Jornalismo na mira

Assange é alvo de "vingança" dos EUA por revelar crimes de guerra, afirmam especialistas

Evento virtual pela liberdade do jornalista do WikiLeaks discutiu as implicações para os direitos humanos do caso

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Assange está em uma prisão de segurança máxima - Assange Defense

Os Estados Unidos querem a extradição de Julian Assange por causa de sua atuação na divulgação de crimes, afirmaram participantes de uma live sobre o caso nesta quinta-feira (23). O evento ocorreu paralelamente à 50ª Sessão Ordinária do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e teve como objetivo denunciar os riscos criados pela decisão britânica de enviar o jornalista do WikiLeaks para solo estadunidense — onde pode ser condenado a passar o resto da vida atrás das grades.

A advogada e esposa do jornalista, Stella Morris Assange, afirmou que não é apenas seu companheiro que está sendo perseguido, mas tudo o que ele "representa", pela participação na divulgação de possíveis crimes de guerra dos Estados Unidos em suas invasões no Afeganistão e no Iraque.

"É por essa responsabilização [por crimes de guerra] que ele está sendo punido, por deixar o público conhecer a verdadeira face da guerra, o que está por trás dessas políticas de guerra no Oriente Médio", destacou Stella. "Se você pode pegar alguém de tão alto perfil por publicações que são, indiscutivelmente, de enorme valor público, incluindo crimes de guerra e o assassinato de dezenas de milhares de pessoas inocentes, se você pode colocá-lo na prisão por isso, então você pode ir atrás de qualquer um".

No dia 17 de junho a ministra do Interior do Reino Unido, Priti Patel, autorizou o envio de Assange para os EUA. Ele está detido na prisão de segurança máxima de Belmarsh desde 2019.

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O evento desta quinta foi organizado pela Articulação para os Direitos Humanos (AMDH), Assembleia Internacional dos Povos, Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Movimento Nacional pelos Direitos Humanos (MNDH) e Sociedade Maranhense para os Direitos Humanos (SMDH). Ainda contou com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Artigo 19 Brasil e América do Sul e Lawyers for Assange.

Em sua participação, o jornalista Vijay Prashad, da Assembleia Internacional dos Povos, lembrou que um terremoto na quarta-feira (22) no Afeganistão matou cerca de mil pessoas. Apesar do acontecimento, não houve grande repercussão internacional do fato. Prashad destacou que a falta de cobertura demonstra que há uma divisão de valor nas vidas humanas — e Assange lutava contra essa divisão.

"Há uma divisão internacional da humanidade, a vida de algumas pessoas importam, a vida de outras pessoas simplesmente não é importante", disse Prashad.

O jornalista ainda lembrou que em 2004 o então Secretário-geral da ONU, Kofi Annan, afirmou que a guerra promovida pelos EUA contra o Iraque era ilegal e fez algumas perguntas: "Se foi uma guerra ilegal, por que ninguém dessa guerra está sendo processado? Por que George W. Bush não está sendo discutido? Por que não olhamos para Tony Blair? Por que Tony Blair não está na prisão de Belmarsh? Aqueles que promoveram uma guerra ilegal estão livres, aqueles que promoveram uma guerra ilegal não estão enfrentando nada", afirmou Prashad.

Zuliana Lainez, vice-presidente da Federação Internacional dos Jornalistas, também participou do evento e afirmou que Assange está sendo alvo de uma vingança por revelar crimes de guerra.

"Não é uma vingança apenas contra Assange, é também uma vingança contra todos os jornalistas ao redor do mundo. É um ação direta para mandar um recado para jornalistas, eles não devem mostrar o que está escondido", disse Lainez. "Não é um crime ser jornalista, não é um crime fazer jornalismo".

Em seu relatório para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, a advogada Irene Khan destacou que o "esforço continuado" dos EUA para processar Assange "pode estabelecer um precedente para punir não apenas os denunciantes, mas também jornalistas, sem considerar se suas reportagens são de interesse público".

Edição: Felipe Mendes