Empossado após prometer reduzir a carga tributária do Brasil, Jair Bolsonaro (PL) está prestes a se tornar o primeiro presidente eleito do país desde 1989 a não reajustar a tabela de cobrança do Imposto de Renda (IR). Sem correção, essa tabela acumula defasagem de 26,5% durante seu governo – maior percentual já registrado.
O cálculo foi feito pelo Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional) e leva em conta os três anos e meio desde de a posse de Bolsonaro.
Segundo o Sindifisco, faltando seis meses para o final do mandato do presidente, essa defasagem ainda tende a aumentar, já que a inflação segue na casa dos 10%. Isso fará com que o IR passe a ser cobrado também de quem recebe baixos salários.
A tabela do imposto estabelece faixas de renda para definir quem precisa ou não pagar imposto no Brasil. Hoje, pessoas que ganham até R$ 1.903 por mês ou R$ 22.847 por ano são isentas do IR pela Receita.
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Esse valor está vigente desde 2015. De lá pra cá, os preços aumentaram. Os salários foram reajustados para tentar compensar a inflação – inclusive o salário mínimo. O trabalhador brasileiro, naturalmente, passou a ganhar um valor nominal maior – ainda que o poder de compra tenha caído.
Sem a correção da tabela do IR, milhões desses trabalhadores que eram considerados isentos em 2015 hoje passaram a ter de pagar impostos. Quem explica isso é Grazielle David, colaboradora da Tax Justice Network, entidade que atua por justiça fiscal e social.
"Como salário normalmente é reajustado pela inflação, quando você não reajusta também o valor mínimo para pagamento para isenção do Imposto de Renda, você acaba fazendo com que pessoas que não pagavam o imposto passem a ter que pagar só porque ela teve um reajuste inflacionário do que o salário", disse ela.
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4,7 milhões de afetados
A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco) estimou no início do ano o número de cidadãos que deixariam de pagar IR caso a tabela do tributo tivesse sido reajustada durante o governo Bolsonaro: 4,7 milhões.
Sem o reajuste, de acordo com a Unafisco, o governo vai arrecadar R$ 287 bilhões com o IR referente a 2022. Desse total, R$ 47 bilhões – ou 16% – serão arrecadados somente porque a tabela não foi corrigida.
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Mauro Silva, presidente da Unafisco, considera essa arrecadação adicional indevida, pois ela é fruto da defasagem. Aponta ainda uma contradição do governo Bolsonaro, que prometeu não só reduzir a carga tributária como, especificamente, revisar a tabela do Imposto de Renda.
"Esse governo foi exatamente o que mais promoveu aumento de Imposto de Renda para a classe média quase pobre já que não reajustou a tabela do Imposto de Renda", criticou Silva. "Ele promoveu um aumento brutal da carga tributária."
De acordo com o Sindifisco, levando em conta o salário mínimo de R$ 1.112 vigente hoje, quem recebe 1,57 salário mínimo por mês já deve pagar imposto de renda. Em 2018, ano em que Bolsonaro foi eleito, só pagava IR quem recebia mais que dois salários mínimos.
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Defasagem histórica
Silva ressaltou que a defasagem da tabela do IR é histórica. Em 1996, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a tabela parou de ser corrigida com frequência. Passou a acumular diferença ante à inflação.
De lá para cá, são 147,37% de defasagem. Caso ela fosse corrigida por esse índice, pessoas que ganham até R$ 4.670 seriam isentas hoje.
Atualmente, um contribuinte que ganha R$ 5 mil por mês paga R$ 505 de IR. Se tabela fosse corrigida, ele pagaria R$ 24,73 – diferença de 1.944%
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De 2005 a 2015, durante os governos dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, a tabela chegou a ser corrigida periodicamente. Mesmo assim, a correção não compensou o índice acumulado de aumentos de preços no país.
Durante o governo Bolsonaro, entretanto, a defasagem atingiu nível recorde, segundo o Sindifisco. Isso acabou onerando os mais pobres.
Defasagem da tabela do IR ante ao IPCA:
• 1996 a 1998 (FHC 1): 17,19%
• 1999 a 2002 (FHC 2): 18,99%
• 2003 a 2006 (Lula 1): 7,92%
• 2007 a 2010 (Lula 2): 2,48%
• 2011 a 2014 (Dilma 1): 6,53%
• 2015 (Dilma até início do processo de impeachment): 4,80%
• 2016 a 2018 (Temer): 9,42%
• 2019 a primeiro semestre de 2022 (Bolsonaro): 26,57%
"Quando não temos a correção da tabela, o tributo acaba atingindo em cheio os mais pobres, que perderam seu poder de compra ao longo do período", disse o presidente do Sindifisco Nacional, Isac Falcão. "Não corrigir a tabela é uma forma de aumentar o imposto para essa numerosa parcela da população que, além de arcarem com o IR, precisam também lidar com os tributos indiretos, que incidem sobre o consumo."
A correção da tabela pode ser feita via Medida Provisória ou Projeto de Lei encaminhado ao Congresso. O governo Bolsonaro encaminhou um projeto propondo a correção em 2021. Esse projeto incluía a mudança em outros impostos e não avançou.
Edição: Thalita Pires