Causa própria

Autor de PL que liberou "boiada" no Pantanal declarou R$ 100 mil investidos em pecuária

Deputado do MT teve empresa investigada por crime ambiental e defendeu projeto que permite gado em áreas de preservação

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |
Boi em área queimada por incêndios que destruíram 26% do Pantanal em 2020 - Mauro Pimental/AFP

A Assembleia Legislativa do Mato Grosso aprovou nesta semana o Projeto de Lei (PL) 561/2022, de autoria do deputado estadual Carlos Avallone (PSDB), que libera a pecuária extensiva em Áreas de Preservação Permanente (APP). 

O texto também permite a utilização de até 40% das propriedades localizadas em áreas alagáveis para pastagem, suspende restrições para uso de agrotóxicos e dá permissão para mineração e empreendimentos ligados ao turismo.

Mais de 40 organizações socioambientais e populares do Mato Grosso afirmam que as mudanças representam a legalização da degradação do Pantanal e aceleram o colapso ambiental do bioma, considerado patrimônio ambiental mundial. 

O projeto traz "prejuízos à qualidade da água, às espécies animais e vegetais, ao equilíbrio ecológico e aos povos tradicionais e indígena da maior planície alagável do mundo, o Pantanal, já ameaçado por uma crescente perda de sua superfície de água", diz nota conjunta assinada pelas entidades. 

Já o texto do PL justifica que a pecuária extensiva é uma "atividade de baixo impacto" que "auxilia a manter a biodiversidade biológica". No Pantanal, é "totalmente inviável cercar toda área considerada de preservação permanente", afirma o texto.

Autor do projeto tem R$ 100 mil investidos em pecuária no MT

Nascido no interior de São Paulo, Avallone é dono das principais construtoras do Mato Grosso, além de pecuarista. Ele preside a Comissão de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Recursos Minerais, de onde partiu a proposta, que também conta com a assinatura do vice-presidente da Comissão, Allan Kardec (PSD). 

Ex-secretário municipal de Turismo de Cuiabá (MT) e de Indústria e Comércio do Mato Grosso, Avallone disputou a primeira eleição em 2018 e levou a suplência, antes de ser empossado. Na declaração de bens à Justiça Federal, informou que tinha ao todo R$ 95,5 mil investidos em pecuária, principal atividade beneficiada pelo PL 561/2022. 

A Fratello Engenharia, que pertence a Avallone e familiares, foi investigada por crime ambiental. Segundo o site Olhar Jurídico, um inquérito aberto pelo MPF em 2021 apurava extração irregular de cascalho, matéria prima para construção civil. A reportagem perguntou ao MPF em qual estágio estão as investigações, mas não obteve resposta. 

A última emenda acrescentada ao projeto flexibilizou o licenciamento ambiental para a obtenção de cascalho, além de outras atividades consideradas de "interesse social", como extração de areia, argila e saibro. Os materiais são utilizados em manutenção de estradas. 

A atividade principal da Fratello é a "construção e manutenção de rodovias", de acordo com o cadastro da empresa na receita federal. O serviço é prestado pela empresa em rodovias estaduais do Mato Grosso, mediante a participação em licitações públicas. 

O Brasil de Fato perguntou ao parlamentar se sua articulação política em favor do projeto configura conflito de interesses. Até a publicação, não houve resposta. O espaço segue aberto, e o texto será atualizado caso o parlamentar se manifeste. 


Carlos Avallone é dono das maiores construtoras do MT e declarou investimentos em pecuária / Karen Malagoli/ALMT

Mato Grosso, o mais "agro" do país

O Mato Grosso pode ser considerado o estado mais "agro" do país. É o líder de produção de soja e milho, além de abrigar o maior rebanho bovino brasileiro. A expansão agropecuária começou na década de 1970, quando pequenos produtores do Sul e do Sudeste brasileiros migraram para o estado em busca de terras. 

O resultado foi uma extensa perda de vegetação amazônica. Entre agosto de 2008 e julho de 2019, 92% do desmatamento registrado em fazendas mato-grossenses de soja foi feito de forma ilegal, ou seja, sem autorização de órgãos ambientais. Do total de área desmatada nesse período, 20% fica em áreas de cultivo de soja. 

Edição: Thalita Pires