A Polícia Federal (PF) prendeu na última semana em Tabatinga (AM) o homem conhecido como "Colômbia", suspeito de envolvimento nas mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips. Ainda sem identificação oficial, ele é apontado por lideranças indígenas locais como possível mandante dos assassinatos do indigenista e do jornalista britânico. Sua participação nos crimes, porém, não foi confirmada publicamente pela Polícia Federal (PF).
Desde o desaparecimento de Bruno e Dom, indígenas familiarizados com as atividades ilegais na região afirmam que Colômbia seria um dos principais financiadores da caça e pesca ilegais no Vale do Javari. Segundo eles, as mortes seriam uma represália pelo prejuízo financeiro provocado pelas atividades de monitoramento conduzidas por Pereira, que mapeava as atividades ilegais e as informava às autoridades.
:: Bruno e Dom: transferência do caso à Justiça Federal pode responsabilizar Bolsonaro e Funai? ::
O superintendente do órgão de investigação no Amazonas, Alexandre Fontes, afirmou que o homem nega ter envolvimento com a pesca ilegal e os assasinatos, mas admitiu manter negócios lícitos relacionados à pesca com Amarildo da Costa Oliveira, o "Pelado", preso por suspeita de ter atirado contra as vítimas.
Indígenas que pediram anonimato afirmam à reportagem que a suposta atividade ilegal de Colômbia tem apoio de integrantes do poder político local e ligação com narcotráfico.
Até esta segunda-feira (11), as suspeitas sobre as atividades ilícitas de Colômbia não haviam sido confirmadas publicamente pela PF. Os investigadores alegam risco de comprometer as investigações. A corporação, no entanto, tem vazado a determinados órgãos de imprensa que a ligação entre Colômbia e o narcotráfico é uma das linhas de investigação.
O Brasil de Fato não conseguiu localizar o advogado de Colômbia. O espaço segue aberto à manifestação da defesa. Caso haja resposta, este texto será atualizado.
De pescador a financiador da pesca
"Colômbia é um dos financiadores de alguns políticos no município de Benjamin Constant. Ele é o principal financiador do Amarildo ["Pelado"], a quem Bruno [Pereira] estava dando prejuízo com apreensão de produtos e material de pesca. Isso causou revolta no Amarildo ["Pelado"]", afirmou, sob sigilo, uma liderança indígena.
Conforme as lideranças, Colômbia teria iniciado a trajetória como pescador ilegal. Ele teria prosperado até se tornar um influente empresário do ramo, contrabandeando para fora do país mercadorias valorizadas extraídas ilegalmente da TI, como as carnes de pirarucu e de tracajá, uma espécie de tartaruga.
Na tríplice fronteira com a Colômbia e o Peru, a TI Vale do Javari ganha cada vez mais importância como rota de escoamento da cocaína produzida nos dois países. Segundo outra liderança indígena, os pescadores ilegais sob o comando de Colômbia teriam ligação com as operações de transporte das drogas.
:: Banditismo, necropolítica e lucro a qualquer custo: a Amazônia virou uma terra sem lei? ::
"A Polícia Federal não pode descartar nenhum tipo de envolvimento desse pessoal [pescadores e caçadores] com o narcotráfico. Eles são envolvidos diretamente. Eles [pescadores] trabalham para eles [traficantes]", disse o indígena ao Brasil de Fato.
Barco apreendido em pesca ilegal teria sido resgatado por "Colômbia"
A liderança que alerta para a relação entre Colômbia e o narcotráfico afirma que ele pode ter sido o responsável pelo resgate de uma embarcação apreendida neste ano ao ser flagrada transportando recursos naturais extraídos ilegalmente da TI Vale do Javari. Segundo a Univaja, o barco estava sob a custódia da prefeitura de Atalaia do Norte (AM), mas desapareceu no porto, sem deixar vestígios.
No início da tarde do dia 23 de março, a Equipe de Vigilância da Univaja (EVU), integrada por Bruno Pereira, visualizou o barco saindo da TI Vale do Javari. Após a denúncia da EVU, homens da Funai e da Força Nacional abordaram a embarcação e prenderam dois homens, já conhecidos na região pela prática de caça e pesca ilegais.
A embarcação utilizava um motor potente, capaz de alcançar altas velocidades, que pode custar até R$ 100 mil. Dentro dela, foram encontrados "25 tracajás, 2 tartarugas, 300 kg de carne de queixada [mamífero silvestre cuja carne é apreciada na região] salgada e 400 kg de carne de pirarucu salgada", diz um ofício da Univaja enviado a autoridades de segurança antes das mortes de Bruno e Dom.
O ofício da Univaja descreve: "Os tracajás e tartarugas são levados pela FPEVI [Frente de Proteção Etnoambiental da Funai] e FNSP [ Força Nacional de Segurança Pública] para serem soltos no interior da terra indígena. O bote e motor, deixados pela Polícia Civil na guarda do segurança da balsa da Prefeitura, simplesmente somem na madrugada".
:: Relatórios da Univaja contrariam PF e revelam atuação de saqueadores profissionais no Javari ::
Sob anonimato, um indígena que acompanha de perto o trabalho de fiscalização realizado pela Univaja pede que a PF investigue com rigor a hipótese do envolvimento do narcotráfico com as mortes de Bruno e Dom.
"O narcotraficante pagou para resgatar a 'balieira' [nome dado à embarcação do tipo]. Então tudo isso tem que ser apurado pela Polícia Federal. Isso já tinha sido bolado antes, porque o barco [que desapareceu no porto] era do 'Colômbia'. Supostamente ele mandou resgatar essa 'balieira'", afirmou.
O delegado titular de Atalaia do Norte (AM), Alex Perez, confirmou a ter detido duas pessoas por pesca e caça ilegal no dia 23 de março, mas declarou que os policiais não tiveram contato com a embarcação apreendida. "Por esse motivo, o barco não foi arrolado nos procedimentos da ocorrência", afirmou Perez, por meio da assessoria de imprensa.
O delegado reforça que, durante depoimento na delegacia, "os homens mencionaram que o transporte fluvial estaria atracado no porto da cidade. Após oitiva, eles assinaram um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e foram liberados".
Procurada, a prefeitura de Atalaia do Norte não se manifestou.
Verdadeira identidade de “Colômbia” ainda é mistério
O superintendente da PF no Amazonas afirmou em entrevista coletiva na sexta-feita (8) que "Colômbia" apresentou um documento brasileiro no qual se identifica como Rubens Vilar Coelho, natural de Benjamin Constant (AM).
"Mas, no decorrer do depoimento, ele acaba dizendo que nasceu em Letícia [na Colômbia]. E depois apresenta um documento colombiano, com outro nome, de Ruben Dario da Silva Vilar", afirmou Alexandre Fontes.
Por ter fornecido documentos falsos, o homem ainda sem identificação confirmada foi preso em flagrante. Colômbia se apresentou espontaneamente na delegacia da PF de Tabatinga (AM). "Ele estava preocupado com as alegações que circulavam na imprensa e se antecipou para tentar limpar o nome", declarou o porta-voz da PF.
O superintendente afirmou ainda que Colômbia possui um terceiro documento de identidade, emitido no Peru, com dados diferentes das outras duas identificações. Fontes disseram que a verdadeira identidade deve ser esclarecida em breve, bem como a relação entre o suspeito e atividades criminosas na TI Vale do Javari.
Edição: Nicolau Soares