Os 305 povos indígenas existentes atualmente no Brasil querem ser protagonistas de seus planos de vida, da autonomia em seus territórios e também terem garantido o direito de participação na formulação, no monitoramento e na avaliação das políticas públicas que lhes dizem respeito. As demandas estão documento final aprovado pelos participantes da edição 2022 do Acampamento Terra Livre (ATL).
Maior mobilização indígena do país, o evento teve neste ano a maior edição em 18 anos de história. Foram cerca de oito mil indígenas de 200 povos, que se reuniram em Brasília entre os dias 4 e 14 de abril. A programação envolveu assembleias, rodas de conversa e protestos nas proximidades do Congresso Nacional.
O documento final foi divulgado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e traz propostas para “reconstruir” o país. No texto, o movimento indígena descreve que, como nos tempos da invasão colonial, atualmente há “um declarado plano de morte, etnocídio, ecocídio e genocídio nunca visto nos últimos 34 anos de democracia” no Brasil.
“Bolsonaro, desde sua campanha eleitoral e já no primeiro dia de seu mandato, proferiu discursos racistas e de ódio contra os povos indígenas, elegendo-nos como inimigos preferenciais”, aponta o texto.
Os ataques protagonizados ou estimulados pelo governo federal incluem, na visão dos participantes do ATL, a defesa da “integração” dos povos indígenas “à chamada sociedade civilizada” e a uma “propagandeada cultura nacional”, visando dissolver diversas identidades socioculturais. “O atual presidente trabalha ainda para legalizar a atuação das organizações criminosas que agem nos territórios: garimpeiros, madeireiras, pecuaristas, milicianos e grileiros”.
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Entre as iniciativas legislativas que tem o intuito de materializar o que os indígenas chamam de “projeto de morte” estão os Projetos de Lei (PL) 490/2007 (do marco temporal), 191/2020 (autoriza mineração em terras indígenas), 6299/2002 (flexibiliza o uso de agrotóxicos), 2159/2021 (afrouxa necessidade de licenciamento ambiental) e os de número 2633/2020 e 510/2021, que permitem a grilagem de terras públicas.
A luta é por toda a humanidade
Ressaltando a importância de “interromper esses processos de destruição e morte”, os indígenas alertam que a luta do movimento é em defesa de seus povos, mas não só: a existência da própria humanidade depende disso. Em plenária final do Acampamento Terra Livre foram aprovadas propostas divididas em cinco eixos, com o objetivo de apresentar publicamente uma “plataforma indígena de reconstrução do Brasil”.
Para viabilizar “Demarcação e proteção aos territórios indígenas já”, as propostas incluem a elaboração de um plano factível para a imediata desintrusão das terras dos povos originários e a constituição de uma “força tarefa interministerial para criar planos permanentes de proteção” a esses territórios. Além disso, é demandado o fortalecimento da política especial de proteção e não contato aos povos indígenas isolados e de recente contato.
A retomada dos espaços de participação e controle social é o segundo eixo, em que se reafirma a necessidade de que, em conformidade com o artigo 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os indígenas sejam consultados a respeito de medidas que impactem seus territórios e direitos.
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Além disso, os indígenas salientam a importância da reativação de dispositivos de participação nos quais seus povos antes tinham representação, tais como o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), o Conselho de Segurança Alimentar (Consea) e o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).
“Reconstrução” de políticas e instituições indigenistas também formam um eixo, com destaque para a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). O quarto eixo busca a interrupção da “agenda anti-indígena no Congresso Federal”.
A defesa do meio ambiente constitui o eixo cinco, que tem o maior número de propostas. Entre elas estão: o estabelecimento de mecanismos de rastreabilidade de produtos para garantir que não venham de territórios em conflito envolvendo povos indígenas; a retomada dos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris; a reestruturação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o reconhecimento da contribuição dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais na preservação da biodiversidade brasileira, incentivando as suas práticas.
“Se preciso for”, avisam os diferentes povos do movimento indígena, “daremos a nossa vida para defender o que conquistamos e preservamos até hoje, após muitas perdas e muito sangue dos que nos antecederam nestas lutas”.
Edição: Felipe Mendes