Depois de esperar sete anos pela continuidade do processo demarcatório de suas terras, um grupo de 180 indígenas Pataxó retomou a Fazenda Santa Bárbara, um território que fica na área que deveria ser demarcada como a Terra Indígena Comexatibá, no sul da Bahia. O Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), publicado pela Funai em 2015, reconhece a presença desse grupo na região desde o século XVI.
Uma semana após a entrada no território, os indígenas seguem apreensivos com a possibilidade de retaliação por parte dos fazendeiros da região. "Nesse momento, nós estamos nos sentindo acuados na retomada porque nós sabemos que os pistoleiros e os fazendeiros estão se organizando, se reunindo em alguma fazenda com a proposta de atacar a gente aqui”, diz um dos coordenadores do movimento. O temor não é injustificado: em 2000, a ação violenta dos fazendeiros contra uma retomada próxima culminou com a morte de um indígena.
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Mesmo com o temor de retaliações, os indígenas estão limpando a área da antiga sede da fazenda, que se encontra abandonada. Enquanto alguns cortavam o mato que cresceu entorno das construções, outro grupo juntava o lixo. Por meio de aplicativos de mensagem, todos entravam em contato com parentes de outras aldeias e território para se juntarem à retomada.
A fazenda está situada no coração da TI Comexatibá, onde se encontram o Rio do Norte, o Rio do Sul e o Rio Cahy. De acordo com as lideranças indígenas, a área ocupada pela fazenda está integralmente inserida no perímetro da da Terra Indígena. Eles denunciam, ainda, que a fazenda, que atualmente produz eucalipto em parceria com a Suzano Celulose, faz uso intensivo de agrotóxicos que afetam diretamente as ocupações indígenas e qualidade dos cursos d’água. Outro problema descrito pelos indígenas é o impacto dessa atividade nas nascentes da região. Eles afirmam que o manejo inadequado por parte dos fazendeiros ameaça a água no local.
Para as lideranças ouvidas pela reportagem do Brasil de Fato, retomar a terra é o início de um processo que visa aumentar a segurança territorial e alimentar dos indígenas, atualmente confinados em pequenas partes do território. "A terra é nosso corpo, os rios são nossas veias. Sem isso, o povo pataxó não vive", diz uma liderança da retomada. O objetivo do grupo é que em alguns anos, essa área esteja recuperada e com e mata reconstituída, além de abrigar uma nova aldeia do povo. “No Brasil, quem demarca terra são indígenas, não o governo”, resume uma liderança.
Além disso, a retomada busca chamar a atenção do governo para os conflitos e a necessidade de prosseguir com o processo de demarcação da TI Comexatibá, realizando a desintrusão das áreas controladas por não-indígenas. Outra reivindicação diz respeito à responsabilização dos agentes causadores dos impactos ambientais e a compensação pelos danos causados. Essa compensação seria utilizada na produção de alimentos e na recuperação da área.
Histórico dos Pataxó de Comexatibá
Segundo o relatório da Funai, a população Pataxó vem sofrendo há cinco séculos com a expulsão de suas terras e confinamento em áreas cada vez menores de território. Além dos conflitos com madeireiros e fazendeiros, os Pataxó de Comexatibá também se viram envolvidos em disputas em relação à criação de Projeto de Assentamento (PA) por parte do Incra e com funcionários dos órgãos ambientais (primeiro o Ibama e depois o ICMBio) em função da criação (1999) e posterior implementação do Parque Nacional do Descobrimento. Lideranças Pataxó ouvidas pela reportagem afirmam que a sua existência jamais foi levada em consideração na implementação do assentamento ou do parque.
Cada vez mais vulneráveis e com seu território sendo expropriado e os recursos destruídos, os Pataxó lançam mão, a partir de 1999, da estratégia das retomadas para voltarem a controlar partes significativas de seu território. As retomadas rapidamente se multiplicam, causando violenta reação por parte dos fazendeiros.
Pressionada pelo acirramento dos conflitos, a Funai iniciou o processo de demarcação da TI Comexatibá em 2005. O Relatório levou 10 anos para ser publicado e, mesmo assim, o processo de demarcação e a desintrusão da TI seguem paralisados. Segundo matéria publicada pelo Instituto Socioambiental em 2016, um dos motivos para a morosidade da conclusão do processo é a judicialização do mesmo e a quantidade de ocupações não-indígenas na área: são 170 contestações e 78 ocupações.
Manifesto da Retomada
Em um vídeo divulgado no domingo (26), uma das lideranças acusa a Suzano Celulose de ser uma das responsáveis pela degradação ambiental no região e, particularmente, no território de Comexatibá. O vídeo, um manifesto da retomada, demonstra a insatisfação dos Patoxó com a destruição de seu território ancestral e sagrado. Assista abaixo:
A reportagem do Brasil de Fato procurou a Secretaria de Segurança Pública da Bahia e a Funai, que não se manifestaram até o fechamento da reportagem.
Por meio de nota, a Suzano informa que tomou conhecimento de "incidente em área de seu parceiro florestal e está acompanhando o caso". A companhia reitera ainda no texto o "seu compromisso com o diálogo frequente e transparente com as diversas comunidades das regiões onde está, incluindo populações urbanas, rurais e tradicionais", dizendo ainda repudiar "qualquer tipo de violência e que espera que haja agilidade na solução deste caso".
Já a Associação Baiana das Empresas de Base Florestal (ABAF) diz que "o incidente em área de plantio de eucalipto no município do Prado, Extremo Sul da Bahia, não ocorreu em área própria de nenhuma das empresas associadas que atuam nesta região do estado; mas de um parceiro que fornece madeira à indústria de papel e celulose". A associação diz repudiar "qualquer tipo de violência" e que está "sempre à disposição para contribuir com o que seja necessário, visando o esclarecimento e a resolução de qualquer conflito".
Edição: Thalita Pires e Glauco Faria