22 anos depois

Estado brasileiro é julgado na OEA por repressão policial que matou Antônio Tavares e feriu 185

Audiência é nesta segunda (27) e terça (28) e julga a omissão e falta de responsabilização em ataque ocorrido em 2000

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Um monumento de Oscar Niemeyer marca o lugar onde Tavares foi assassinado e homenageia as vítimas do latifúndio - Foto: Wellington Lenon

Nesta segunda (27) e terça-feira (28) a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA) julga, uma vez mais, o Estado brasileiro.

Depois de 22 anos do ataque da Polícia Militar (PM) do Paraná que assassinou o camponês Antônio Tavares e feriu outros 185 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o país é julgado pela omissão e não responsabilização dos envolvidos. O episódio é considerado pelo MST "um dos momentos mais emblemáticos do processo de violência e de criminalização na luta pela terra". 

A audiência acontece em San Jose, na Costa Rica, com transmissão ao vivo pelo Youtube da CIDH e das entidades que entraram com a petição: a Justiça Global, a Organização Terra de Direitos, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o MST. 

Na petição à Corte, as organizações argumentam que depois da repressão estatal ocorrida em 2 de maio de 2000, em Campo Largo (PR), o policial apontado como responsável pelo disparo que matou Tavares – Joel de Lima Santa Ana – foi absolvido e os demais inquéritos foram arquivados em todas as instâncias. 

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Além de depoimentos de vítimas e testemunhas enviados por escrito ou que serão apresentados oralmente, a audiência terá participação presencial de Maria Sebastiana, a viúva de Antônio Tavares. Serão ouvidas também as organizações peticionárias, peritos e representantes do Estado brasileiro.  

As reivindicações apresentadas à Corte são: a adoção de medidas de justiça, reparação, memória e não repetição para a família de Tavares e as 185 vítimas, além da elaboração e execução, por parte do Estado, de um Plano Nacional de Reforma Agrária e um Plano Nacional de Combate à Violência no Campo.  

Relembre o caso 

Em 2 de maio de 2000, cerca de dois mil integrantes do MST se deslocavam até Curitiba (PR) para participar de uma Marcha pela Reforma Agrária. Sem qualquer amparo judicial, o governador à época, Jaime Lerner (antigo DEM), enviou cerca de 1,5 mil agentes da tropa de choque da Polícia Militar para impedir que a comitiva de 50 ônibus seguisse para o seu destino.  

A polícia bloqueou a BR-277 na altura do km 108 e impediu, com ataques a tiros, que os trabalhadores rurais passassem. Quando as pessoas desceram dos ônibus, foram atingidas pelos disparos e munição menos letal. Aos 38 anos, Antônio Tavares Pereira foi assassinado, deixando a esposa e cinco filhos. Outras 185 pessoas se feriram. Segundo o MST, a polícia não prestou socorro a ninguém.  

"Muitas pessoas se perderam ali durante vários dias, foram acolhidas pelas comunidades ao redor, acolhidas por essas comunidades", relata Ceres Hadich, dirigente nacional do MST do Paraná. "Então ao mesmo tempo em que esse fato demonstra a truculência do Estado, essa postura criminalizatória e violenta, de outro lado também foi um marco importante no qual a sociedade se colocou a favor daquele povo sem terra", avalia.

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Tavares vivia em um assentamento da reforma agrária na cidade de Candói (PR) e integrava o Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município. No lugar onde foi morto, foi instalado um monumento do arquiteto Oscar Niemeyer em sua homenagem e a todas as vítimas do latifúndio.   

As gestões de Lerner, entre 1994 e 2002, são consideradas pelo MST como os oito anos mais duros de repressão e criminalização contra o movimento no estado paranaense. No documento entregue à OEA, é apontado que durante esse período ocorreram 502 prisões de agricultores, 324 lesões corporais, sete de casos de tortura de trabalhadores rurais, 31 tentativas de homicídio, 16 assassinatos, 134 despejos violentos e um sequestro.  

O passado no presente 

O episódio de Antônio Tavares não aconteceu durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), mas é a atual gestão que, enquanto representante do Estado O coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo, comentou como o caso emblemático de 22 anos atrás se conecta com os tempos atuais de forte repressão a ativistas, trabalhadores e defensores do meio ambiente.  

O julgamento acontece depois de um final de semana marcado pelos emocionados velórios do indigenista Bruno Pereiro e do jornalista Dom Phillips, brutalmente assassinados na região do Vale do Javari, na Amazônia.  

"Estamos vivendo o pior momento de possibilidade de garantia de direitos de acesso à terra. Os órgãos responsáveis por regularizar áreas territórios quilombolas, fazer a reforma agrária ou demarcar terras indígenas estão proibidos pelo próprio presidente da república de exercitar comandos constitucionais", descreve Frigo. 

"Ainda que tardio, é muito emblemático esse caso ser levado à Corte, porque ele traz, ao banco dos réus, o Estado", resume Hadich. "Em um momento em que estamos passando por um período muito obscuro da nossa história, de ataques permanentes aos nossos direitos", avalia.

 

Edição: Thalita Pires