8º dia de greve

Presidente do Equador decreta novo estado de sítio em seis regiões durante greve geral

Paralisação teve um morto e mais de 79 presos; Assembleia exige que Executivo abra mesa de diálogo com grevistas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Em oito dias de paralisação, mais de 70 pessoas foram detidas, enquanto seis estados permanecem sob controle das Forças Armadas o Equador - Cristina Vega Rohr/ AFP

O presidente do Equador, Guillermo Lasso, assinou um novo decreto de estado de sítio, na noite de segunda-feira (20), ampliando o controle das Forças Armadas para seis províncias equatorianas: Pichincha, Imbabura, Cotopaxi, Chimborazo, Tungurahua e Pastaza. A capital Quito terá toque de recolher a partir das 22h. A medida impede a realização de reuniões em espaços públicos, prevê o uso progressivo da força pública, mas autoriza "manifestações pacíficas". 

Há oito dias os movimentos indígenas organizam uma greve geral nacional, bloqueando as principais vias de cinco províncias, entre elas Cotopaxi e Chimborazo, que agora estão sob estado de sítio. Segundo levantamento de organizações de direitos humanos, 79 pessoas já foram detidas e, na última segunda-feira (20), houve o primeiro falecido, durante confronto com a polícia nacional, em Guayllabamba, norte da capital equatoriana.

O ministério do Interior relatou que cinco pessoas caíram de uma ponte durante os atos em Quito, um jovem de 22 anos faleceu e outros quatro permanecem internados em estado grave.

Lasso emitiu o novo decreto depois que a Assembleia Nacional votou pela revogação do documento anterior, publicado na sexta-feira (17). O novo documento retira aspectos consideras inconstitucionais do decreto anterior, como a autorização de prisões extra-judiciais e a proibição de manifestações públicas.

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O chefe de Estado afirma que já atendeu parte das reivindicações, aumentando US$ 5 (cerca de R$ 25) no valor do bônus de Desenvolvimento Humano, pago a 1 milhão de famílias vulneráveis; dando um subsídio de 50% no preço dos fertilizantes a pequenos e médios agricultores; perdoando dívidas, concedendo créditos e se comprometendo a não privatizar setores estratégicos do país.

Mas Lasso repete que a paralisação tem o objetivo de tirá-lo do poder. "Estendemos a mão, chamamos o diálogo, mas eles não querem a paz. Querem instalar o caos, destituir o presidente, mas estou aqui, não vou escapar", publicou o mandatário.

"Estou aqui para proteger os cidadãos. Lutarei sempre para defender a democracia e a vontade do povo euqatoriano. Não permitirei que se imponha o caos"

Além do chefe do Executivo, o ministro de Defesa também elevou a hostilidade, afirmando que os protestos seriam manipulados pelo narcotráfico. 

"As Forças Armadas não permitirão que se tente romper a ordem constitucional ou qualquer ação contra a democracia e as leis da República. Os protestos são legítimos sempre e quando não atentem contra as garantias e direitos da maioria de viver em paz", disse o ministro Luis Lara.

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Pabel Muñoz (Movimento Revolução Cidadã), líder da bancada de oposição, avalia que a resposta do governo à paralisação foi um "fracasso". 

"Primeiro o presidente disse que a greve não iria adiante, depois prendeu o presidente da Conaie, em seguida emitiu um decreto de estado de sítio, depois ocupou a Casa da Cultura, algo que não acontecia desde a ditadura", disse o parlamentar.

Desde segunda, a Casa da Cutura Equatoriana (CCE) e as maiores universidades de Quito, que seriam pontos de encontro da mobilização indígena, estão cercadas por militares.

Após oito dias de paralisação, alguns voos para Quito foram cancelados e a imprensa local afirma que há desabastecimento de produtos no mercado municipal de Guayaquil, maior cidade equatoriana, localizada na província de Guayas. 

A Câmara de Comércio de Quito diz que as vendas diminuíram 40% na última semana, representando um prejuízo de cerca de US$ 60 milhões. No último domingo (19) se celebrou o dia dos pais no país e o movimento foi menor que o esperado.


Em pelo menos cinco regiões as principais vias estão bloqueadas pelas manifestações da greve geral dos equatorianos / Veronica Lombeida / AFP

A Confederação de Nacionalidades Indígenas (Conaie) insiste que as principais causas que geraram a mobilização não foram solucionadas. Entre elas, destacam o aumento de 37% gasolina e 65% do diesel somente neste ano. Desde o governo do antecessor, Lenin Moreno, o Equador rompeu com uma política de mais de 20 anos de subsídios aos combustíveis aplicando a paridade aos preços internacionais do barril de petróleo - similar ao adotado pela Petrobrás a partir da gestão de Michel Temer.

"O setor político de Lasso, de maneira classista e racista, dizia que os subsídios geravam uma classe de vagabundos", denunciou Muñoz.

A Conaie ainda denuncia que 80% do território indígena sofre com o extrativismo mineiro.

Também afirmam que sete a cada dez equatorianos estão desempregados. De acordo com dados oficiais, 66% da população está no setor informal. 

No último ano, cerca de 1,5 milhão de pessoas passaram a viver na pobreza. Cerca de 27,7% da população equatoriana é pobre e 10,5% vive na pobreza extrema, segundo dados de dezembro de 2021 do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Inec).

As bases do movimento indígena permanecem mobilizadas, mas no Parlamento, o partido Pachakutik, que tem a presidência da Assembleia, está dividido entre o apoio às manifestações e o respaldo à política do governo. Para suspender o novo decreto executivo, os deputados deveriam voltar a reunir-se.

Após a última manobra de Lasso, de emitir um novo decreto durante a sessão parlamentar que discutia o estado de sítio anterior, a bancada da Revolução Cidadã avalia a possibilidade de pressionar pela destituição do Legislativo e do Executivo e a convocatória de novas eleições gerais nos próximos seis meses.

"As medidas anunciadas pelo presidente não são vistas nem com otimismo e nem com confiança pelo setor mobilizado. Me parece que o governo continua sem rumo, insistindo no discurso do diálogo, nós também vamos apostar por essa via. Mas há uma enorme possibilidade  de que as manifestações já superaram a convocatória da Conaie", conclui o deputado Pabel Muñoz.
 

Edição: Rodrigo Durão Coelho