O presidente do Equador, Guillermo Lasso, assinou um novo decreto de estado de sítio, na noite de segunda-feira (20), ampliando o controle das Forças Armadas para seis províncias equatorianas: Pichincha, Imbabura, Cotopaxi, Chimborazo, Tungurahua e Pastaza. A capital Quito terá toque de recolher a partir das 22h. A medida impede a realização de reuniões em espaços públicos, prevê o uso progressivo da força pública, mas autoriza "manifestações pacíficas".
Há oito dias os movimentos indígenas organizam uma greve geral nacional, bloqueando as principais vias de cinco províncias, entre elas Cotopaxi e Chimborazo, que agora estão sob estado de sítio. Segundo levantamento de organizações de direitos humanos, 79 pessoas já foram detidas e, na última segunda-feira (20), houve o primeiro falecido, durante confronto com a polícia nacional, em Guayllabamba, norte da capital equatoriana.
O ministério do Interior relatou que cinco pessoas caíram de uma ponte durante os atos em Quito, um jovem de 22 anos faleceu e outros quatro permanecem internados em estado grave.
Lasso emitiu o novo decreto depois que a Assembleia Nacional votou pela revogação do documento anterior, publicado na sexta-feira (17). O novo documento retira aspectos consideras inconstitucionais do decreto anterior, como a autorização de prisões extra-judiciais e a proibição de manifestações públicas.
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O chefe de Estado afirma que já atendeu parte das reivindicações, aumentando US$ 5 (cerca de R$ 25) no valor do bônus de Desenvolvimento Humano, pago a 1 milhão de famílias vulneráveis; dando um subsídio de 50% no preço dos fertilizantes a pequenos e médios agricultores; perdoando dívidas, concedendo créditos e se comprometendo a não privatizar setores estratégicos do país.
Mas Lasso repete que a paralisação tem o objetivo de tirá-lo do poder. "Estendemos a mão, chamamos o diálogo, mas eles não querem a paz. Querem instalar o caos, destituir o presidente, mas estou aqui, não vou escapar", publicou o mandatário.
Estoy aquí para proteger a los ciudadanos. Lucharé siempre por defender la democracia y a la voluntad del pueblo ecuatoriano. No permitiré que se imponga el caos. pic.twitter.com/ZJUspYuVMP
— Guillermo Lasso (@LassoGuillermo) June 20, 2022
Além do chefe do Executivo, o ministro de Defesa também elevou a hostilidade, afirmando que os protestos seriam manipulados pelo narcotráfico.
"As Forças Armadas não permitirão que se tente romper a ordem constitucional ou qualquer ação contra a democracia e as leis da República. Os protestos são legítimos sempre e quando não atentem contra as garantias e direitos da maioria de viver em paz", disse o ministro Luis Lara.
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Pabel Muñoz (Movimento Revolução Cidadã), líder da bancada de oposição, avalia que a resposta do governo à paralisação foi um "fracasso".
"Primeiro o presidente disse que a greve não iria adiante, depois prendeu o presidente da Conaie, em seguida emitiu um decreto de estado de sítio, depois ocupou a Casa da Cultura, algo que não acontecia desde a ditadura", disse o parlamentar.
Desde segunda, a Casa da Cutura Equatoriana (CCE) e as maiores universidades de Quito, que seriam pontos de encontro da mobilização indígena, estão cercadas por militares.
Após oito dias de paralisação, alguns voos para Quito foram cancelados e a imprensa local afirma que há desabastecimento de produtos no mercado municipal de Guayaquil, maior cidade equatoriana, localizada na província de Guayas.
A Câmara de Comércio de Quito diz que as vendas diminuíram 40% na última semana, representando um prejuízo de cerca de US$ 60 milhões. No último domingo (19) se celebrou o dia dos pais no país e o movimento foi menor que o esperado.
A Confederação de Nacionalidades Indígenas (Conaie) insiste que as principais causas que geraram a mobilização não foram solucionadas. Entre elas, destacam o aumento de 37% gasolina e 65% do diesel somente neste ano. Desde o governo do antecessor, Lenin Moreno, o Equador rompeu com uma política de mais de 20 anos de subsídios aos combustíveis aplicando a paridade aos preços internacionais do barril de petróleo - similar ao adotado pela Petrobrás a partir da gestão de Michel Temer.
"O setor político de Lasso, de maneira classista e racista, dizia que os subsídios geravam uma classe de vagabundos", denunciou Muñoz.
A Conaie ainda denuncia que 80% do território indígena sofre com o extrativismo mineiro.
Também afirmam que sete a cada dez equatorianos estão desempregados. De acordo com dados oficiais, 66% da população está no setor informal.
No último ano, cerca de 1,5 milhão de pessoas passaram a viver na pobreza. Cerca de 27,7% da população equatoriana é pobre e 10,5% vive na pobreza extrema, segundo dados de dezembro de 2021 do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Inec).
As bases do movimento indígena permanecem mobilizadas, mas no Parlamento, o partido Pachakutik, que tem a presidência da Assembleia, está dividido entre o apoio às manifestações e o respaldo à política do governo. Para suspender o novo decreto executivo, os deputados deveriam voltar a reunir-se.
Após a última manobra de Lasso, de emitir um novo decreto durante a sessão parlamentar que discutia o estado de sítio anterior, a bancada da Revolução Cidadã avalia a possibilidade de pressionar pela destituição do Legislativo e do Executivo e a convocatória de novas eleições gerais nos próximos seis meses.
"As medidas anunciadas pelo presidente não são vistas nem com otimismo e nem com confiança pelo setor mobilizado. Me parece que o governo continua sem rumo, insistindo no discurso do diálogo, nós também vamos apostar por essa via. Mas há uma enorme possibilidade de que as manifestações já superaram a convocatória da Conaie", conclui o deputado Pabel Muñoz.
Edição: Rodrigo Durão Coelho