A adoação de uma semana de trabalho de quatro dias, sem redução de salários, tem o potencial de ser uma "política de dividendos triplos", melhorando simultaneamente o bem-estar humano, econômico e ecológico. É o que defende Joe O’Connor, diretor executivo da campanha 4 Day Week Global (Semana de 4 Dias Global, em tradução livre), ação internacional em defesa da redução da jornada de trabalho para 32 horas semanas.
"Pesquisas sugerem que a mudança para uma semana de quatro dias reduzirá as emissões de carbono em cerca de um quinto, reduzindo o tempo de deslocamento e o uso de energia em edifícios", afirma, em entrevista concedida ao Brasil de Fato.
A 4 Day Week Global se define como uma "comunidade sem fins lucrativos" estabelecida em 2018 para reunir pessoas que se interessaram pela primeira experiência realizada, na empresa Perpetual Guardian, na Nova Zelândia. Estudo realizado por acadêmicos da Universidade de Auckland e da Universidade de Tecnologia de Auckland mostrou um aumento entre 30% e 40% dos índices de engajamento dos trabalhadores e melhoria de 44% em métricas de equilíbrio entre vida e trabalho.
Desde então, a rede cresceu e fornece apoio, formação e mentoria para empresas, organizações e governos que desejem implementar a nova jornada. No momento, a experiência está sendo reproduzida nos Estados Unidos, Canadá, Irlanda, Austrália, Nova Zelândia e Reino Unido - o maior até aqui, com 3,3 mil trabalhaores e mais de 70 empresas e organizações envolvidas.
"Estamos sempre buscando expandir nosso movimento, então se algum leitor estiver interessado em se envolver e trazer a campanha 4 Dias da Semana para o Brasil, eles podem se inscrever para ser um defensor global em nosso site", explica Joe O’Connor.
O modelo defendido pela organização é o "100-80-100" ou seja: 100% do pagamento por 80% do tempo de trabalho, mas com o compromisso dos trabalhadores de manter em troca 100% da produtividade anterior. Ele acredita que o modelo pode ser adaptado para toda a sociedade, desde que haja "uma gestão forte, atribuição de tarefas inteligente e engajamento dos trabalhadores".
Leia a íntegra da entrevista:
Brasil de Fato - Por que é importante discutir uma semana de trabalho de 4 dias?
Joe O’Connor - A interrupção das normas sociais e de trabalho pela pandemia de covid-19 ilustrou o potencial de modelos de trabalho muito diferentes, tanto para trabalhadores quanto para empregadores, e reforçou a necessidade de repensar padrões de trabalho antigos e estabelecidos.
Acreditamos que o futuro do trabalho requer uma mudança de foco no tempo gasto no escritório, na escrivaninha ou à disposição do empregador. Esta não é uma maneira eficaz de medir as contribuições das pessoas no trabalho. Em vez disso, precisamos nos concentrar em medir e recompensar resultados coletivos.
Quantos países estão realizando testes com o apoio da sua organização?
Joe O’Connor - Atualmente, temos testes em andamento no Reino Unido, Irlanda, EUA e Canadá, e vamos lançar na Austrália e Nova Zelândia no final do verão, com programas piloto planejados em muitos outros países nos próximos meses.
Você está em contato com alguma organização do Brasil?
Joe O’Connor - Existem algumas pequenas empresas no Brasil que mudaram para semanas de trabalho mais curtas. Gabriela Brasil também trabalha há 4 dias desde 2019. Ela fala sobre isso aqui.
Estamos sempre buscando expandir nosso movimento, então se algum leitor estiver interessado em se envolver e trazer a campanha 4 Dias da Semana para o Brasil, eles podem se inscrever para ser um defensor global aqui.
Quais são os principais benefícios para os trabalhadores e para a sociedade que os ensaios anteriores da semana de trabalho de 4 dias mostraram? Há benefícios para os empregadores também?
Joe O’Connor - A semana de quatro dias tem o potencial de ser uma política de dividendos triplos, que pode simultaneamente melhorar o bem-estar humano, econômico e ecológico. Pesquisas mostram que as empresas que operam sob o trabalho de horas reduzidas e focadas na produtividade podem não apenas manter, ou mesmo melhorar a produção, mas também veem benefícios como menor rotatividade de funcionários e um pool de candidatos de maior qualidade. Por sua vez, os trabalhadores relatam melhorias significativas em sua saúde geral e felicidade, bem como um melhor equilíbrio trabalho/vida.
A semana de quatro dias também pode ser revolucionária em termos de igualdade de gênero, permitindo uma melhor distribuição das responsabilidades de cuidado, uma vez que o tempo de trabalho reduzido permitirá que os homens passem mais tempo com suas famílias e realizem uma grande parcela do trabalho dentro de casa. Isso, por sua vez, ajudará a remover barreiras para que as mulheres alcancem cargos elevados no trabalho, assumindo cargos de liderança e buscando oportunidades de treinamento.
E, finalmente, pesquisas sugerem que a mudança para uma semana de quatro dias reduzirá as emissões de carbono em cerca de um quinto, reduzindo o tempo de deslocamento e o uso de energia em edifícios. Em sua recente TED Talk, a professora Juliet Schor também sustentou que quando as pessoas estão pressionadas pelos horários, elas tendem a escolher modos mais rápidos e poluentes de viagens e atividades da vida diária. Por outro lado, quando temos tempo em vez de dinheiro, tendemos a ter uma pegada de carbono mais baixa.
Economistas argumentam que os gigantescos avanços tecnológicos das últimas décadas (robótica, internet, inteligência artificial etc.) levaram a um grande aumento na produtividade da Companie que até agora não se transformou em vantagens para a classe trabalhadora. Você concorda com essa perspectiva? Você acredita que a semana de 4 dias poderia ser uma maneira de melhor distribuir parte desses ganhos?
Joe O’Connor - Quando o dia de oito horas foi introduzido pela primeira vez, há mais de um século, muitos alegaram que este era um luxo inacessível e argumentaram que a economia não daria conta. Quando o economista britânico John Maynard Keynes previu em 1930 que os avanços em tecnologia e produtividade tornariam possível uma semana de trabalho de 15 horas dentro de um século, ele dificilmente poderia ter imaginado o tipo de progresso que experimentamos desde então.
Apesar disso, as horas de trabalho permaneceram em grande parte estagnadas na maioria das economias ocidentais avançadas, durante um período em que a produtividade econômica global explodiu. Devemos garantir que os benefícios e ganhos de produtividade trazidos pela "quarta revolução industrial" da automação, inteligência artificial e tecnologias digitais sejam compartilhados com os trabalhadores. Faz mais de 100 anos desde que inventamos a semana de trabalho de cinco dias e é hora de uma atualização.
No Brasil, o movimento dos trabalhadores tem uma demanda antiga por redução da semana de trabalho oficial de 44 horas para 40 horas, além da criação de mecanismos de controle excessivo de horas extras. Recentemente, os bancários incluíram a semana de 4 dias em suas demandas. Como você compara essas duas possibilidades de redução do horário de trabalho?
Joe O’Connor - A semana de quatro dias que defendemos é um modelo muito flexível, não uma abordagem do tipo "um tamanho serve para todos". Ela é baseada no princípio geral do modelo 100:80:100 – 100% do salário, por 80% do tempo, mas crucialmente, em troca de 100% da produtividade ou produção.
Quase todas as empresas que passam para uma semana de quatro dias fazem três grandes coisas: encurtar radicalmente e reformar reuniões; usar a tecnologia de forma mais pensada e consciente; e redesenhar a jornada de trabalho para construir em períodos distintos para trabalhos focados, reuniões e tempo social. Estudos mostram que o trabalhador médio realmente perde de 2 a 3 horas por dia em reuniões inúteis, tecnologias mal implementadas e com simples distrações. Então, a semana de quatro dias já está aqui, nós simplesmente não enxergamos porque está enterrada sob essas práticas velhas e imprudentes.
Requer uma gestão forte, atribuição de tarefas inteligente e engajamento dos trabalhadores, mas acreditamos que alguma versão de uma semana de trabalho mais curta, baseada no princípio de "100:80:100", é alcançável em toda a economia, beneficiando empregadores, trabalhadores, sociedade e meio ambiente.
Edição: Thalita Pires