Demorou algum tempo para que o entregador de aplicativo Alessandro de Conceição, o “Sorriso”, pudesse contar com um espaço de apoio cotidiano para trabalhadores que atuam no ramo em Brasília. Dedicado ao ofício há exatos seis anos, ele comemorou, nesta sexta-feira (8), a inauguração do primeiro ponto de apoio voltado para entregadores no Distrito Federal (DF).
Fruto de uma articulação conjunta entre a Central Única dos Trabalhadores do DF (CUT-DF) e sindicatos locais, o espaço tem o objetivo de oferecer uma estrutura física básica para entregadores, cujo trabalho se caracteriza pelas longas jornadas fora de casa.
“O motoboy vive, às vezes, 14 horas na rua e ainda não tinha um ponto de apoio aqui no DF. Muita gente vem de longe, se desloca mais de 60 km pra vir pro centro de Brasília e fica trabalhando sem ter um lugar pra descansar, pra esquentar a marmita, pra ir ao banheiro. Esse local aqui caiu como uma luva pra gente”, vibra Sorriso.
O ponto de apoio tem três andares e foi alugado pela CUT-DF, com financiamento dos Sindicatos dos Professores do DF (Sinpro-DF), dos Bancários de Brasília e pelo Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas (Sindilegis).
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O imóvel fica numa região comercial e central da cidade e conta com estrutura de escritório, mesas e cadeiras para alimentação, espaços para descanso e reuniões entre os trabalhadores, além de banheiro, tomadas para carregamento de celular e uma copa com itens demandados cotidianamente pela própria categoria. Entre eles há geladeira, micro-ondas, bebedouro e filtro de água.
“Nós entendemos que essa deve ser uma política pública do Estado para todos os trabalhadores, independentemente da categoria. Este ponto de apoio aqui é a demonstração de que é possível, necessário e importante [fazer isso] e é também uma demonstração de solidariedade da classe trabalhadora”, disse ao Brasil de Fato o presidente da CUT-DF, Rodrigo Rodrigues.
A criação do espaço vem após uma pesquisa mostrar, em 2021, que a inauguração de pontos de apoio está entre as principais pautas reivindicadas pelos entregadores. O estudo, desenvolvido a partir de uma parceria entre CUT, Organização Internacional do Trabalho (OIT), Instituto Observatório Social (IOS) e universidades públicas, apontou que os trabalhadores do ramo demandam especialmente banheiros e água potável.
No DF já é obrigatória a oferta desses espaços aos trabalhadores por parte de empresas de aplicativos. A norma entrou em vigor por meio da Lei nº 6.677, de setembro de 2020, que foi regulamentada por um decreto local, mas ainda está longe de virar uma realidade. A categoria e suas lideranças apontam que as companhias por trás dos aplicativos não entregaram os pontos nem o governo Ibaneis (MDB) tem se dedicado a fiscalizar o cumprimento da legislação.
“A situação dos entregadores nos causa muita revolta porque a gente sabe que as empresas de aplicativos ganham muito dinheiro sem dar nenhum retorno pra classe trabalhadora, pro país. O que custava elas construírem espaços pros trabalhadores se organizarem?”, questionou o presidente nacional da CUT, Sérgio Nobre, que esteve em Brasília para prestigiar o lançamento.
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Rotina
Sorriso relata que, diante desse cenário, as extensas jornadas fora de casa têm criado situações cada dia mais difíceis para os trabalhadores do ramo. “Um motoboy estava me contando agora que trabalha na rua e, como não tem um local pra fazer as suas necessidades, ele foi fazer outro dia numa árvore e a polícia enquadrou ele por atentado ao pudor, mas ele não tinha outra opção”, conta.
O entregador diz que enfrenta situações desafiadoras todos os dias, especialmente pelo fato de estar passando cada vez mais tempo no trabalho.
“As plataformas obrigam a gente a trabalhar cada vez mais horas fora de casa pra bater meta. Quando comecei, ficava oito horas por dia e já batia a meta, mas hoje a realidade é totalmente outra. Eu saio às 8 horas da manhã e volto às 22 horas”, conta o trabalhador, que mora em uma região administrativa localizada na periferia do Plano Piloto, área mais central de Brasília, para onde se desloca diariamente para atender a clientela.
A professora Rosilene Corrêa, diretora licenciada do Sinpro-DF, lembra que a situação é ainda pior para entregadoras mulheres. De acordo com a pesquisa realizada pela CUT e a OIT, elas representam cerca de 18% do contingente da categoria. Por conta do ciclo menstrual, conta a dirigente, algumas delas chegam a ficar dias sem rodar para fazer as entregas pelo fato de não terem uma base de apoio fora de casa para trocar o absorvente íntimo.
“Estamos vendo aumentar cada vez mais o número de mulheres que estão nesse mercado e é claro que uma mulher sair de casa de manhã sem ter hora pra voltar numa fase menstrual é um desconforto. Isso vai afetar a saúde dela. É uma questão de higiene, então, este ponto aqui é sobre tudo isso, sobre as necessidades básicas de saúde e de cuidado com as pessoas”, destaca.
Para a deputada Erika Kokay (PT-DF), o espaço ganha relevância também pelo fato de possibilitar a interação entre os trabalhadores da categoria, o que fortalece a união política do segmento. “É uma iniciativa importante porque passa a ser um espaço de troca, de compartilhamento, e nós estamos vivenciando um momento de novas relações de trabalho que tentam desconstruir tudo o que foi construído pela classe trabalhadora”.
Sorriso afirma que a inauguração do ponto deixa um rastro de grande expectativa para a categoria. “Vai ficar cada dia mais conhecido este local aqui. Tomara que ele se torne um exemplo pra ser espalhado por todo o DF porque a gente precisa muito de mais pontos como este”.
Serviço
O ponto de apoio ao trabalhador irá funcionar de segunda a segunda, sempre das 8 às 18 horas. O espaço está localizado na Galeria do Hotel Nacional (SHS, Quadra 1, Bloco A, Asa Sul).
Edição: Raquel Setz