voto é um voto mais útil. As pessoas acabam votando no Lula, por exemplo, porque não querem a continuidade do Bolsonaro. E tem os que buscam continuidade do Bolsonaro porque não querem o retorno de Lula, e nesse jogo Ciro não entra,”  analisa o cientista político Cleyton Monte, professor da Uece.


PDT enfrenta segunda grande crise durante governo Bolsonaro; na foto, os líderes Manoel Dias, Ciro Gomes e Carlos Lupi / Divulgação-PDT

Outros passos do pedetista contam no cenário da chapa que será confirmada nesta quarta-feira em Brasília. Monte destaca que Ciro entrou em rota de colisão com a centro-esquerda quando passou a bater de frente com Lula e outras figuras da esquerda, ao mesmo tempo em que não conseguiu apoio da direita, apesar da esperança que nutria de um acordo com União Brasil e outros partidos. A falta de uma colheita nesse sentido se dá à revelia do investimento feito pelo PDT, que hoje desembolsa R$ 315 mil mensais para o publicitário João Santana, o mesmo marqueteiro que respondeu por campanhas como as de Lula e Dilma (PT).

“Apesar disso, [o que importa em uma] eleição é quem consegue galvanizar o maior número de aliados. Esse é o mote básico para se ganhar uma disputa”, pondera Cleyton Monte. O consenso em torno de Ciro não está presente nem mesmo na bancada do PDT, na Câmara dos Deputados, por exemplo. 

No início do mês passado, reportagem publicada pelo Blog do Noblat, no site Metrópoles, mostrou que nove dos 19 membros do grupo se mostraram indispostos a marchar lado a lado com Ciro. O motivo estaria no isolamento do ex-ministro, na baixa adesão popular à campanha e nos constantes ataques a Lula, que segue liderando as pesquisas de intenção de voto e por isso é visto como personagem estratégico para todos os candidatos de oposição a Bolsonaro.

Para surpresa de muitos, a candidatura pedetista não chegou a decolar nem mesmo no Ceará, reduto eleitoral de Ciro. O estado nordestino foi o único do país onde ele faturou a liderança do ranking do primeiro turno da eleição presidencial de 2018. Na ocasião, o ex-ministro obteve 40% dos votos na capital e 41% no Ceará.


Ciro Gomes tem pedido a apoiadores que "sejam militantes" para conseguirem levá-lo ao segundo turno / Comunicação PDT/Divulgação 

Os especialistas veem diferentes pontos que ajudariam a explicar a queda observada no cenário de agora. O primeiro deles seria a nacionalização da campanha no Ceará, o que se reflete na posição que Ciro ocupa no xadrez eleitoral. É o que destaca, por exemplo, a cientista política Carla Michele Quaresma, professora da Faculdade Ari de Sá, de Fortaleza (CE). Ela chama a atenção para o peso que a polarização entre Lula e Bolsonaro tem na terra natal do pedetista. 

“As pessoas já entraram nessa campanha presidencial como se elas tivessem que decidir a eleição no primeiro turno. Não vendo muita projeção [do Ciro] nessas pesquisas, elas já estão querendo buscar o voto que seja ‘útil’, que resolva o problema. É como se só houvesse um turno e, sendo assim, preferem votar somente em quem tem condição de vencer a eleição”, destrincha.

Outro aspecto de realce é a longa duração do poderio da família Ferreira Gomes no estado, onde o núcleo domina o jogo eleitoral há mais de 15 anos. Os analistas veem uma crescente perda de potência política dos personagens do clã.

“Há indicadores sociais e econômicos do Ceará que mostram uma trajetória dos Ferreira Gomes com certa capacidade administrativa, capacidade de resolução de problemas fiscais, etc. Mas há um inegável desgaste desse projeto porque já são quase 20 anos no poder, há ciclos políticos, então, é natural que haja isso”, analisa Carla Michele.


Da esquerda para a direita, Cid Gomes (PDT), Camilo Santana (PT), Lula (PT) e Ciro Gomes (PDT) durante costuras políticas em 2016 / Instituto Lula/Divulgação

Emanuel Freitas chama atenção ainda para o desempenho de outros atores da família que orbitam no entorno de Ciro. “O irmão Cid Gomes não está mais no poder no Executivo e o mandato dele [o Senado] é apagado. Tem vários meses em que ele está de licença, inclusive. A eleição de 2020 já foi um fracasso para o grupo, que quase não ganha em Fortaleza”, relembra o cientista político, ao mencionar a vitória do atual prefeito, José Sarto (PDT), apadrinhado da família.

O então candidato faturou a disputa com uma diferença de pouco mais de 3% em relação ao candidato ligado a Bolsonaro, o deputado federal Capitão Wagner (Pros). “Quem ganha com 3% de diferença praticamente nem ganha. E, em Sobral (CE), o Ivo Gomes [irmão de Ciro] quase não foi reeleito. Há um desgaste do grupo”, assinala o pesquisador.

Discurso e comportamento

Para os analistas, o comportamento pessoal de Ciro Gomes também tem ressonância nas estatísticas observadas atualmente. O político tem vasta trajetória, com experiência nos cargos de deputado estadual, deputado federal, prefeito de Fortaleza, governador do Ceará e ministro da Integração Nacional e da Fazenda. Apesar disso, esbarra em empecilhos colocados pela própria personalidade.

Cleyton Monte estuda os movimentos do núcleo Ferreira Gomes no Ceará há cerca de dez anos e destaca o fato de Ciro ter uma conhecida e histórica dificuldade de fortalecer alianças.

"Ele fala bem, tem boa retórica e se diferencia por ser um candidato que trabalha com projetos e que estuda a situação do país. Isso chama a atenção de uma parte do eleitorado que neste momento não se sente representada por Lula nem por Bolsonaro. Mas o fato é que isso não é suficiente. Por mais que seja uma figura que disputa a presidência há certo tempo, ele não consegue atrair aliados."


Ciro Gomes se filiou ao PDT em setembro de 2015 / PDT/Divulgação

O temperamento do ex-ministro, por exemplo, é ponto de destaque na análise das múltiplas facetas políticas que Ciro assumiu ao longo dos 40 anos de vida pública. Em diferentes episódios que ajudaram a alinhavar o cenário do Ceará nos últimos anos, o presidenciável se envolveu em duros embates com figuras dos mais diversos espectros ideológicos.

Os choques oscilaram desde o enfrentamento com o bolsonarista Capitão Wagner (Pros), passando pela petista e ex-prefeita de Fortaleza Luizianne Lins até o emedebista Eunício Oliveira. Este último não se reelegeu como senador em 2018, mas ainda é visto como uma importante liderança no tatame político do estado por ser personagem de peso no campo da direita liberal.

As desavenças de Ciro tiveram saliência ainda no final de junho, por exemplo, quando o pré-candidato foi alvo de uma notícia-crime por parte das Forças Armadas depois de dizer, em entrevista, que o Ministério da Defesa seria conivente com o crime organizado na Amazônia.

“Você olha tudo isso e vê que o Ciro é alguém que destrói relações. Ele não constrói. Ele destrói, e isso pesa no jogo”, realça o professor Emanuel Freitas.  

A forma como o pedetista se manifesta discursivamente também chama a atenção dos analistas, para os quais o ex-ministro apresenta um ar de superioridade que o associa a certa arrogância na forma de se colocar diante dos demais atores que o cercam. O comportamento é tido como algo que atrapalha a sua performance política e a busca por maior capilaridade entre o eleitorado nacional.

“Se você pega uma entrevista dele, você vê que é sempre uma entrevista muito intelectualizada, que não chega ao grosso da população. Se os jornalistas o apertam, ele rapidamente os destrata, como se eles não chegassem perto do auge da sua sabedoria. O Ciro se coloca como se estivesse sempre num Olimpo olhando para a classe política, para os outros candidatos, para os jornalistas, para o empresariado e para a própria população”, descreve Freitas.  


Debate virtual entre Ciro Gomes e o humorista Gregório Duvivier em maio deste ano / Foto: Reprodução

O pesquisador pontua que o comportamento explosivo do ex-ministro pesa na disputa política sobretudo pelo fato de ele não estar ocupando nenhum cargo na atualidade, o que faz com que tenha naturalmente menos holofotes.

“Não é só o temperamento, mas é o temperamento fora de uma cadeira. O Bolsonaro, por exemplo, também é um grosso, um destemperado, mas ele é destemperado estando na cadeira presidencial. O Ciro, não. Tem comportamentos que quem está fora do poder não pode ter, inclusive a pessoa tem é que construir pontes, e o Ciro não faz isso.”

Edição: Vivian Virissimo