Alternativas

O lixo e a reciclagem: fonte de geração de emprego, renda e preservação ambiental

Das 82,5 milhões de toneladas de lixo produzidas ao ano no país, 96,1 milhões foram coletadas e só 1,28% foi recicladas

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Cerca de 7,98 milhões de toneladas de resíduos sólidos anuais descartados, despejados em 20 aterros sanitários licenciados e cinco lixões a céu aberto existentes no estado do RJ
Cerca de 7,98 milhões de toneladas de resíduos sólidos anuais descartados, despejados em 20 aterros sanitários licenciados e cinco lixões a céu aberto existentes no estado do RJ - Reprodução

Em todo o planeta, são produzidos cerca de 2 bilhões de toneladas de lixo, com um crescimento que tende ao infinito. Para se ter uma ideia, nos últimos 30 anos, este volume aumentou três vezes mais que o populacional, o que gera um alto custo social, ambiental e financeiro. A maior parte deste lixo é descartada em aterros, o que resulta no desperdício sem volta de 1 metro quadrado de terreno para cada 10 toneladas de lixo aterrado. 

No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei 12305/2010, após 20 anos de tramitação estabeleceu metas como o fim da disposição de resíduos em lixões até o ano de 2014, postergado e escalonado pela Lei do Saneamento Básico com fim do prazo em 2021 para capitais e regiões metropolitanas e 2024 para cidades com população inferior a 50 mil habitantes. 

O Brasil é o quarto maior produtor de lixo do mundo.

Da geração de 82,5 milhões de toneladas ao ano no país, apenas 96,1 milhões foram coletadas (e apenas 1,28% foi reciclado). Assim, 6,4 milhões de resíduos sequer foram retirados dos pontos de geração. O país também é o quarto maior produtor de lixo plástico no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Índia, o que corresponde a 17% do volume total de resíduos.

Em 2020, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe), este volume descartado aumentou 15% em relação ao ano anterior: com um total de 13,3 milhões de toneladas. A WWF Brasil publicou que em 2019, das 11,3 milhões de toneladas de plástico geradas, apenas 145 mil foram recicladas em território nacional, 1,3%, muito abaixo da média global de 9%.

Com o Environmental, Social, Governance (ESG) em alta no mundo dos negócios, as companhias preocupam-se com a gestão de resíduos e economia circular, por influírem na imagem das empresas e consequentemente no valor das suas ações. Assim, atender à PNRS é um dos principais requisitos para cuidar da reputação e fazer as ações subirem. 

A fim de facilitar a gestão dos resíduos sólidos com o fim precípuo de gerar cifras com o negócio do lixo, o governo federal instituiu como meta, a ampliação da taxa de reciclagem de cerca de 2% para 48% em 18 anos dentro do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), elaborado desde 2019, ao prever reciclagem, compostagem, biodigestão e recuperação energética e incentivo a incineração de parte do lixo não reciclável (o que vem a contribuir com a liberação de gases de efeito estufa e colaborar com o aumento do aquecimento global).

Além disso, prevê a recuperação de 20% de recicláveis secos e 13,5% da fração orgânica o que obriga os municípios a coletar separadamente o resíduo seco e o orgânico (para realizar compostagem ou digestão anaeróbica, obter eletricidade dos mais de 60% do biogás gerado nos aterros sanitários e substrato fertilizante em escala piloto ou comercial. A meta é reciclar mais de 100 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU) por dia sem, contudo, integrar a este sistema o elemento que configura a sua real eficiência, o catador.

Entretanto foi elaborada como estratégia financeira, organizacional um certificado de reciclagem, com a transferência do custeio da gestão de resíduos municipais aos cidadãos como se já não fosse pago o IPTU. 

Na semana comemorativa do Dia Internacional do Meio Ambiente, o jornal Extra publicou uma interessante matéria sobre o desenvolvimento desta temática no Estado do Rio de Janeiro onde está posto o prejuízo que a falta de reciclagem traz ao “enterrar”, literalmente, mais de R$ 1 bilhão por ano em material reciclável. 

Segundo a matéria, os dados são do Mapeamento dos Fluxos de Recicláveis elaborado pela Firjan. Segundo o estudo, são 7,98 milhões de toneladas de resíduos sólidos anuais descartados, despejados em 20 aterros sanitários licenciados e cinco lixões a céu aberto existentes no estado. Só os lixões recebem cerca de 319 mil toneladas de resíduos sólidos que poderiam ser reciclados, quantidade hoje oito vezes maior do que a coleta seletiva arrecada. Este recurso, ao ser reaproveitado por meio da reciclagem, poderia somar-se às 39,9 mil toneladas efetivamente recicladas (cerca de 0,5% do total).

Inclusive, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) aponta que tudo o que é recebido pelos cinco lixões do Estado do Rio não passa por quase nenhum controle e proteção do ambiente do entorno e quatro deles estão situados próximos à divisa com Minas Gerais e Espírito Santo: Miracema, Porciúncula, Itaperuna e Bom Jesus do Itabapoana.

Além disto, a cidade de Teresópolis é a única fora do Noroeste Fluminense que não dispõe de uma gestão de seus resíduos, mais de 40 mil toneladas anuais, ao depositar matéria orgânica no denominado lixão do Fischer, juntamente com material reciclável, hospitalar e todo tipo de restos e de sucata, o que representa risco potencial de contaminação do solo, presença de animais invasores, vetores de doenças, e perigo para eventuais pessoas residentes ou trabalhadores locais, uma vez que a sua remediação pode levar anos devido ao severo impacto ambiental e a falta de recursos municipais direcionados à criação de aterros sanitários. Trata-se de obras caras que exigem gestão, apesar de configurarem um mal menor, como aconteceu em Duque de Caxias (Jardim Gramacho) e São Gonçalo (Itaoca). 

Atualmente, a única possibilidade de recuperação de valor do reciclável, existe graças ao trabalho dos catadores.

Trabalhadores expostos que são à insalubridade e demais riscos como incêndios causados pelo gás metano decorrente da fermentação orgânica, além de não possuírem garantias trabalhistas conferidas às outras categorias profissionais. À exemplo desta situação, no lixão do Fischer, à beira da BR-116, trabalham mais de 100 pessoas todos os dias, em meio a centenas de urubus e cenas de horror, como o encontro de um bebê natimorto, em fevereiro deste ano, e a constante circulação de caminhões que se revezam ao depositarem o lixo, ou comprarem recicláveis dos trabalhadores de 7h a 17h, de segunda a sábado.

Há catadores que apesar das condições insalubres e o risco inerente à atividade, afirmam levantar por semana com a venda de recicláveis, de R$ 500,00 a mais de R$ 1500,00 nos melhores momentos, porém com a pandemia e o consequente crescimento do desemprego, menos recicláveis passaram a chegar no lixão, devido ao maior número de pessoas a catá-los pelas ruas. Além disto, afirmam que se houvesse a separação prévia dos resíduos e uma gestão adequada, seria possível reduzir o desperdício de materiais que devido à mistura, tornam-se inadequados à reciclagem e comercialização.

Os catadores submetem-se à insalubridade e riscos porque além da necessidade e falta de empregos, encontram objetos de valor agregado, como celulares, relógios, câmeras, brinquedos, videogames e mangás que reaproveitam ou vendem para colecionadores, porque “o rico não doa, prefere jogar fora”.

Outros exemplos mostram catadoras ainda jovens como Stefane Gomes da Silva, de 23 anos, há dois anos no lixão do Fischer que ganha, em média, R$ 260,00/dia, desde que perdeu o emprego de manicure e cabeleireira. Outra catadora é Vera Lúcia de Souza Costa que trabalha há seis anos com garrafa pet e latinha, e, às vezes, papelão, para poder comprar seus remédios para dor, apesar de sua condição precária de saúde, um problema de coluna com dez hérnias de disco.

O procurador do município conta que em 2019, foi realizada a cotação para o transbordo para um aterro sanitário, que custaria cerca de R$ 840 mil por mês, o que atualmente, com o aumento do diesel, deve estar bem maior. Por isso, o município busca no estado algum apoio para financiar essa operação, que é muito custosa para o nosso orçamento. 

Em estudo realizado pela Firjan afirmou-se que a coleta seletiva de Nova Iguaçu, Nilópolis, Paracambi, Seropédica, Queimados, Japeri, Itaguaí e Mangaratiba somente abarca 0,05% do volume gerado nessas cidades. Nos municípios de Duque de Caxias, Belford Roxo, São João de Meriti, Magé e Guapimirim os resíduos aterrados que poderiam ser reciclados todo ano, somam mais de R$ 100 milhões.

Assim, os lixões recebem mais da metade dos resíduos gerados no Noroeste Fluminense, enquanto o Leste Fluminense despacha quase 500 mil toneladas de recicláveis para aterro. Já a cidade do Rio de Janeiro dispõe de gestão de resíduos mais estruturada, com a coleta direcionada para o aterro CTR Rio, em Seropédica, porém é bastante possível que os recursos possam vir a ser melhor aproveitados e haver uma maior geração de empregos a partir de um refinamento do processo. 

Dos 92 municípios do estado do Rio, somente Búzios, Araruama, Comendador Levy Gasparian, Engenheiro Paulo de Frontin e Rio das Flores não forneceram dados sobre a gestão de resíduos referente a seis anos consecutivos do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), de 2015 até 2020. A prefeitura de Búzios argumenta que a falha se deve ao período de extrema instabilidade política, a qual prejudicou sobremaneira a continuidade da gestão ambiental municipal anterior.

Deste modo é sabido que a melhor solução para o problema é a separação na fonte geradora de orgânicos e coleta seletiva de recicláveis seguida da implantação de usinas de compostagem e de reciclagem completa, incluindo a separação e reciclagem de resíduos da construção civil com a implementação das etapas de fluxo adequadas com base em estudos gravimétricos e organização e treinamento da mão de obra de forma a contribuir.

O plano almejado com a efetivação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), busca o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania para os trabalhadores que dele passam a extrair seu sustento e sua renda. Assim, ao menos na legislação, os catadores assumiriam papel central enquanto prioridade das políticas públicas no setor de reciclagem. Agora é preciso garantir que, por meio do acompanhamento e da participação da sociedade civil, essa legislação seja de fato cumprida.

Além disso, segundo a Firjan, a reutilização de recicláveis perdidos na cadeia produtiva industrial seria capaz de gerar R$ 4,56 bilhões de renda no estado do Rio — incluído aí o bilhão anual “enterrado” segundo a reportagem do jornal Extra. Soma-se à esta cifra, o recebimento de um repasse maior de ICMS, devido ao mecanismo tributário do governo do estado, o ICMS Ecológico, a partir da chegada de investimentos na destinação adequada dos resíduos.

Assim, a destinação correta dos resíduos sólidos gerados nos centros urbanos, contribuirá para agregar esforços aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU até 2030, com a significativa geração de emprego e renda, com a agregação de valor econômico oriundo da atividade e com a conservação e preservação das áreas naturais e ecossistemas que compõem o estado como rios mares, praias e florestas, ao evitar a chegada dos resíduos aos oceanos a partir das áreas verdes conectadas aos rios.

*Náustria Albuquerque é petroleira, ex-diretora do Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Minérios e Derivados de Petróleo do Estado do Rio de Janeiro (SITRAMICO-RJ) e Dirigente do Partido dos Trabalhadores (PT).

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Mariana Pitasse